Não era a primeira vez que José António agredia os filhos, tal como tinha feito à mulher, que entretanto saíra de casa. Hugo, um dos nove filhos do casal, já tinha feito duas queixas contra o pai, por agressão. Nesta quinta-feira de madrugada, o rapaz de 21 anos voltou à esquadra da PSP mas o motivo era outro. Tinha morto o pai e queria confessar o crime.
Houve uma discussão depois do jantar, na quarta-feira à noite. José António não fez mais nada: pegou na faca grande que usava para matar os porcos e foi buscar o tractor. A crer na versão que Hugo contou à PSP, o homem terá tentado atropelar os quatro filhos com quem vivia. Hugo lembrou-se da caçadeira do avô, que encontrara semanas antes num dos barracões, e foi buscá-la. Atirou ao braço e ao abdómen do pai, que morreu ali, sentado no banco do tractor.
Eram 00h30 quando Hugo chegou à esquadra de Mira-Sintra, a dois quilómetros dali. Foi com os irmãos entregar-se à PSP. Disse que matou para defender os quatro. Explicou que tinha guardado a caçadeira com medo que o pai a encontrasse primeiro e os matasse a todos, mas o desfecho acabou por ser outro. Vai ser ouvido em tribunal na sexta-feira. A Polícia Judiciária tomou conta do caso.
Os episódios de violência na família eram bem conhecidos pela polícia, que por várias vezes foi ao local. A mulher era maltratada pelo marido e apresentou pelo menos três queixas na PSP. Na sequência das queixas foi detido e, segundo fonte policial, ficou impedido de se aproximar da mulher. Esta acabou por sair de casa e vive actualmente com a filha mais velha do casal.
Quatro filhos – um tem 23 anos, Hugo tem 21, a rapariga tem 15 e o mais novo tem 12 anos – continuaram a viver ali. Não foi possível apurar por que razão os filhos menores se mantiveram à guarda do pai, nem onde se encontram os restantes quatro.
Segundo a polícia, todos os filhos se davam mal com José António, de 49 anos, a quem eram conhecidos problemas relacionados com o consumo de álcool. Pai e filhos – pelo menos os mais velhos, segundo a polícia – trabalhavam no negócio da compra e venda de animais e de sucata.
Moravam os cinco num dos vários barracões de lata escondidos atrás de um portão enferrujado e esburacado, num eucaliptal ao fundo da Rua da Escola, na pacata aldeia de Tala, freguesia de Belas, Sintra. O terreno fica paredes-meias com uma oficina de carpintaria, onde ninguém quer falar do que aconteceu. Nem no café da terra se diz uma palavra, à hora do almoço.
Mas basta espreitar para lá do portão entreaberto para adivinhar a falta de condições em que viviam. No local, o cheiro é nauseabundo. Os porcos andam à solta – meia dúzia deles entretidos junto a um barracão, outros a dormir espalhados pelo terreno -, lado a lado com os cães deitados na terra batida à sombra dos eucaliptos. Ouve-se o som de badalos vindo de um barracão onde devem estar recolhidos outros animais.
Pela porta aberta do barracão onde existe uma cozinha, ao final da manhã havia ainda vestígios do jantar. Por todo o lado, dentro e fora do barracão, há sucata, tábuas e caixas de madeira e de plástico, pneus, electrodomésticos velhos e sujos, botijas de gás, caixotes de lixo, um carro de supermercado.
Por volta das 13h chegaram ao local dois rapazes que se identificaram como sendo amigos da família e não quiseram prestar declarações. Passaram o portão e fecharam-no a cadeado.
Notícia corrigida às 18h30: corrige número de filhos do casal (segundo informações entretanto fornecidas pela PSP) e acrescenta que a vítima já tinha sido detida.
FONTE: Público