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    Viagem à mina dos diamantes mais valorizados

    Quando, a partir de finais de 2019, o Conselho de Administração da Endiama decidiu-se pela constituição de uma comissão de gestão técnica para a mina do Camútwe, como processo de transição para uma nova sociedade, iniciava-se o fim de um ciclo de cerca de 12 anos de exploração sem quaisquer dividendos, quer para a própria Endiama, quer para o Estado angolano.

    Ao grupo, liderado pelo engenheiro Domingos Margarido, foi confiada a responsabilidade de assegurar as condições de transferência das instalações mineiras, dos recursos humanos e meios activos para a futura entidade comercial, titular dos direitos mineiros, que passou a designar-se, no final do processo, por Sociedade Mineira de Kaixepa.

    Em reportagem aos projectos diamantíferos na região das Lundas, fomos dar, a  cerca de 10 quilómetros da vila de Lucapa, entre Dundo e Saurimo, com uma Kaixepa  a tentar reconstituir o que restara da Associação em Participação entre a Endiama, a Tecmad, SML (Sociedade Mineira do Lucapa) e o consórcio Conkamutué, que vinha exercendo os respectivos direitos mineiros.

    Dois anos depois, Domingos Margarida, que foi elevado à categoria de presidente do Conselho de gerência e director-geral da Sociedade Mineira de Kaixepa, reafirma a missão primeira da sua gestão, que passa por mudar a imagem do antigo Projecto Camútwe. “Temos a missão principal de mudar o antigo Camútwe.

    A orientação é trabalharmos para que a Endiama obtenha os dividendos aqui nesta mina, algo que nunca aconteceu em sucessivos anos de exploração”, referiu.
    Disse que tal está a ser feito, mas num quadro de enormes dificuldades, em todos os aspectos cruciais, para manter um razoável funcionamento de uma unidade, com as exigências tecnológicas de uma mina de diamantes.

    “Encontramos uma exploração pouco adequada e enfrentamos muitos problemas, com máquinas e equipamentos quase todos obsoletos, lavarias a não produzirem o suficiente, reflectindo-se em baixíssimos números de produção”, adiantou Domingos Margarida.

    Antes mesmo que lhe perguntássemos sobre as cifras de produção e perspectivas, Domingos Margarida, que possui um doutoramento em minas obtido em Cuba, onde, aliás, fez toda a sua formação, é incisivo sobre a estratégia adoptada pela Sociedade Mi-neira de Kaixepa, para corresponder aos desafios importantes orientados pela Endiama.

    Assim, indica que primeiro “optou-se por tentar segurar os números actuais, para não baixarem”.
    Acrescenta  que, apesar da indisponibilidade de grande parte dos equipamentos necessários às operações, a aposta é a maximização dos que estão disponíveis e solucionar os problemas encontrados numa mina “quase afunilada, em falência técnica, que, em condições normais, deveria fechar”.

    Reconhece que as responsabilidades sociais com todos os trabalhadores da mina são um factor significativo a inibirem o caminho em direcção à paralisação. “Trabalhamos a meio gás e com muito esforço. Primeiro, deveríamos reorganizar a empresa, mas também temos responsabilidades sociais com todo o pessoal que aqui trabalha e algumas máquinas que têm necessariamente que funcionar”, argumenta.

    Mais pragmático, Domingos Margarida diz mesmo não ser sensato dizer simplesmente aos trabalhadores que “paramos e vão para casa. Vão comer o quê”? É aqui onde assenta a estratégia da administração da Kaixepa, de “tratar de aguentar”, fazendo o má-ximo com o mínimo de equipamentos disponíveis.

    Depois de quase uma hora de conversa no seu escritório, montado por cima de um contentor, Domingos Margarida levou os repórteres para junto das lavarias e explicou que a sua capacidade de tratamento do minério desceu para 45 a 50 por cento. Números significativamente abaixo do planificado.

    Injecção de 30 milhões

    Domingos Margarida, antigo vice-reitor da Universidade Agostinho Neto para os Assuntos Académicos e Vida Estudantil, indicou a “visão imediata” da sua administração, referindo-se à procura junto das autoridades competentes, nomea-
    damente a Endiama, de uma injecção de capital para a melhoria progressiva dos actuais níveis de produtividade das minas da Sociedade Mineira de Kaixepa.

    Um investimento que nunca  ficaria abaixo dos 30 milhões de dólares, como revela o próprio, em meio a um sorriso, talvez porque percebe que o valor para colocar a mina a funcionar a um nível razoável pode ser muito mais elevado.

