O Brasil não coloca em risco sua soberania aceitando a ajuda do G7 para combater os incêndios na Amazônia, como afirma o presidente Jair Bolsonaro, avaliou o cardeal peruano Pedro Barreto, um dos promotores do sínodo amazônico no Vaticano, previsto para outubro.
“É preciso despertar a consciência da universalidade da Amazônia, da importância que tem para o mundo, portanto se fechar à experiência da solidariedade não tem qualquer cabimento”, disse o cardeal em entrevista coletiva em Lima, citado pela AFP.
Bolsonaro insiste que seu colega francês, Emmanuel Macron, se retrate por acusá-lo de “mentir” e por “não respeitar seus compromissos climáticos” e argumenta que a oferta de 20 milhões de dólares do G7, oferecida pelas principais potências ocidentais e o Japão, para combater incêndios, na verdade, procura “comprar a soberania do Brasil”.
“Li que Bolsonaro aceitaria esta ajuda se o presidente (francês, Emmanuel) Macron retirasse suas palavras. Aqui já não se trata de retirar ou não retirar palavras, se trata de buscar o bem comum acima de qualquer disputa pessoal”.
O cardeal manifestou sua preocupação porque “indiretamente a posição do presidente Bolsonaro está indicando que a Igreja não se meta em um território que lhe pertence”.
“Esta é a visão que temos, não é oficial, mas aqui é preciso dizer claramente que a Igreja católica é universal, não tem fronteiras”.
O sínodo sobre a Amazônia, que ocorrerá entre 6 e 26 de outubro no Vaticano, reunirá 250 bispos, incluindo 150 procedentes da região, que apresentarão recomendações ao Papa Francisco, que em sua encíclica “Laudato si” (2015) denunciou a exploração da selva amazônica por parte de “enormes interesses econômicos internacionais”.
– Defesa do sínodo –
Em meio à crise internacional devido aos incêndios na Amazônia, o cardeal peruano também defendeu o sínodo amazônico e descartou que vá interferir na soberania dos países, apesar de o Executivo brasileiro ter criticado o evento católico por essas razões.
Na Bolívia, 1,2 milhão de hectares de floresta foram queimados, enquanto no Brasil foram registrados 83.329 focos de incêndio, mais da metade (52,1%) na floresta amazônica, de janeiro até a tarde de terça-feira.
Barreto, um jesuíta como o papa, disse que a Igreja Católica realizou uma reunião em junho entre o secretário de Estado do Vaticano e os embaixadores dos países da Amazônia para esclarecer quaisquer preocupações sobre o sínodo. O Brasil enviou um representante.
“Expliquei o que a Repam faz e que eles não devem se assustar porque a Igreja não é contrária à identidade de cada país, mas (busca) que os países que compõem a Amazônia devem ficar unidos e esclarecidos em relação à vida e à Amazônia como um bioma”, acrescentou, referindo-se à Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam).
Os países amazônicos são Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela, além do território ultramarino da Guiana Francesa.
– Plantios de soja –
Em janeiro de 2018, o papa Francisco visitou Puerto Maldonado, uma cidade peruana cercada pela floresta amazônica, e diante de milhares de peruanos, brasileiros e bolivianos indígenas denunciou “a forte pressão dos grandes interesses econômicos que cobiçam o petróleo, o gás, a madeira, ouro e os cultivos agroindustriais”.
Barreto alertou que o discurso de Bolsonaro, defensor do impulso da mineração na Amazônia e relutante em conceder mais territórios aos indígenas, pode criar mais problemas.
“Se Bolsonaro continuar falando, vai chegar um momento em que a população mundial e as autoridades mundiais vão dizer: ‘ouça, você não é o dono da Amazônia, você não pode desmatar toda a Amazônia porque isto afeta a todos nós”.
“O Brasil é um dos primeiros exportadores de soja do mundo e com este incêndio vão ter mais campo para plantar, e aí vão atingir as populações brasileiras por dinheiro, mas o dinheiro não deve mandar, assim disse o papa”.
“Há gente que enche as malas [de dinheiro] e vai embora da Amazônia; a Igreja fica e ficará até o final”, concluiu o cardeal.