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    A questão da fome no mundo

    Gabriel Baguet Jr (Foto: Jorge Monteiro/Portal de Angola)
    Gabriel Baguet Jr (Foto: Jorge Monteiro/Portal de Angola)

    No próximo dia 16 de Outubro assinala-se em todo o mundo o Dia Mundial da Alimentação. Mais do que a celebração da data, os números inquietam e preocupam não só a FAO como há países como a França fez aprovar no Parlamento françês uma Lei Anti Desperdício Alimentar. Porque o que se gasta e desperdiça em termos alimentares em vários lugares do mundo é assustador. Mais do que assustador, revelador de alguma falta de consciência face a quem passa Fome. Defendo e tenho em conferência e já qui no Semanário O País o disse,que a mediatização sobre a Fome e uma Campanha Mundial de sensibilização junto de toda a Opinião Pública internacional talvez ajudasse a reduzir esta questão. Recentemente apôs uma reunião com o Representante da FAO junto da CPLP, Embaixador Hélder Muteia, referia-me o mesmo que “ todas as acções e vontades que ajudem a erradicar a Pobreza e a Fome repre­sentam uma ajuda significativa para as populações confrontadas com esta triste realidade. Temos que agir com firmeza”. Concordei e subscrevo as suas palavras e depois caminhando pelas ruas históricas de Lisboa onde o Escritório da FAO funciona, eis que vejo um jovem alfarrabista a vender um livro com o título: “ A Fome: Flagelo da Humanidade “. De capa vermelha e assinado René Dumont e Bernard Rosier, o livro editado pela Editora Ulisseia, tinha sido publicado em Paris em 1966 pelas Éditions du Seuil, cujo título original é “ Nous Allons a La Famine”. Numa nota a seguir a ficha técnica deste livro os autores escreveraM. “ Às crianças mortas pelo « kwashiorkor », pois as farinhas de peixe que as teraim salvo serviram para alimentar as galinhas destinadas ao ricos bem nutridos. Aos rapazes e raparigas dos países atrasados que, por carência destas proteínas, não poderão atingir um pleno desenvolvimento físico e mental” . Esta nota assinada pelos investigadores franceses René Du­mont e Bernard Rosier em 1966 é de uma visão singular, de grande inte­ligência e visão antecipada no tempo face a 2015. Porque esta realidade quase 40 depois já não devia existir. Afinal o que falta fazer ? Onde se erra ? Porquê que há Fome ? Porquê que seres humanos que não escolhem nascer passam fome? Neste livro que me custou 50 cêntimos referem os autores em 1966: “ Impõe-se simul­taneamente dois objectivos: triplicar a produção alimentar até ano 2000; controlar a expansão demográfica. Os meios encontram-se ao nosso alcance: estimular a investigação e a produção de novos alimentos: repartir os excedentes, distribuir os adubos, criar um imposto mundial de solidariedade e, nesse sentido, instituir uma autoridade mundial que oriente a luta contra a fome e te­nha também a possibilidade de exer­cer a sua acção directa sobre o índice crescente da natalidade “. Verdades inquestionáveis. Mas decorridos 40 e poucos anos entre publicação que por sorte minha descubro na rua, eis que as imagens que nos chegam de vários cantos do mundo é que a rua, continua habitada por seres huma­nos que passam Fome, outros que têm receio de referir que a sentem e vivemos neste silêncio agoniante que é o sentir o paladar do nada. E depois os números actuais dizem-nos isto : “Pelo menos 805 milhões de pessoas no mundo, ou seja, uma em cada nove, passam fome. Segundo o relatório da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agri­cultura (FAO), relativo ao período de 2012 e 2014, apesar de se ter regista­do uma tendência positiva na última década, com 100 milhões de pessoas a saírem do estado de desnutrição crónica, a FAO considera que os números continuam a ser “inaceita­velmente elevados”, principalmente nas regiões da África subsariana e da Ásia” Como dizia René Dumont e Bernard Riser, o pagamento de um Imposto Mundial a descontar para o combate à Fome como forma de solidariedade efectiva, pode ser um caminho para alertar consciências adormecidas e de barriga cheia.

