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    “Nenhum agente está autorizado a pedir dinheiro”

    O agente regulador de trânsito deve apenas solicitar a documentação do automobilista e passar a multa caso for necessário

    Os supostos casos de corrupção na Polícia de Trânsito têm merecido a atenção da sociedade, principalmente os automobilistas. O Comandante da Unidade de Trânsito de Luanda, Manuel Fernandes, em entrevista ao Jornal de Angola, frisou que nenhum agente está autorizado a pedir dinheiro ao automobilista. Nesta entrevista, adverte os prevaricadores com medidas disciplinares, que podem ir até à expulsão da corporação.

    Jornal de Angola – O facto de alguns polícias de trânsito serem supostamente corrompidos pelos “candongueiros” não provoca o aumento das irregularidades cometidas na via pública por esses automobilistas?

    Manuel Fernandes – Vamos sublinhar o termo supostamente, porque nós, enquanto forças da ordem, enquanto elementos fiscalizadores do trânsito, trabalhamos com factos. Trabalhamos com uma estrutura fortemente hierarquizada onde o factor disciplina é ponto de ordem. Temos um regulamento disciplinar que não só desincentiva, como pune severamente comportamentos contrários ao regulamento. Qualquer efectivo, não só do trânsito, está avisado que, ao ser autuado como corrupto, será alvo de medidas disciplinares severas que podem ir até à demissão compulsiva da corporação. Penso que nenhum efectivo gostaria de perder o emprego, porque ele veste a farda com muito orgulho, e é a partir da prestação de serviço público que sustenta a sua família e de certeza não quer ficar desempregados.

    JA – Está a fechar os olhos a esta realidade?

    MF – Não vamos fechar os olhos a esta realidade, porque compreendemos que estamos numa sociedade onde alguns vícios ainda fazem morada. Temos consciência também que, eventualmente, alguns efectivos, fruto de algum antecedente negativo antes de ingressarem na corporação, se possam ver envolvidos em situações do género. Nenhum automobilista deve, em circunstância alguma, proceder à entrega de qualquer valor monetário a qualquer efectivo policial.

    JA – Ainda assim, fala-se à boca cheia que há polícias reguladores de trânsito que recebem dinheiro de “candongueiros”…

    MF – Repito. Nenhum efectivo nosso está autorizado a pedir qualquer tipo de ajuda, nem financeira, nem material a qualquer condutor. Aliás, os nossos efectivos, no exercício da sua função enquanto agentes da fiscalização e regularização, estão proibidos mesmo de abordar com o automobilista qualquer assunto que não esteja ligado ao motivo que deu lugar à fiscalização. Devem somente solicitar a documentação, esclarecer os motivos pelos quais mandaram parar o automobilista, devolver os documentos ou aplicar a multa nos casos que se justificar. Qualquer condutor que entregar dinheiro ao polícia de trânsito também se está a colocar na condição de corruptor, porque deve ter consciência que o polícia não está aí para ser gratificado.

    JA – O comandante já teve que lidar com situações de corrupção na polícia de trânsito?

    MF – Tivemos três efectivos nessas condições que, depois de submetidos a processos disciplinares por força do regulamento de disciplina em vigor na Polícia Nacional, foram demitidos compulsivamente, porque a disciplina e a organização que a corporação pretende no seu seio não se compadece com essas práticas. Apresentámos também publicamente alguns falsos polícias de trânsito que conseguiram a farda por roubo e exerciam função policial na via pública, e foram encaminhados aos órgãos de justiça para responderem ao respectivo processo-crime.

    JA – O que o cidadão deve fazer se um polícia de trânsito lhe cobrar dinheiro?

    MF – Deve contactar o gabinete de inspecção por via do guichet de reclamação que funciona na Unidade de Trânsito e no Comando Geral da Polícia Nacional para manifestar o seu desagrado. Devo ainda realçar que aqueles cidadãos que voluntariamente entregarem algum bem ao polícia de trânsito não estão a ser bons cidadãos, não estão a colaborar com a corporação, porque estão a concorrer para descredibilizar a imagem da Polícia Nacional.

    JA – Alguns agentes de trânsito mandam parar “candongueiros”, aparentemente sem motivo, e esperam que o motorista vá ter consigo. Isso é correcto?

