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    Entre Benfica e Cacuaco: Grupo de engenheiros projecta Rio Luanda

    Um grupo de engenheiros angolanos tem vindo a trabalhar num projecto inovador, que propõe a construção de um rio artificial (especialmente concebido para abastecer de água a capital do país), que poderia atravessar toda a cidade de Luanda, numa extensão de 52 quilómetros.

    O ambicioso projecto, segundo os promotores, propõe realizar várias funções – produção e distribuição de água potável, acesso ao saneamento básico, reconversão urbana e desenvolvimento económico municipalizado, entre outras. E ainda poderá ser mais barato do que os programas financiados actualmente pelo Governo.

    Para António Venâncio, um dos rostos do referido grupo de trabalho, o “Governo habituou-se, por razões históricas, a aprovar projectos elaborados apenas por estrangeiros ou por estrangeiros em parceria com quadros angolanos”. O engenheiro civil considera que “muitos destes planos falharam por falta de aplicabilidade e acabaram por ser impostos a partir de cima”.

    “Os técnicos angolanos não tinham palavra e não eram ouvidos. As pessoas que discordavam de determinadas ideias não eram escutadas. Neste momento, sentimos que as propostas já são bem vindas pela governação, mas que as lideranças intermédias continuam de pé atrás. Mesmo assim, acredito que o Governo já perdeu a hegemonia das engenharias”, defende António Venâncio.

    O abastecimento de água canalizada só beneficia uma minoria da população e também não existe estrutura de saneamento básico em Luanda e nas restantes províncias. “Apenas 2 por cento da população tem acesso ao saneamento”, assinala António Venâncio.

    Edifício da EPAL a empresa pública que detém o monopólio da distribuição da água potável em Luanda (Foto: D.R.)

    O Rio Luanda está a ser pensado com dois braços, um ascendente e outro descendente (entre a zona da Ponte Molhada, no Benfica, e Cacuaco), com iluminação pública em toda a sua extensão (a energia necessária será produzida pelo próprio rio), bacias de retenção, seis metros de profundidade e criação de zonas de reconversão urbana ao longo do projecto (com áreas previstas para realojamento da população e concessão de terras para investimento público e privado), com o objectivo de fornecer água 24 horas por dia.

    Todos os projectos que estão a ser ou foram desenvolvidos na província de Luanda serão integrados no Rio Luanda. O custo das obras ainda não está totalmente definido, mas os promotores acreditam que poderá atingir um terço do projecto Bita, avaliado em cerca de 1000 milhões de dólares.

    “A água potável pode levar o desenvolvimento aos musseques e promover uma série de negócios familiares, para além de abrir áreas propícias à reconversão urbana. Também vai promover a criação de empresas municipais de saneamento com gestão local (já tendo em vista as autarquias)”, explica António Venâncio.

    O engenheiro civil acredita que a criação das empresas provinciais, do seu ponto de vista, “não é suficiente para descentralizar a gestão do sector”.

    “São os municípios que têm de gerir o saneamento básico. A centralização é inversa ao desenvolvimento”,defende.Desde2010,foram criadas 16 empresas provinciais de água: apenas no Cuando Cubango e no Cuanza-Norte ainda não estão totalmente operacionais.

    “Os engenheiros angolanos têm de se unir para alterar o modelo que está a ser implementado. Temos de nos despir de todo o tipo de complexos. Para além do Rio Luanda, estamos a trabalhar numa proposta para um novo plano de recolha de resíduos e numa estratégia concreta para libertar as linhas de água que atravessam a capital do país”, anuncia Venâncio.

    As propostas levam também em conta a própria história das bacias de água presentes em Luanda, desde a antiga lagoa da Cidadela/Bairro Indígena, até à Lagoa do Kinaxixi e as linhas de água subterrâneas que correm até à zona da Corimba, que transportam consigo ensinamentos e memórias colectivas que podem contribuir para o debate.

