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    Europa: O bombeiro da dívida soberana

    RUI MALAQUIAS Economista e Docente universitário. (Foto: D.R.)
    RUI MALAQUIAS
    Economista e Docente universitário.
    (Foto: D.R.)

    O Banco Central Euro­peu, como todo o pai que exagera nos mimos que dá aos filhos, adop­tou uma medida que em certa medida acalmou os mercados num dos momentos mais críticos da história da dívida pública titu­lada europeia.

    O presidente do Banco Central Europeu (BCE), o italiano Mário Draghi, de entre as várias medi­das para proteger o euro e princi­palmente manter viva a principal fonte financiamento da maioria dos Estados europeus, compro­mete-se em comprar ilimitada­mente títulos de dívida soberana, em mercado secundário, de paí­ses europeus em dificuldades, que requererem ajuda formal aos fun­dos de resgate da Zona Euro.

    Objectivamente, ainda são os casos de Portugal, Irlanda e Gré­cia e nos dias de hoje a Itália e a Espanha seguem o mesmo cami­nho, sendo que medidas como estas apenas trazem um certo alívio às taxas de juro das respectivas dívi­das soberanas.

    Especificamente sobre a medida, o programa denominado outright monetary operations (OTM), em português, transacções monetárias sem reservas/limites, não agrada a gregos e a troianos – caso dos ale­mães que interpretam como uma emissão de moeda para financiar os Estados europeus em dificulda­des e mais uma vez ajudar os indis­ciplinados em termos orçamentais – ela representou uma lufada de ar fresco para as economias em crise que pareciam estar condenadas a pagar juros astronómicos cada vez que fossem ao mercado cap­tar fundos.

    Na verdade, o objectivo do BCE, como bom banco central, é apagar as chamas que consumiam os juros da dívida pública europeia, pois tal medida vem primeiro prover mais liquidez aos mercados secundá­rios de dívida pública e, por outro lado, assegurar aos detentores des­tes papéis de dívida que o risco de default é zero. Tal facto, automa­ticamente, acalma os investido­res e consequentemente provoca a queda dos prémios de risco exi­gidos por estes.

    O efeito desta medida é primor­dialmente psicológico, pois o facto de os mercados terem certeza de que a dívida pública nas suas carteiras terá garantidamente um compra­dor faz com que diminua a incer­teza sobre o futuro, levando a que estes investidores deixem de sen­tir a necessidade de livrarem-se destes títulos, o que deve resul­tar na valorização destes e conse­quentemente na baixa das taxas de juro exigidas.

    Segundo alguns especialistas, e com o devido crédito, esta redu­ção das taxas juro da dívida pública dos países abrangidos pelo pro­grama poderá causar distorções aos mercados, pois aqueles países que não se encontram em dificuldades financeiras – caso da França e Ale­manha – podem ver as suas taxas de juro acrescidas em relação aos países “ajudados”.

    Porque desta forma os inves­tidores poderão estar inclinados a investir nos títulos de dívida destes países ajudados, que, como já explicamos, resulta na redução das suas taxas de juro, ao passo que os países sem difi­culdades financeiras, portanto, mais disciplinados orçamental­mente e que deveriam ser pre­miados por isto, na melhor das hipóteses vêem as suas taxas de juro constantes, podendo mesmo ser agravadas em alguns “basis points” em relação à situação anterior à entrada em funciona­mento do OTM.

    O que se pretende aqui é dar um exemplo claro de como a nossa bolsa de dívida ou mercado secun­dário regulamentado de dívida, como queiram, não conseguirá operar sozinho, pois medidas deste tipo estimulam a liquidez, palavra-chave, para os merca­dos em criação e em países com pouca cultura financeira.

    Apelamos à cooperação das entidades de supervisão de ins­tituições financeiras bancárias e não bancárias nacionais, para que o mercado ofereça um meca­nismo de recompra, pois de acordo com as experiências observadas, a própria recompra quase nunca é accionada, serve apenas de segu­rança ao mercado, transmitindo a “boa sensação” de que sempre que se queira vender o título existe alguém do outro lado para com­prar a preço do mercado. (jornaldeeconomia.ao)

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    1 COMENTÁRIO

    1. Angola não é nossa

      Lisboa, Rossio.
      (Foto: D.R.)