    As estatísticas agora avançadas são comparadas pela FAO com as recolhidas entre 1990 e 1992. Segun­do a organização, mesmo haven­do ainda 805 milhões de pessoas com fome actualmente, houve um decréscimo de 209 milhões desde 1992. Desde esse período, 63 países atingiram a meta estabelecida pelos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (MDG, sigla em inglês) e seis outros estão a caminho de o fazer até ao próximo ano. Os MDG pretendem que até 2015 se redu­za para metade a percentagem de pessoas cujo rendimento é inferior a 1 dólar (77 cêntimos) por dia e a percentagem da população que sofre de fome.

    O relatório co Estado da Seguran­ça Alimentar no Mundo 2014 incluiu que a tendência de decréscimo das pessoas subnutridas nos países em desenvolvimento “significa que os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio de reduzir para metade a proporção de pessoas subnutridas até 2015 são alcançáveis, se esforços adequados e imediatos forem inten­sificados”.

    Sobre este ponto José Graziano da Silva, Director Geral da FAO o mesmo defende o seguinte: “O trabalho que está a ser desenvolvido pelas nações em desenvolvimento é a prova de que podemos vencer a guerra contra a fome e isso deve inspirar os países a avançar, com o apoio da comunidade internacional, se necessário.” Para José Grazia­no da Silva, a “redução da fome substancial e sustentável é possível”, bastando para isso um “compro­misso político” para erradicar a fome até 2025.

    Apesar de um balanço com alguns pontos positivos na erradicação da fome, os números de várias regiões e sub-regiões do planeta continuam a ser preocupantes. É o caso da África subsariana, fortemente afectada por conflitos e desastres naturais, onde uma em quatro pessoas permanece subnutrida, num total aproximado de 214 milhões. A Ásia é a região com mais população do mundo e onde está concentrada a maior percentagem de pessoas com fome. A FAO indica que, apesar de ter havido uma diminuição em países como a China, Índia e Vietname, a região reúne dois terços das pessoas subnutridas do mundo, perto de 526 milhões. Voltando a este pre­cioso livro, transcrevo a terminar este artigo o que escreveram René Dumont e Bernard Rosier no livro “ A Fome: Flagelo da Humanidade “: “ o mundo caminha para a fome se não se escutar o apelo alarmante reflectido nas páginas deste livro de flagrante actualidade, cujos autores são unânimes na solução apontada para evitar um verdadeiro flagelo da humanidade: a profunda e imediata solidariedade mundial “. Urge esta Solidariedade Mundial. Afinal os tempos não mudaram. O livro de 348 páginas publicado em 1966 é revelador de uma realidade que seria impensável viver-se em 2015. O mundo tem que mudar em muitos sentidos. (opais.co.ao)

    por Gabriel Baguet Jr

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    2 COMENTÁRIOS

    1. Como ficar insensível depois de ler este e outros artigos? E depois a profundidade com que este estudioso se debruça sobre estas questões. Tenho lido este autor e realmente as suas palavras tocam. Viva o Dia Mundial da Alimentação e felicito os homens e mulheres que têm a coragem de colocar o dedo na ferida. Como é possível e agora é outra questão que o Portal de Angola não tenha um parceiro na continuidade deste Projecto? Professora do Ensino Secundário em Faro

    2. Um grande Artigo de análise. Profundo e actual. A Fome é uma realidade.Dá gosto ler este investigador. É inteligente nas suas abordagens. Toca nas questões essenciais da Humanidade. O número de pessoas que passa Fome em todo o mundo é trágico e triste face ao desperdício diário de alimentos. Parabêns Gabriel Baguet pelo seu Artigo.

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