    MINEA aberto a propostas e ao debate

    O majestoso rio Kwanza no seu curioso trajecto para o oceano Atlântico em Luanda(Foto: Angop)

    Do lado do Ministério da Energia e Águas (MINEA), Elsa Ramos, directora nacional das Águas, manifestou algum conhecimento sobre o Rio Luanda. E defende que a instituição está aberta a novas propostas e a provocar o debate, para que as diversas forças do país encontrem soluções para melhorar o acesso à água potável e ao saneamento básico.

    “Mesmo assim, considero que devemos deixar a engenharia funcionar e deliberar o que é mais correcto. As novas ideias são sempre bem-vindas. O que posso dizer é que os nossos sistemas de distribuição de água são construídos de forma convencional, dentro daquilo que está habitualmente definido. Um grupo de engenheiros apresentou uma proposta ao sector, já temos algum conhecimento sobre isso. Vamos aguardar”, frisou Elsa Ramos.

    Em termos de conceito, a responsável do MINEA defende que é necessário “analisar muito friamente todas as questões envolvidas”. Algumas ideias poderão “parecer muito vantajosas, mas, por vezes, há outras implicações que as tornam inviáveis. São questões que devem ser analisadas profundamente em termos de engenharia”, disse a directora nacional das Águas.

    Relativamente à falta de debate e de maior participação dos técnicos e da academia angolana nos grandes desígnios nacionais, Elsa Ramos defende que o sector tem as portas abertas.

    “O exercício de participação é bem-vindo e tem sido proporcionado. Neste momento, temos vários projectos em auscultação pública, onde fazemos questão de que os sectores associados às águas transmitam a sua opinião. O sector nunca esteve fechado e também não fazemos projectos à porta fechada.

    Por exemplo, estamos neste momento a lançar, com o financiamento do Banco Africano de Desenvolvimento (BAD), os estudos sobre o saneamento básico em 11 cidades costeiras. Estes projectos estão em auscultação pública em Cabinda e na província do Zaire, onde o processo está mais adiantado”, conta a responsável.

    Aleix Capdevila, do Banco Mundial, ainda que admita não conhecer o conceito na base do Rio Luanda, levanta algumas reservas e defende o projecto Bita, que deverá ser construído com o apoio do Banco Mundial, mesmo quando analisa a relação entre custos e benefícios.

    “Existem sempre ideias alternativas… Acho que o projecto Bita é um bom exemplo, mesmo ao nível dos custos”, defende o gestor de projectos do Banco Mundial.

    O projecto Bita prevê abastecer de água potável toda a zona Sul de Luanda. A captação será feita no Rio Kwanza e, numa das margens, vai ser construída uma estação de tratamento. Dali, por gravidade, as canalizações vão transportar a água para cinco ou seis Centros de Distribuição, que vão abastecer os Ramiros, Bairro Mundial e Cabolombo.

    A ligação vai estender-se até à zona sul do Benfica, onde há rede de distribuição, mas não há serviço de abastecimento. “Toda esta zona da cidade compra água dos camiões cisternas. Que é mais cara. Quando analisamos o que as famílias pagam neste contexto, e o que poderão vir a pagar pela água canalizada, os preços reais descem bastante. E também vai melhorar a vida da população”, considera Capdevila.

    Ainda no projecto Bita, as redes secundárias e terciárias vão ser instaladas no interior dos bairros, com utilização de condutas mais pequenas e flexíveis, com capacidade para abastecer habitações que não seriam contempladas num projecto de engenharia convencional. “Por outro lado, a ideia do Rio parece-me um pouco faraónica, um pouco estranha e imaginária.

    Devido aos custos associados à movimentação de terras, parece-me que não faz muito sentido. Julgo que estou a perceber o conceito, mas em Luanda será de difícil implementação e não seria eficiente em termos de custos”, defende Aleix Capdevila, que afirma não ser um conceito comparável ao projecto Bita, que prevê fornecer água a 1 milhão de pessoas e atingir, no futuro, os dois milhões de clientes.

    “Luanda é uma cidade incrível, nunca vi algo parecido, onde a maior parte da população das zonas periurbanas é abastecida por camiões cisternas. Seria muito bom conhecer o desenho do Rio Luanda ou algum relatório sobre a proposta. Todo o debate é interessante e talvez possamos aproveitar algumas ideias”, conclui o responsável do Banco Mundial.

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