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    Aura Miguel: «É uma viagem histórica para os católicos iraquianos e para as relações inter-religiosas»

    O Papa Francisco está desde esta sexta-feira no Iraque para uma visita de quatro dias a este país do Médio Oriente.

    O chefe dos católicos, não obstante a situação tensa em território iraquiano, não abdicou da deslocação.

    Para Aura Miguel, especialista em assuntos religiosos e vaticanista, é um símbolo forte o Papa Francisco deslocar-se ao Iraque, a sua primeira viagem desde o início da pandemia, num processo de reaproximação com os fiéis iraquianos, isolados no próprio país, e também com os outros actores religiosos, neste caso com um encontro entre o chefe dos católicos e o Aiatolá Ali al-Sistani, uma figura do islamismo xiita.

    RFI: Esta viagem é de alto risco para o Papa Francisco?

    Aura Miguel: Eu creio que o Papa Francisco já nos habituou a ter uma preferência especial por aqueles que sofrem, pela Igreja ferida como ele diz, e arrisca muito. Esta é talvez a viagem mais arriscada do seu Pontificado. Mas recordo por exemplo quando ele quis ir à República Centro-Africana e foi demovido insistentemente por Estados e forças de segurança. Era uma viagem de risco, mas ele foi lá abrir a porta Santa da Misericórdia. Os olhos do mundo estavam centrados nessa viagem. E penso que isso também é um critério que podemos ter em conta com o Iraque. Porque se há uma Igreja que tem sofrido ao longo de tantas décadas, já desde Saddam Hussein, com tantos mártires e refugiados, ou até mortas como sabemos, é a Igreja do Iraque. Com o Estado Islâmico, milhares e milhares se recusaram à conversão ao Islão. Como o próprio Papa já dizia, não se pode desiludir este povo que há tanto tempo espera a visita de um Papa, até João Paulo II tinha tido esse desejo. Ele sabe que corre riscos no que se refere à violência, e também num país em que os contágios estão a aumentar no que diz respeito à pandemia. É uma viagem de riscos em vários sentidos. Ele tem 84 anos e, independentemente de já estar vacinado, é de risco.

    RFI: Há outros objectivos nesta visita?

    Aura Miguel: Há ainda outra dimensão, que é a dimensão inter-religiosa porque a maioria do Iraque é muçulmana. Outra das facetas que define este Pontificado é o desejo de dar passos de fraternidade com o Islão. E o Islão tem dois ramos, se podemos dizer assim, os sunitas e os xiitas. Ele já desencadeou um caminho mais avançado com os sunitas, com a ida ao Egipto. Agora também se deve considerar que é um marco histórico o encontro que está previsto com o Aiatolá Ali al-Sistani, que é o grande líder do lado xiita dos iraquianos. Ele também quer ir à planície, Ur dos Caldeus, onde João Paulo II queria ir, porque é a terra de Abrãao. É Abraão é o pai das três religiões monoteístas, dos judeus, dos cristãs e dos muçulmanos. Vai haver aí uma celebração muito importante.

    RFI: Nessa visita também vai encontrar-se com o Aiatolá Ali al-Sistani, é histórico?

    Aura Miguel: Inicialmente quando se fez a planificação desta viagem, não estava incluído este encontro como o Aiatolá Ali al-Sistani, que nunca recebeu ninguém em sua casa de outras religiões. É sim histórico. O encontro vai ser privado. Eventualmente haverá um comunicado.

    RFI: Com esta viagem ao Iraque, o Papa Francisco continua a marcar os espíritos…

    Aura Miguel: Neste caso acho que é contra tudo e contra todos. No briefing que houve antes da viagem, na sala de imprensa, vários jornalistas perguntaram ao Matteo Bruni, que é o director da sala de imprensa, porquê esta pressa em ir ao Iraque? E não tivemos resposta. A única resposta que houve é que o Papa ama o povo do Iraque e como qualquer acto de amor, também tem ‘atitudes radicais’. Esperemos que não aconteçam grandes problemas, se bem que o Papa vai vacinado e viaja de carro blindado. Sabemos que no Iraque não há grandes hospitais, nem grandes condições, aliás só agora é que umas milhares de vacinas da China, mas a população não está vacinada. Esperemos que não aconteça nada, nem em relação aos contágios, nem em relação à violência.

    RFI: Esta viagem é um sinal forte do Papa Francisco?

    Aura Miguel: É um sinal para o Iraque e para todo o Médio Oriente, onde a presença dos cristãos é fundamental e o próprio Aiatolá Ali al-Sistani disse que o Iraque só faz sentido com a presença de cristãos. Ele é um homem moderado, amigo dos cristãos. Sempre me lembro nas visitas de outros Papas e deste a outros lugares de risco, há sempre uma insistência a pedir aos cristãos que não saiam do país, que permaneçam, que construam, em diálogo com o Islão, uma sociedade fraterna.

    RFI: O Papa Francisco é assim tão diferente dos seus antecessores?

    Aura Miguel: Não acho, mas sim claro que é diferente. Cada um é diferente do outro. E cada um enfrenta as circunstâncias em função do tempo em que é Papa. Neste tempo fica mais evidente que o Papa Francisco tem um estilo muito próprio, que trouxe grandes inovações, mas também houve João Paulo II que começou a furar o protocolo, que começou a viajar pelo mundo, que praticava desporto. Cada um tem a sua especificidade. O Papa Bento XVI com a sua lucidez, a sua inteligência e a profundidade no pensamento do papa, a que não estávamos muito habituados, e ainda está por explorar, porque também foi alvo de uma má comunicação social, talvez por ele ser muito tímido e ser alemão e ser professor e ser mais velho. Mas é brilhante. Com muitas profecias e avisos do que é que poderia acontecer se não mudássemos de rumo, como se está a verificar. O Papa Francisco é diferente sim. Seria um pouco estranho se fossem todos iguais. Cada homem que recebe esta missão imensa de ser o representante de Cristo, Vigário de Cristo, não deixa de ser quem é e isso é muito interessante.

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    FonteRFI

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