Dez anos após liderar uma tentativa de golpe que o tornou famoso e anos depois o levaria à Presidência, Hugo Chávez se tornaria ele mesmo vítima de outro golpe fracassado, em abril de 2002.
Alvo de conservadores amedrontados pela controvertida “revolução bolivariana”, que estatizou empresas privadas e promoveu amplas mudanças sociais, Chávez foi preso e levado a uma base militar. Nas 47 horas em que esteve afastado do poder, foi sucedido por um “presidente” indicado pelos golpistas – o empresário Pedro Carmona.
A luta pelo poder e o contragolpe deixaram um saldo de duas dezenas de mortos e determinaram os rumos do governo de Chávez, que conseguiu mudar a Constituição que ele mesmo havia instituído, ganhando a possibilidade de reeleição indefinida.
Uma década após ser afastado momentaneamente do poder e duas décadas após ele mesmo liderar uma tentativa de inssurreição fracassada, Chávez agora se depara com outro desafio – o câncer.
A seis meses de decisivas eleições presidenciais, o venezuelano disse esperar um novo “milagre”, como quando foi restituído à Presidência em 2002, em um episódio que movimentou a geopolítica latino-americana e que deixaria fortes marcas na Venezuela.
CliqueVeja a animação que conta a história do golpe
Os eventos
Em abril de 2002 a Venezuela estava convulsionada. No dia 11, líderes opositores representados por empresários, sindicalistas, políticos e meios de comunicação privados convocaram uma manifestação em frente à sede do governo, onde centenas de simpatizantes chavistas se concentravam em defesa de Chávez.
Uma edição extra do jornal El Nacional premeditava o enfrentamento na manchete: “A batalha final será em Miraflores”.
Naquele mesmo dia, no interior do Palácio de Miraflores, Chávez recebia um ultimato de altos militares: ou renunciava ou a sede do governo seria bombardeada. De acordo com a versão oficial, o mandatário não teria assinado a renúncia, mas teria se entregado. Foi então levado a uma base militar no Caribe venezuelano.
Nos dias 12 e 13 de abril, simpatizantes começaram a sair às ruas pedindo a libertação de Chávez. Ao mesmo tempo, um grupo de generais e tropas leais ao governo armaram uma operação de resgate.
“As manifestações para resgatar o presidente foram totalmente ignoradas pelos meios de comunicação” na época, lembra Margarita López Maya. “Por isso se fala de golpe midiático”, diz a historiadora, hoje crítica de Chávez.
Apesar da postura crítica a Chávez, a históriadora diz que “o golpe de Estado foi uma das torpezas mais graves cometidas por grupos da oposição em um episódio extremamente doloroso para a Venezuela”.
Motivos
Dez anos depois, analistas consultados pela BBC Brasil afirmam que os fatores que desencadearam o golpe continuam presentes, entre eles, a disputa pelo controle do petróleo.
“A receita com o petróleo, definitivamente, é o que está em disputa”, afirmou à BBC Brasil o historiador venezuelano Oscar Battaglini, lembrando interesses divergentes de setores privados e os do governo.
A Venezuela é o quinto maior exportador mundial do produto e tem uma das maiores reservas mundiais.
Para o historiador, que foi reitor do Conselho Nacional Eleitoral (CNE), a figura do golpe de Estado no país ainda não foi superada “historicamente” e os militares venezuelanos continuam sendo o “fiel” da balança do poder.
O conjunto de 49 leis habilitantes – que incluíam a lei de terras e hidrocarbonetos – foram os detonantes do golpe na avaliação do jornalista Ernesto Villegas, autor do livro “Abril: Golpe Adentro”.
“O programa da revolução do ponto de vista político era inaceitável para as elites”, disse.
A lei de hidrocarbonetos sentou as bases para que o Estado tivesse maior controle sobre a renda petrolífera. A lei de terras previa um amplo programa de reforma agrária e a eliminação de latifúndios.
Para analistas, o golpe de Estado foi um divisor de águas que determinou a radicalização do projeto bolivariano e abriu caminho para o chamado socialismo do século 21.
“Chávez e seu governo saíram fortalecidos pelo golpe”, avalia Ernesto Villegas.
Câncer
Após garantir a possibilidade de reeleição indefinida, o maior desafio de Chávez à continuidade do projeto “bolivariano” é seu estado de saúde.
O hermetismo com que tem sido tratado o câncer do presidente, rumores sobre uma piora em seu estado de saúde, e suas cada vez mais exacerbadas demonstrações de fé, geram dúvidas sobre se Chávez terá saúde para assumir a candidatura à reeleição contra o jovem candidato de centro-direita Henrique Capriles Radonski.
“Esse é o momento mais grave enfrentado pela (chamada ) revolução. Nem o golpe de abril foi tão determinante para o destino político do país como a enfermidade do presidente”, afirmou o analista político Nicmer Evans, vinculado ao chavismo.
Ao longo desta semana, o governo deve capitalizar a seu favor o 10º aniversário do fracassado golpe de Estado contra Chávez, em uma tentativa de colocar em evidência que os “golpistas são os mesmos” que pretendem enfrentar o mandatário nas urnas em 7 de outubro.
Desafio
Para a oposição venezuelana, que vê pela primeira vez uma possibilidade real de disputa contra Chávez, o aniversário do golpe é uma data incômoda.
“Tornar o menos visível possível esse aniversário do golpe é vital para Capriles”, afirma Ernesto Villegas.
À época do golpe, Capriles – que era prefeito do município de Baruta – esteve envolvido no chamado “assédio” à embaixada de Cuba, liderado por manifestantes antichavistas que ameaçavam invadir a sede diplomática para comprovar se funcionários do gabinete de Chávez estariam ali escondidos.
Também durante a crise de abril, o partido de Capriles, o Primeiro Justiça (PJ), difundiu um comunicado no qual pedia a renúncia do presidente da República e de todo seu gabinete e dos demais poderes “para destrancar o jogo democrático”.
Dez anos depois, ao ser procurado pela reportagem da BBC Brasil, o deputado opositor Julio Borges, coordenador nacional do PJ, se recusou a falar sobre o tema. “Não tenho nada que dizer sobre isso (o golpe). A Venezuela tem outros problemas”, afirmou.
Apesar das incertezas que rondam a saúde de Chávez, as mais recentes pesquisas de opinião o apontam como vitorioso nas eleições de outubro, com uma diferença que varia entre 13 e 20 pontos em relação a Capriles.
Mas o maior desafio do presidente não serão as urnas nem a sublevação de oficiais militares. Desta vez, Chávez precisa enfrentar outro golpe – o câncer que ameça seu projeto “bolivariano”.
Fonte: BBC Brasil