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    Presidenciais de França. O debate anti-Le Pen que foi um exame a Macron

    Fillon foi estadista, Hamon foi humanista e Mélenchon vestiu-se de espalha brasas num debate de mais três horas que juntou cinco candidatos às presidenciais com o foco em dois: Macron e La Pen.

    A matemática, as estatísticas e os números são das melhores coisas que podemos ter, desde que bem utilizados. Neste caso, e para quem escreve este texto, servem de muleta para a análise do debate que a TF1 promoveu esta noite de segunda-feira com os candidatos às presidenciais de França. Comecemos pelo número de participantes – em 11, só cinco estiveram na discussão. Ou seja, “por uma questão de tempo, que ficaria resumido a 15 minutos para cada um”, houve um corte prévio na luta para menos de metade. Depois, era uma questão de distribuir: se eram cinco na luta e um ringue de boxe só tem quatro cantos, alguém teria de ir para o meio.

    E como não queremos ser acusados de parcialidade jornalística, aqui ficam os outros candidatos que ficaram de fora: Nicolas Dupont-Aignan (França de Pé, DLF), Nathalie Arthaud (Luta Operária), Philippe Poutou (Novo Partido Anticapitalista, NPA), Jean Lassale (independente), François Asselineau (União Popular Republicana) e Jacques Cheminade (Solidariedade e Progresso, SP).

    E isto é como na escola – quem vai para o meio, é o exposto que se arrisca a levar dos outros. François Fillon, Benoit Hamon e Jean-Luc Mélenchon rodaram nas esquinas mas nunca saíram de lá; os dois restantes, que lideram as sondagens para a passagem à segunda volta, revezaram-se: se o tema estava mais ligado à segurança ou à imigração, Marine Le Pen disparava chavões radicais contra os quatro adversários; quando entrámos na parte mais social e económica, Emmanuel Macron fugia ao papel de presa que quatro caçadores procuravam. Pelo meio, mesmo antes e pouco depois do intervalo, a luta foi a dois, entre Macron e Le Pen. E quando a líder da Frente Nacional colocou em causa o financiamento da campanha do movimento “Em Marcha!” (Macron), aproveitando a boleia de Hamon, a coisa azedou.
    As introduções, uma carta de apresentação

    François Fillon, de Os Republicanos, foi o último a chegar ao estúdio mas o primeiro a falar no debate. Com uma postura serena, uma pose estadista e um início salomónico a lamentar a falta de comparência forçada dos outros seis candidatos, tentou de forma clara apelar ao estilo mais ponderado e a uma visão mais global para iniciar uma espécie de mea culpa de todo um processo que chegou a colocar de forma séria a corrida às presidenciais. “Serei o presidente que protegerá o país contra os desordeiros e os violentos do interior e do exterior. Vivemos num mundo de incerteza e perigo, com um presidente americano imprevisível, um domínio chinês que coloca em perigo a nossa prosperidade e um perigo islâmico que é uma ameaça para o mundo. Serei o presidente que irá pôr a França num caminho que irá colocá-la em menos de dez anos como a primeira potência europeia”, assegurou.

    Seguiu-se Jean-Luc Mélenchon, líder de La France Insoumise. De gravata mas com uma camisola em vez de casaco e um tom que não deixava dúvidas – estava ali para conquistar um espaço que as sondagens lhe teimam em tirar. Na postura notava-se que era como uma equipa que perdeu a primeira eliminatória de forma clara mas quer dar a volta (se pensou que estávamos a falar do Barcelona, desengane-se desde já – e mais em baixo explicamos o porquê). “Serei o último presidente da V República. Vou redefinir na totalidade as regras. O povo tem o direito de recuperar o seu lugar no sistema financeiro. Vamos sair da NATO, isso leva a guerras que não podemos saber o resultado”, atirou sem esquecer… as questões climáticas.

    O terceiro a entrar em cena foi Benoit Hamon, do Partido Socialista. Que demorou pouco mais de um minuto para mostrar ao que vinha – um líder com uma visão humanista, a puxar pelo bem, pela igualdade e contra os dois principais males da sociedade francesa, a insegurança e os lobbies. “Que povo seremos nós no dia 7 de maio à noite? Bélico ou fraternal? Que República seremos nós? Benevolente ou autoritária? Que mensagem queremos passar ao mundo? Serei um presidente honesto e justo. E isso faz com que tenha de ser independente dos lobbies. Serei um presidente que acabará com as políticas feitas sempre pelos mesmos. Vou virar a página das velhas promessas pelas promessas que todos desejam”, explicou o ex-ministro da Educação.

    A penúltima a apresentar-se foi Marine Le Pen, fiel como sempre aos princípios mais extremistas que têm comandado o seu trajeto político. “Serei a verdadeira presidente da República francesa. Não serei uma vice-presidente da senhora Merkel, nem a vice-presidente de qualquer grande grupo. Quero ser a presidente que fará a verdadeira independência do nosso país. Os franceses têm o direito de decidir por eles mesmos. A França poderá escolher entre defender os seus valores e tradições, entre rearmar-se ou não contra a concorrência desleal. Muitos professores são intimidados, muitos supervisores e estudantes vão para a escola com medo. A segurança é fundamental. Sem paz na escola não há aprendizagem possível”, arrancou a líder da Frente Nacional.

