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    Balanços 2013

     (iStockphoto)

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    Em questão de horas, o ano acaba. Já lá vão os tempos em que doze meses pareciam uma eternidade. Ninguém sabe bem o que se terá passado com a marcha do tempo da década de oitenta para a frente mas a sensação que toda a gente me transmite é a mesma: “epa, agora os anos não demoram!” Podemos andar a viver a maior ilusão contábil da História.

    É que por muito que estejamos atentos aos números, espiemos a qualidade de fabricação dos almanaques, cacemos com lupas à Sherlock Holmes possíveis fraudes na arrumação dos dias e das semanas, chegamos sempre ao fim, em Dezembro, com a ideia de que o tempo voou e que antigamente não era bem assim. Um amigo gozão que tenho, mais rápido que Calado Show a atirar-nos para o piso com as gargalhadas que inventa, perguntou-me um dia com o seu humor improvável: “mas queriam um tempo mais lento porquê se vocês todos andam a correr? É a Fórmula 1 que nos trama”.

    Lembrei-lhe que nos anos 50, 60 e 70 já andavam locos ao volante a ameaçar as pistas, como Juan Manuel Fangio, Emerson Fittipaldi, Niki Lauda e outros, mas o tempo não parecia ter a pressa que agora tem de levar-nos ao fim do mundo. Imperturbável, defendeu-se com a manha que o distingue: “aqueles velhos cilindros são as ‘binas’ de hoje”. São muitas as consequências que nos chegam desta velocidade que se apoderou do Universo e que frustra naturalmente a tribo dos cientistas.

    Uma delas, a mais grave e temida, é que mais rapidamente nos tornamos velhos agora. Ano entra e ano sai, a verdade é que se acumula a lista das pendências: não encontramos a cura da SIDA; a malária continua sem vacina; as bactérias resistem cada vez mais aos antibióticos e, pior do que tudo, o Homem vale-se dos mesmos instintos selvagens para destruir a espécie, almejando ganhos triviais e vitórias pírricas! Chega a fase de espicaçar a memória para saber o que 2013 teve como realizações. Os indivíduos e as nações, mas mais aqueles que estas, pois um ano na vida de um Estado é um detalhe de dimensão micro.

    Da família próxima e alargada, dos amigos, colegas e conhecidos, são imensos os resumos que se espalham por tertúlias informais, blocos de notas, mensagens telefónicas e desabafos nas redes sociais. Curioso como o valor dos feitos continua a manter a sua relatividade, francamente! O que parece grandioso para o cidadão que conseguiu ingressar no ensino superior e sonha com a licenciatura em Direito para daqui a quatro anos, não aquece nem arrefece ao Belchior, um menino de Benguela que se fez homem vendendo traquitanas no enfiamento do meu antigo prédio, nos Combatentes: “kota Luís, este ano consegui um fofandô, graças a Deus”.

    Para o Paulo Miranda Júnior – sim, esse mesmo que anima as manhãs da Rádio Luanda – o balanço de 2013 é telegráfico: “Este ano não foi mau. Longe de ser excelente. Foi bom. Amigos, fiz. Inimigos, aos montões”. O Bernardo Mayetu, um teimoso que me oferece abundante poesia por polir, gastou créditos valiosos a partir de Santa Clara, no Cunene, para anunciarme ao telefone: “meu kota, estava a ver que não ia conseguir. Acabei de entrar com o meu Starlet na fronteira”.

    Minutos antes, ensanduichado eu no trânsito da Samba, o jeep ao lado baixou o vidro para de lá sair um convite soando a ordem, quase: “Ouves-me bem? Domingo o almoço vai ser no Mussulo, alguém te vai ligar para coordenar: facturei 2 milhões de dólares este ano”. Há uma semana, misturado com o fausto dos preparativos e publicidade sobre as ceias natalícias, apertava-me no telejornal da TV Zimbo aquela imagem de um génio humilde, o neurocirurgião meu amigo Mayanda Inocente, que à sua conta tem mais de quinhentas operações feitas aos miúdos com hidrocefalia, no seu modesto centro médico no Kifica, um poeirento lugar da periferia de Luanda.

    Numa rápida passagem pelas redes sociais, descobri que se contavam votos para se saber quem seria o homem do ano. Tudo na lógica da confrontação bacoca, sem lugar aos que verdadeiramente salvam o mundo humanizando-o! Foi-se-me o pingo de bom humor que me restava só de pensar na natureza dos balanços que se fazem cada vez que um ano chega ao fim! (opais.net)

    por Luis Fernando

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