Sábado, Abril 27, 2024
16.3 C
Lisboa
More

    A revolução na economia da Costa do Marfim

    Refinaria em Abidjan: recuperação econômica ganha força com exploração de petróleo Foto: Sia Kambou/AFP
    Refinaria em Abidjan: recuperação econômica ganha força com exploração de petróleo
    Foto: Sia Kambou/AFP

    Pelo segundo ano, crescimento chega a 9% o país recupera com a melhora do ambiente económico e novos investimentos em petróleo, infraestrutura e agricultura.

    Com previsão de alta de 9% neste ano, a economia da Costa do Marfim está entre as que mais crescem em África. Essa projecção de crescimento coloca o país em quarto lugar entre os seus pares africanos, atrás da Líbia, Serra Leoa e Chade, de acordo com o levantamento feito pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE). A Costa do Marfim lidera o bloco económico do oeste africano, à frente do vizinho Gana, que deve avançar 8,4% neste ano. O expressivo crescimento parte, no entanto, de uma base pequena. O valor nominal de US$ 24,6 bilhões de PIB (Produto Interno Bruto) coloca a Costa do Marfim na 101ª posição no ranking mundial.

    Em 2012, o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) marfinense já tinha apresentado um desempenho acima do esperado, com 9,8% de alta em relação ao ano anterior, marcado por uma grave crise política em que a economia encolheu 4,6%.

    É claro que o fim da guerra civil e o retorno à normalidade tiveram um efeito mecânico no gráfico, mas outros factores vêm contribuindo para acelerar a actividade económica de forma sustentada: a retomada da exploração mineral (ouro, petróleo e gás), aos investimentos em infra-estrutura e a melhora do ambiente de negócios.

    Em junho deste ano, o governo assinou quatro novos contratos de partilha para exploração de petróleo e gás ao longo da costa marítima. Apenas um dos blocos tem investimento estimado em US$ 120 milhões. Ainda que a produção de petróleo tenha diminuído, a extracção de gás mineral está em expansão, aumentou 9% em 2012 e, até junho deste ano, superou a produção do mesmo período do ano anterior em 30%. Esse aumento se deve em parte aos investimentos realizados no sector, mas principalmente à crescente demanda para geração de energia eléctrica. A energia gerada em usinas termoeléctricas representa em torno de 60% do consumo total do país e o excedente é exportado para os países vizinhos.

    O aumento dos investimentos também ajudou a acelerar a economia. A taxa de investimento passou de 2,8% do PIB, em 2011, para 4,9% em 2012, e pode fechar o ano em 7,8% da soma das riquezas produzidas no país. Mesmo que altamente endividado, é o investimento estatal que vem liderando o crescimento da Costa do Marfim depois da crise política, beneficiado pelo plano de acesso ampliado ao crédito do Fundo Monetário Internacional (FMI) e pelo mecanismo de redução da dívida externa dos países pobres.

    A ministra da economia Nialé Kaba acredita que, com o programa de redução da dívida, os investimentos podem chegar a 23,5% do PIB em 2015, próximo ao nível dos 20 primeiros anos da Costa do Marfim como nação independente. Nessa época, conhecida como ‘milagre marfinense’, a taxa média de crescimento do PIB era de 8%.

    Obras da ponte Henry Konan Bedié, em Abidjan: investimentos em infraestrutura e geração de empregos. Foto: Rafael Araujo
    Obras da ponte Henry Konan Bedié, em Abidjan: investimentos em infraestrutura e geração de empregos.
    Foto: Rafael Araujo

    A maior parte desse investimento vai para obras de infra-estrutura urbana. A indústria da construção civil registou um aumento da actividade da ordem de 52% no ano passado, no rastro da recuperação de vias e de prédios públicos, vandalizados durante o conflito, como foi o caso da Universidade Félix Houphouet-Boigny, que leva agora o nome do primeiro presidente da Costa do Marfim. O custo da reabilitação da universidade foi estimado em US$ 220 milhões.

    No sector de serviços, os efeitos da retomada económica já se fazem notar. A taxa de ocupação da hoteleira passou a 57% no ano passado e gerou receitas da ordem de US$ 110 milhões. O trânsito de passageiros em voos comerciais aumentou 46% no mesmo período e os transportes urbano e rodoviário também se recuperaram, fenómeno observado no aumento no consumo de combustíveis de 55,4% no ano.

    Mais empregos

    Pedreiro Mamadou Doumbia recebe equivalente a US$70 por semana Foto: Rafael Araujo
    Pedreiro Mamadou Doumbia recebe equivalente a US$70 por semana
    Foto: Rafael Araujo

    Desde 2010 trabalhando como temporário, o confeiteiro Laurent Kouakou-Diby, 35 anos, acaba de ser contratado por um dos hotéis quatro estrelas do Plateau – bairro central de Abidjan, onde ficam hospedados homens de negócios e missões internacionais. Kouakou-Diby é uma das 35 mil contratações feitas pelo sector privado desde o fim da crise, em Abril de 2012. Incluindo o sector público, a Caixa Nacional de Previdência Social registou 49 mil novos postos de trabalho nesse período e tem hoje 742 mil inscritos.

