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    Cafunfo chora pelos seus mortos

    Em Angola, assinalaram-se esta quinta-feira 60 anos do início da luta de libertação nacional numa semana marcada pela violência no Cafunfo, na Luanda Norte, a 750 quilómetros a leste de Luanda, onde no sábado houve um número indeterminado de mortos durante um protesto que a polícia qualifica de «tentativa de invasão de uma esquadra».

    No sábado passado, o Movimento do Protectorado da Lunda Tchokwé, que luta pela autonomia das Lundas, convocou uma manifestação no Cafunfo. Apesar de ter sido proibida pelas autoridades, este movimento, activistas, moradores e familiares de vítimas afirmam que a manifestação era pacífica e que os seus participantes avançaram desarmados. De acordo com estas mesmas fontes, o número de vítimas mortais ascenderia a mais de 20, sendo que do lado das autoridades que afirmam ter sido atacadas, o balanço oficial é de 7 mortos.

    Cinco dias depois do sucedido, continua a predominar a incompreensão e a tensão no Cafunfo. Sinal disso, surgiu o relato de um tiroteio esta madrugada nessa localidade cujas circunstâncias ainda não foram oficialmente esclarecidas, um activista local indicando apenas que resultou num ferido, um jovem baleado num pé.

    Outro indício do mal-estar reinante naquela vila mineira, a bancada parlamentar da Unita na oposição, denunciou hoje publicamente que a polícia daquela localidade impediu uma carrinha enviada pelo partido de entregar mantimentos a cinco deputados seus e dois activistas que se encontram retidos desde ontem à entrada do Cafunfo para onde se deslocaram precisamente no intuito de se inteirar da situação vigente no terreno

    De acordo com o comunicado do principal partido de oposição angolano, os deputados e activistas detidos pelas autoridades locais passaram fome horas a fio depois de terem sido retidos ontem a cinco quilómetros da entrada da vila mineira.

    Entre as pessoas retidas, encontra-se a activista social Laura Macedo. Ao fazer o relato da tentativa até agora fracassada da comitiva chegar à vila, a activista explicou à RFI o que a levou a deslocar-se até àquela localidade. «Houve um massacre perpetrado pela polícia nacional aqui em Cafunfo em resposta a uma manifestação popular, por causa das muitas carências sociais que esta população tem aqui, sendo uma zona de grande exploração mineira. A população resolveu sair à rua, foi rechaçada pela polícia nacional (no sábado) e aponta-se para cerca de vinte e tal mortos. Então, o grupo parlamentar da Unita resolveu mandar para cá uma delegação. Como eu sou activista social, juntei-me ao grupo, porque é mais fácil do que viajar sozinha e vim também para tentar fazer alguma averiguação e tentar saber da veracidade dos factos» conta Laura Macedo.

    «Quando estávamos mesmo a chegar ao Cafunfo, encontramos uma barreira policial que não nos deixou passar. Nós estamos a cinco quilómetros de Cafunfo. Estamos aqui desde ontem às 12h30», relata a activista.

    «A polícia pediu aos deputados uma guia de marcha. O que a polícia está a exigir aos deputados não é legal. Não existe este ordenamento na nossa Assembleia Nacional e comigo -eu não sou deputada- eu tentei falar com a policia para saber por que é que me estavam a impedir a mim também de entrar e eles não quiseram falar comigo. Estamos todos impedidos de entrar, ponto, são ordens superiores», explica ainda Laura Macedo indicando que «já se encetou contactos com Luanda. Luanda está também a encetar contactos junto do governo e não se consegue saber quem deu a ordem para nos impedir de entrar no Cafunfo. Já se falou com o ministério do interior. Luanda alega que ninguém nos está a impedir de entrar no Cafunfo, só que temos aqui um aparato policial em que o comandante diz que está a receber ordens de Luanda para não entrarmos. Estamos aqui a 5 quilómetros, já sem comida, já sem nada».

    A activista social refere contudo que apesar das dificuldades, o grupo «não equaciona recuar porque presume que para a polícia estar a vetar (a sua passagem) é porque a situação em Cafunfo é muito grave ou, pelo menos, foi muito grave». Laura Macedo refere ainda que «eles (os polícias) não nos querem deixar entrar em Cafunfo. Nos presumimos que seja para não falarmos com a população e não recolhermos dados. Os carros continuam a entrar no Cafunfo, só nós é que não conseguimos entrar. Qualquer outra pessoa está a entrar no Cafunfo inclusive a representante da agência Lusa, que neste momento está no Cafunfo. Somos os únicos a ser impedidos de entrar.»

    Dentro da localidade, o relato feito pela agência Lusa é de uma vila que chora os seus mortos. Entrevistado pela agência noticiosa portuguesa, André Candala, 62 anos, coordenador da comunidade São José Operário, no bairro Bala Bala, disse que morreram, pelo menos, 25 pessoas. “O povo do Cafunfo está de luto. É uma tristeza, mesmo durante toda a guerra, do início da guerra de 61 até à guerra civil, nunca aconteceu a morte como hoje aconteceu a muitos”, declarou este morador de Cafunfo que, ao referir ter contabilizado 25 mortos durante os acontecimento de sábado, conta que «os corpos foram deitados para o rio» e que «nos 25 (mortos), só apresentaram 7 corpos. Ainda continuamos a encontrar outros corpos lá na ravina onde se passou o fogo.»

    Em Luanda, ao referir-se ontem ao sucedido, o ministro angolano da Justiça, Francisco Queiroz, admitiu que houve violações aos Direitos Humanos. Só que na óptica do governante, foi dos dois lados. Ao sustentar a tese de que a policia foi atacada, o Ministro angolano da Justiça argumentou que «houve claramente atropelo aos direitos humanos” por parte do agressor. “Ninguém pode pegar em armas, atentar contra a vida das pessoas”, disse o ministro, frisando que “um oficial superior das forças armadas foi agredido” e quase morreu.

    O governante admitiu, contudo, que a forma como as forças da ordem geriram a situação é questionável.“Houve, de facto, essa forma de lidar com aqueles que já não tinham vida, aqueles que estavam imobilizados, infelizmente uma prática que tem que ser revista”, reconheceu Francisco Queiroz ao indicar que este caso está a ser investigado.

    Perante esta situação, numerosas vozes se elevaram para protestar e pedir contas ao executivo angolano. A oposição, ONGs internacionais e líderes religiosos condenaram o que qualificaram de “massacre”.

    Hoje, ao expressar igualmente a sua indignação e reclamar uma investigação independente, a organização Human Rights Watch preconizou, quanto a si, uma reforma das forças de segurança angolanas em adequação com a promoção de uma cultura de respeito pelos direitos humanos. “A responsabilização por abusos graves das forças de segurança é essencial para evitar a sua recorrência. O governo angolano deve reformar as forças de segurança de modo a enraizar maior respeito pelos direitos humanos e eliminar comportamentos ilegais”, escreveu em comunicado esta organização de defesa dos direitos humanos.

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    FonteRFI

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