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    A embriaguez pela leitura

    Para satisfazer um vasto número de leitores que solicitaram a peça tomei a liberdade de a colocar outra vez on line, desta vez, no agradável espaço do Portal de Angola, onde a música nos acompanha solenemente (aquela música  Smooth Jazz, da Rádio Calema),  por esses mares nunca navegados. No entender da poesia épica camoniana, bem portuguesa, voltamos a postar o artigo publicado há algum tempo atrás noutros foruns.

    Boa parte dos nossos compatriotas perdeu afinidades com a leitura. A pressão da vida, a ausência de livrarias, de boas obras literárias, e as condições adversas do mercado, que conduziram à letargia da indústria gráfica, afastaram o leitor do conhecimento e da mania de ler. Mania porque de facto deve ser um hábito e um vício melhor do que aqueles que são nocivos à saúde, proporcionados pelos irmãos álcool e tabaco.

    Dizem os grandes mestres o bom leitor deve digerir diariamente pelo menos 50 a 80 páginas de um bom livro por dia, seja ele de carácter literário, ou escolar. O mestre mudo que é o livro, não deve nunca estar confinado a uma estante. Deve fazer parte da nossa cabeceira e o fiel companheiro de todas as horas, na base da asserção de que a seguir ao cão é o melhor amigo e professor do homem.

    Infelizmente e dadas as transformações sociais ocorridas no país, com a independência e a guerra que assolou em 27 anos o país, a leitura deixou de ter a importância de outros tempos e só as motivações de carácter escolar levaram muitos jovens a estabelecer um casamento obrigatório., entretanto muito afectado pelas carências sociais e económicas.

    O livro tornou-se caro e é hoje um produto pouco acessível à bolsa do cidadão comum. Razões fortes concorrem para isso: a asfixia da indústria gráfica, que deixou de exercer o papel estratégico de outrora, alimentando conceitos institucionais do comércio, segundo a qual sai mais barato importar o livro, do que produzi-lo localmente. Esta triste ideia matou por completo, uma indústria estratégica, que qualquer país, mesmo na actual fase da defesa do meio ambiente, não prescinde.

    Hoje por hoje, com a chinomania que se apoderou de alguns órgãos decisores deste país, entendeu-se que a China é solução para tudo, atirando para o desemprego boa parte da classe operária esclarecida que sustentava este importante ramo de actividade.

    As grandes gráficas que havia em Luanda, Benguela e Huíla, Malanje, Bié, Cabinda e outras províncias faziam parte de uma conexão industrial que potenciou o fabrico da indústria da pasta de papel nalgumas províncias do país a partir do eucalipto. A província de Benguela, através do Caminho de Ferro de Benguela potenciou a exploração desta espécie arborícola, que assessorou importantes áreas de actividade, através da indústria do papel.

    O retorno a esta realidade ainda está longe de acontecer e o livro electrónico, infelizmente não é ainda, entre nós, uma solução barata. Para além da Internet que infelizmente ainda é um luxo entre nós, não tem viabilidade na bolsa do comum dos cidadãos, num país, por excelência de pronto pagamento, onde se vive para facturar na hora e tudo o mais é conversa.

    O país dos negócios fáceis, anunciado até nos rodapés da web, tendo como exemplo, Angola serve para tudo. Bitcoins a moeda digital, bugigangas electrónicas, roupas de fardo, comércio electrónico, etc.

    Não existe entre nós a cultura da facilidade de pagamento e/ ou a venda a prestações, porque os negócios de importação, estando maioritariamente nas mãos de grandes grupos ligados à especulação financeira preferem trabalhar na pressão do lucro fácil e imediato, deixando para trás, tudo aquilo que facilita a empregabilidade, a maior circulação monetária e a revolução financeira que necessitamos para desenvolver rapidamente este país.

    Os negócios gordos são discutidos tendo como base o grande número de armazéns (outrora promissoras fábricas de produtos diversos, que povoou a capital do país antes da independência, conforme contam os mais velhos.

    Fábricas que, depois da independência serviram de sustentáculo de uma classe operária, que adornou o sistema político revolucionário depois da independência.