    Para terminar, o agora líder nas sondagens, depois de ter andado tanto tempo na segunda posição das tendências: Emmanuel Macron, independente do Movimento “Em Marcha!”… que se apresentou como tal. “Não faço parte da vida política há décadas. Estou aqui porque quero, decidi servir novamente o meu país. Já fui ministro e depois vi o que estava bloqueado no nosso país. Lancei uma nova força política. Assumi as minhas responsabilidades para superar as divisões. Hoje, o nosso país está numa nova situação, enfrenta uma ameaça por causa das transformações radicais. Tenho um projeto de mudança profunda, com uma cara, novos costumes. É um projeto justo, eficaz e capaz de trazer de novo a esperança”, disse.
    Cortar a bem ou cortar a eito?

    A primeira hora e meia de debate mostrou uma espécie de encaixe estratégico dos candidatos: Le Pen não perdia a oportunidade de atacar Fillon, o candidato que lhe poderá fazer sombra para a passagem à segunda volta; Macron quis ser independente e fazer o seu caminho sem criar grandes animosidades com os restantes; Fillon nunca perdeu a compostura e estilo sóbrio para aproveitar os ataques dos outros a Macron e Le Pen para apanhar boleia; Hamon tentou rapar eleitorado de esquerda; Mélenchon apostou tudo num estilo de fuga para a frente em busca de um eleitorado francês cansado de ver políticos envolvidos em escândalos ou extremismos exagerados.

    Ao defender uma travagem total na imigração legal e ilegal, o rearmamento da polícia, o aumento exponencial do número de celas nas cadeias e a diminuição da idade penal para os 16 anos, ao mesmo tempo que prometia o ataque aos interesses privados que colocassem em causa uma França mais fechada para se abrir ao mundo como potência (mesmo de fronteiras cerradas) e uma escola onde não houvesse medo, Le Pen chamou a si o centro das atenções durante a primeira parte do debate. E pode mesmo dizer-se que, de forma propositada ou não, consumiu tempo dos adversários que não perdiam a oportunidade de lhe apontar o dedo pelo radicalismo das suas ideias.

    Macron, entre um erro grave (referiu que a maioria dos refugiados eram políticos e não económicos, o que está longe de ser verdade) e algumas imprecisões em números do sistema escolar, felicitou a forma como a Alemanha conseguiu controlar o problema da emigração, já depois de ter apresentado o seu plano para a educação e para a segurança, com aquilo que apelidou de “polícia do quotidiano com o intuito de assegurar a paz e não intimidar”. “O secularismo é um escudo”, defendeu ainda. Fillon, que tinha estado sossegado e sem levantar ondas, agarrou nessa questão dos elogios à política de Merkel para atacar a visão de Macron, já depois de ter referido que o plano de Le Pen para o aumento do contingente policial e do número de lugares nas cadeias era insustentável em termos financeiros. Assim, apresentou um plano de reforço de 5.000 polícias novos e outros 5.000 que seriam recolocados, sobretudo saindo dos gabinetes para o terreno, e abordou um sistema de quotas em função da capacidade real de França conseguir receber pessoas sem colocar em causa questões de segurança. A integração da comunidade muçulmana e uma maior transparência na vida política foram outros pontos chave.

    Mas maior transparência do que Jean-Luc Mélenchon ninguém teve. Nem na forma como apresentou as ideias, olhando todos os candidatos nos olhos enquanto parecia quase dançar no seu espaço no estúdio, nem nos projetos que explanou. Considerando a escola um pilar fundamental da vida francesa e defendendo a formação profissional pública, recorreu-se aos números para fundamentar os problemas da educação antes de passar ao lado da questão do secularismo com um simples “temos é de respeitar todos, até porque 60% são ateus”. O candidato de La France Insoumise prometeu também “abolir a monarquia presidencial”, cortando com lobbies e grupos de interesse.

    Já Hamon, mais forte quando o tema era a educação por ter sido ministro dessa área, reforçou a necessidade de entrada de 20.000 professores no sistema francês, ao mesmo tempo que se mostrou adepto de um “policiamento comunitário”, por forma a controlar de melhor forma as ameaças internas à segurança. “Os polícias devem ser respeitados e respeitar quem os rodeia”, argumentou, antes de tocar também na questão racial onde “um francês negro não pode ser mais controlado do que um francês branco”. A seguir, e contrariando o clima respeitoso que tinha mantido, lá deu uma alfinetada em Macron por causa do financiamento da sua campanha. Que passou a farpa. E que se tornou naquele que foi, provavelmente, o ataque mais forte da noite. Macron defendeu-se. E veio o intervalo. (Observador)

    por Bruno Roseiro

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