      Aterrei em Lisboa e logo da escotilha do avião gostei dela. Já noutras ocasiões tinha ficado feliz por voltar. Mas por causa da saudade: das pessoas, da casa, da vidinha. Desta vez não era saudade – não havia tempo -, era embevecimento pela minha cidade de casas brancas, de jardins viçosos, de ruas desenhadas com lógica e ângulos rectos e apenas salpicadas de carros.

      Pode parecer lamechas (é lamechas), mas foi amoroso o sentimento que tive por Lisboa e pelo meu pobre e endividado país de poucos recursos, naturais e dos outros, que maltrata os seus jovens quadros, expulsando-os, e empurra quem tem mais filhos para a pobreza. Ainda assim estava feliz e comovido por voltar a esta terra governada pelo segundo pior primeiro-ministro de sempre.

      Ao sobrevoar Lisboa suspirei um agradecimento aos deuses pela sorte de ter nascido neste insignificante quintal e por não ter de emigrar (até ver) para outro qualquer lugar onde a vida é muito mais dura, difícil e sufocante. Como Luanda, por exemplo, de onde regressava.

      Fui a Luanda, convidado pela Confederação da Publicidade dos Países de Língua Portuguesa, dar uma palestra sobre o processo criativo. Não sei se as minhas palavras serviram a quem as ouviu, mas as que eu ouvi dos angolanos com quem falei ajudaram-me a conhecer melhor Angola, de que passei a gostar. Em particular de Benguela e do Lobito.

      Por cá fala-se de Angola e dos angolanos a partir do incómodo que provoca a compra dos nossos descapitalizados negócios e o controle da comunicação social pelo capital de outro país. Eles por lá também generalizam quando tomam a opinião de um colunista ou de um pivot de telejornal pela opinião dos portugueses. Em qualquer caso resultam estereótipos.

      Durante 30 anos, Angola viveu em guerra. Fora das cidades morria-se. Morria-se muito e por isso a população migrou. Sem dinheiro, sem ocupação, sem haveres, os angolanos migraram para as cidades e sobretudo para Luanda, que cresceu muitos anos sem ordem, sem estradas, sem saneamento e sem outras comodidades que nós por cá damos por adquiridas. Hoje, Luanda tem seis milhões de pessoas. O calor é sufocante e o ar cheira a gasóleo. O trânsito é infernal e parado: 20 minutos facilmente se convertem em três horas. Não é fácil viver em Luanda. Nem para os muitos quadros imigrados, quanto mais para a grande maioria dos angolanos. Luanda é uma cidade difícil. Luanda é uma cidade a recomeçar.

      Em 2002, estávamos a entrar para o euro, começou a paz em Angola. Só há 12 anos aquela terra vive em paz. Nós há 40 que tentamos a democracia e o desenvolvimento – e ainda a procissão vai no adro. Eles só há 12 começaram a construir um país e partiram mais atrás, muito mais atrás: dos escombros.

      Não admira que as coisas ainda estejam no princípio. Não admira que ainda não haja quadros. Não admira que não haja classe média. Não admira que se importe tudo. Não admira que lá aterrem para trabalhar chineses, portugueses, e todos os outros – muitas vezes tratados com desconfiança. Não admira a desigualdade. Não admira que os poços de petróleo e as minas tenham sido dadas aos generais e às famílias. Despojos de guerra para garantir a paz? A que outros poderiam ter sido entregues? (A quem entregou Afonso Henriques as terras e riquezas que foi conquistando?)

      Julgar Angola por padrões europeus actuais não é justo. Aquela terra, mesmo cheia de recursos, está no princípio. Tem ainda muito que andar e muitas penas a penar. Eu não julgo. Não tenho de julgar. Angola não é nossa.

      Já Portugal (por enquanto) é nosso. Aqui sim, é preciso meter o nariz.

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