    MF – Todos os efectivos da Polícia Nacional são submetidos a um processo de formação nas escolas de polícia, onde aprendem noções básicas sobre o seu serviço. Há uma cadeira que se chama ética policial, onde são transmitidos ensinamentos ligados à cortesia, educação e à forma mais correcta de abordar os cidadãos. Nós recomendamos nas nossas paradas com os efectivos que as suas acções devem ser firmes e educadas. Não devem fazer uso de prepotência. Os efectivos estão avisados que devem saudar respeitosamente o condutor junto à viatura e nesta mesma posição devem solicitar a documentação da viatura. Está e o procedimento básico correcto.

    JA – Esta é a regra, mas não há excepções?

    MF – O contrário é considerado prática incorrecta. Mas também há muitos comportamentos negativos evidenciados por alguns condutores que poderão levar alguns efectivos a actuar de forma errada. Nas escolas de condução, os automobilistas aprendem que, sempre que forem abordados por um regulador, devem colaborar cedendo a documentação. Verificamos que, em muitas ocasiões, esse comportamento não é cumprido. Portanto, se houver uma interacção educada entre o polícia, como autoridade fiscalizador do trânsito, e o cidadão, enquanto utente da via, muitos problemas serão ultrapassados.

    JA – Existe impunidade para alguns automobilistas?

    MF – Não há impunidade num contexto em que há normas definidas. Qualquer condutor e mesmo os peões devem saber que têm o dever de cumprir as leis. O peão deve saber que não pode atravessar a rua no sinal vermelho. O condutor deve cumprir obrigatoriamente as orientações do Código de Estrada, para que haja disciplina no uso da via. A ordem, em qualquer contexto, não se impõe só com medidas de austeridade. A própria exigência do cumprimento do Código de Estrada deve ser precedida da consciencialização dos cidadãos.

    JA – Os problemas de ordem social e psicológica podem justificar o incumprimento do Código de Estrada?

    MF – Esses problemas não justificam de maneira nenhuma a violação do Código de Estrada, porque esses comportamentos somados depois vão dar na situação crítica que vivemos em vários domínios.

    JA – A formação profissional concedida aos efectivos da Polícia de Trânsito é suficiente?

    MF – Pontualmente, os nossos efectivos têm frequentado cursos de superação profissional, quer do ponto de vista da fiscalização quer da regularização. Hoje, o país conhece uma grande dinâmica em termos de crescimento e é natural que a corporação acompanhe esse crescimento com a formação dos efectivos.

    JA – Em que fase se encontra o processo de descentralização dos serviços de trânsito?

    MF – A Unidade de Trânsito está representada nas divisões da Polícia Nacional existentes em Luanda. Hoje, estamos presentes em todos os municípios da cidade, sendo que estamos mais próximos dos cidadãos, no que concerne, por exemplo, aos acidentes. Se um cidadão tiver um acidente em Viana já não tem necessidade de esperar muito tempo para que os efectivos saem daqui para resolver o problema, o que é positivo.

    JA – Os meios de trabalho à disposição dos efectivos são suficientes para realizarem a sua missão?

    MF – Os meios raramente são suficientes, porque queremos sempre mais. Temos um quadro de pessoal que ainda não está preenchido a 100 por cento, mas estamos satisfeitos com os efectivos disponíveis, que nos permitem realizar a nossa actividade normalmente. Estamos bem servidos em termos de meios rolantes, porque recebemos há dois anos viaturas e motorizadas, aquando da realização do CAN de futebol. Existe a preocupação da super-estrutura em proceder à entrega de mais meios de trabalho ainda este ano.

    JA – O que gostaria de ver melhorada na Unidade de Trânsito de Luanda?

    MF – Gostaríamos de ver reduzidos os índices de sinistralidade rodoviária em Luanda. Ambicionamos também uma maior consciencialização dos nossos condutores e uma melhor utilização das vias, no sentido de que sejam espaços mais agradáveis. Gostaria que a médio prazo houvesse um sistema de transportes públicos eficiente, com comboios, barcos, autocarros e táxis, para satisfazer a demanda populacional de Luanda.

    JA – Como vê o problema da falta de lugares para estacionamento em Luanda?

    MF – Gostaria que houvesse melhoria em termos de parqueamento automóvel. Um dos factores que concorre para muitos constrangimentos que vivemos no trânsito em Luanda é que mais de 20 por cento do traçado para a utilização de veículos é usado para o estacionamento. Há poucos lugares para a quantidade de veículos que existem na cidade de Luanda. Gostaríamos que houvesse mais parques de estacionamentos para ver desafogadas algumas vias e melhorar a situação do trânsito em Luanda. Penso que esse é o objectivo das autoridades.

    FONTE: Jornal de Angola

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