    Conta-se que a indústria gráfica era o sector que se dava ao luxo de pagar salários à semana, enquanto outros sectores da pequena e média indústria seguia o ritmo e proporcionava maior circulação monetária, no comércio, escoando no mercado toda a produção da moderna e emergente indústria, que arrastou para Luanda boa parte da população do campo para a cidade. O Estado era o único a pagar ao mês, e era o grande avalista do comércio geral.

    A indústria gráfica era tão dinâmica que a principal revista de actualidades que se imprimia em Luanda, a Notícia – dizem os mais velhos – tinha distribuição simultânea em Moçambique e Lisboa. No mercado circulavam publicações de entretenimento, como revistas de aventuras, romances, bricolages, em diversidade e qualidade indispensáveis. As senhoras tinham à disposição um leque de publicações, para todos os gostos e interesses.

    O sector privado constituía de facto uma peça importante do desenvolvimento económico de Angola na década de 60 e 70, dando depois lugar ao declínio, por razões das transformações políticas e sociais que deram origem à independência de Angola.

    A indústria gráfica esteve sempre associada ao desenvolvimento de uma indústria emergente que servia outros sectores de actividade, que viram no papel impresso um meio para servir outros ramos de actividade nos domínios comercial e industrial.

    O livro passou a entrar nos lares angolanos, em formato de revista, boletins, folhetins, revistas de banda desenhada e impressa em offset, numa altura em que a televisão era ainda entre nós um simples projecto.

    Nos dias que correm a indústria gráfica nacional emigrou para a China, África do Sul, Portugal e Brasil, e entra para o país em vários formatos, que drena para o exterior importantes recursos em divisas.

    A inversão deste quadro é recomendável e urgente e estou certo que boa parte das forças políticas do país vai caucionar o retorno a práticas empresariais de sucesso que promoveram a rápida industrialização de Angola nos anos 60/70.

    Então aí o livro voltará a ser o fiel companheiro de cabeceira dos angolanos, promovendo a sua educação vertical, ou seja da cabeça aos pés.

    É necessário que o Ministério da Agricultura leve ao Governo um pacote de medidas que estimulem a criação de perímetros florestais, que dê consistência ao ressurgimento da indústria do papel, que apesar das restrições ambientais conhecidas, não vai deixar morrer a indústria do papel, que entre nós, tem espaço e tradição para crescer e desenvolver outros sectores que dele dependem.

    A era que vivemos é de diálogo e de acção, no combate às ideias reducionistas, que muitas vezes frenam o nosso desenvolvimento, debitadas por grupos de interesse, que conhecemos, promotores das assimetrias que vivemos, fruto da sua ambição desmedida de quererem controlar tudo e todos e fazer do rico, belo e diversificado país, que temos, uma autêntica coutada.

    Hoje em dia, até a terra é objecto de lutas intestinas, numa batalha sangrenta e silenciosa, que mata e reduz as condições necessárias para que o empreendedorismo nacional e estrangeiro possa ter lugar, no respeito à lei e à capacidade de cada um gerar riqueza.

    O Estado tem de rapidamente reorganizar a lei de terras e pôr fim aos cambalachos nos projectos industriais apoiados pelo Estado, que acabam por servir uma elite de fulanos que se articula de forma organizada nos bastidores do poder, prejudicando pessoas e interesses bem definidos, cujos projectos não passam das boas intenções e ainda por cima pagam impostos.

    É o caso das pequenas e médias empresas, que agonizam, sem que ninguém se pronuncie a seu favor. É um caso para análise urgente, o que se passa nos Pólos industriais, como o de Viana, semelhante ao exemplo da montanha que pariu um rato.

    Indústrias há muito poucas para tanta terra ocupada a servir de armazéns de produtos importados, quiçá, alguns deles, autênticas quinquilharias, a circular nas nossas ruas, nas mãos da zunga, que alimenta uma importante franja da nossa juventude, entregue à sorte, na venda ambulante. Um caso a rever com urgência.

    Para nossa tranquilidade e reflexão vale lembrar a canção do nosso jubilado artista Pedrito, no estribilho que diz que esta Angola é grande e tem lugar para todos nós, que continuamos a ver os nossos sonhos adiados pela inércia e a falta de liberdade, iniciativa e sobretudo apoios francos e directos, para “criar com os olhos secos” como disse um dia Agostinho Neto, num dos seus belos poemas.

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