    Esse número de empregos formais parece irrisório em relação ao total da população, estimada em 20 milhões de pessoas. Acontece que a maior parte da ocupação e da renda provém do trabalho informal, não registado, inclusive nas obras dos grandes projetos de infra-estrutura do governo.

    O pedreiro Mamadou Doumbia, 28 anos, recebe 36 mil francos CFA (US$ 70) por semana para trabalhar, sem contrato, na construção do viaduto de intersecção da terceira ponte sobre a Lagoa Ébrié. Com um custo estimado em US$ 300 milhões, a ponte Henry Konan Bedié, homenagem ao segundo presidente da Costa do Marfim, é uma alternativa ao trânsito estrangulado da zona central de Abidjan, que cresceu em torno da lagoa. Satisfeito com as novas possibilidades de trabalho, Doumbia e seus colegas enfrentam o atraso nos salários. A subcontratada da construtora iraniana responsável pela obra não está repassando em dia o pagamentos dos operários.

    Força do setor agrícola

    Apesar dos bons resultados, analistas económicos têm demonstrado cepticismo quanto ao impacto direto dos investimentos em obras na vida da população. Na visão do economista Souleymane Ouattara, o sector agrícola tem maior capacidade de traduzir o aumento da riqueza em melhora efectiva no quotidiano das pessoas. Numa reforma recente do sector de café e cacau, o governo restabeleceu um programa de venda antecipada que garante um preço de venda mínimo para o agricultor. Na safra 2012-2013, um fundo de reserva de estabilização de preço garantiu US$ 160 milhões a mais na renda do produtor rural.

    Mudas de cacau: colheita trimestral e maior produtor do mundo Foto: Issouf Sanogo/AFP
    Mudas de cacau: colheita trimestral e maior produtor do mundo
    Foto: Issouf Sanogo/AFP

    Ousseni Sawadogo, 32 anos, cultiva café, cacau, arroz e inhame com a ajuda de três irmãos em cinco hectares de terra a 35 km de Daloa, no centro-oeste do país. A casa é de alvenaria, mas não tem energia elétrica, geladeira, nem fogão. A luz é de lamparina, a televisão transmite o canal estatal ligada numa bateria de carro e a carne é conservada cozida em água e sal no fogão à lenha. Na Costa do Marfim, a safra do cacau é trimestral, com uma grande colheita em Dezembro. Somando a produção do ano, Sawadogo estima ganhar 500 mil Francos CFA ( US$ 1 mil) com a venda do cacau. A renda é para comprar peixe, óleo de cozinha e sal. Todo o resto necessário para garantir o sustento dos nove adultos que moram na propriedade, sem contar as crianças, é a terra que provê. Na época do Ramadan, reúnem os vizinhos, compram um boi e dividem a carne.

    Mesmo que bastante urbanizada, metade da população da Costa do Marfim está estabelecida no campo. O país continua a ser o maior produtor de cacau do mundo, mas também produz café, óleo vegetal (de palma), castanha de caju, borracha, algodão, cana-de-açúcar e banana. Quase todas as culturas tiveram aumento de produção desde o fim da crise, impulsionadas pelas exportações, mas principalmente pela demanda da indústria alimentícia que representa em torno de 5% do PIB e reúne multinacionais do scetor, como a Nestlé, ADM e Cargill.

    O entusiasmo em torno do crescimento contaminou até mesmo a directora geral do FMI, Christine Lagarde, que anunciou a chegada de um segundo miracle ivoirien, fazendo referência às décadas de 70 e 80 de grande prosperidade no país do cacau. O risco é que esse ‘milagre’ fique atrelado exclusivamente à exploração de recursos naturais e ao endividamento externo, deixando a maior parte da população fora do cálculo do PIB, alertam especialistas. RAFAEL ARAÚJO (brazilafrica.com)

     

    Publicidade

    spot_img

    POSTAR COMENTÁRIO

    Por favor digite seu comentário!
    Por favor, digite seu nome aqui

    Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.

    - Publicidade -spot_img

    ÚLTIMAS NOTÍCIAS

    Hamas promete responder à proposta de Israel para um novo acordo

    O grupo radical palestiniano Hamas disse ter recebido neste sábado, 27, a resposta oficial de Israel à sua mais...

    Artigos Relacionados

    Social Media Auto Publish Powered By : XYZScripts.com
    • https://spaudio.servers.pt/8004/stream
    • Radio Calema
    • Radio Calema