    Como que a justificar aquele valor para o investimento necessário para “ressuscitar” as minas, o engenheiro Domingos Margarida refer-se à “perfuração que é cara, os equipamentos caríssimos, além da aquisição de novas lavarias”.  As lavarias são hoje, a bem dizer, um dos principais nós de estrangulamento das operações nas várias frentes que formam a Sociedade Mineira de Kaixepa.

    “As lavarias estão obsoletas e não adianta termos tantos equipamentos novos, como camiões e escavadeiras, mas quando chegarem, elas não corresponderem. Logo, o investimento tem que ser feito em toda a cadeia”, palavras do especialista em minas a céu aberto.

    Domingos Margarida adiantou que a actual planta, para pré-tratameento, tem uma capacidade instalada de 125 toneladas de minério por hora, mas apresenta, há já algum tempo, demasiados problemas técnicos, por falta de investimentos adequados para a sua manutenção regular.

    “Actualmente essa planta trata apenas 85 toneladas. É uma diferença muito significativa numa mina de exploração de diamantes”, referiu o presidente do Conselho de Gerência da Kaixepa.

    Mas não é tudo, neste “mar” de dificuldades em que labora a Kaixepa, nos dias que correm. A capacidade da planta, para o material mais fino, desceu de 150 toneladas para 80 toneladas por hora.

    E é a olhar para esse quadro que a administração desta companhia equaciona a construção de uma nova lavaria, do tipo DMS (Sistema de Meio Denso, instalação para recuperação de diamantes por densidade do meio), com ca-pacidade para 200 toneladas por hora, de que se espera mais eficiência, apesar de ter menos estruturas e ocupar  menos espaço.
    “Essa lavaria, na verdade, vai duplicar a capacidade das duas actuais plantas, a mina poderá elevar o seu processamento e vamos vender mais”, refere, optimista, Domingos Margarida.

    Números da Kaixepa

    A concessão do Kaixepa estende-se por 76 quilómetros quadrados e tem dois kimberlitos, actualmente em exploração. O primeiro, Camútwe Oeste, ocupa uma área de 11, 8 hectares e tem já 190 metros de profundidade. A segunda mina, Kaixepa, tem uma área de 2,7 hectares e 37 metros de profundidade. Começou a ser explorada há sete anos.
    Além dessas minas, a sociedade mineira tem ainda o Camútue Este, um kimberlito que está numa fase de prospecção e estudos geológicos, para se aferir do seu potencial.

    Esses são dados relevantes, que explicam a importância desta mina no universo das empresas mineiras de Angola, dedicadas à exploração de diamantes.

    Como se diz mais acima nesta peça, sobre a incursão que fazemos às áreas de prospecção e extracção de diamantes aluvionares e kimberlíticos no nordeste de Angola, Domingos Margarida preferiu deixar para o fim a abordagem sobre os números da Kaixepa. Números que a sociedade diamantífera pretende atingir, para trazer para a Endiama os dividendos à dimensão do potencial do antigo Projecto Camútwe e melhorar as receitas para os cofres do Estado angolano.

    Assim, disse o presidente do Conselho de Gerência, com o almejado investimento de cerca de 30 milhões de dólares, a produção estaria muito próximo dos 15 mil quilates por mês, cerca de 17 milhões de dólares de receita, a ter como referência o actual preço dos diamantes desta mina, que se situa à volta de 900 dólares o quilate. “Aí, sim, teríamos os dividendos esperados para a Endiama e estaríamos a corresponder com as expectativas sobre a nossa contribuição para o Orçamento Geral do Estado”, prevê o gestor.

    Ainda assim, Domingos Margarida olha para os quilates a produzir e fala em “números conservadores”, ao indicar que ” isso é feito com pequenos ajustes, pois se tivéssemos as condições adequadas estaríamos, seguramente, a duplicar”, argumenta.

    Revela que os diamantes extraídos do Camútwe Oste e Kaixepa são actualmente dos mais valorizados de Angola, o que é garantia bastante para a sobrevivência, até aqui, da mina. “Se tivéssemos todas as condições, estaríamos a falar de números de produção absolutamente fantásticos”, assegura o engenheiro, que já passou, também, pela Sociedade Mineira de Catoca, responsável por cerca de 85 por cento da produção de diamantes angolanos.

    Na administração do Kaixepa, encontrámos a convicção de que o trabalho em curso, para a atracção de potenciais investidores, pode surtir o efeito desejado num espaço relativamente curto. Desde logo pela atractividade do preço. “O preço dos nossos diamantes é convidativo e isso é importante”, refere Domingos Margarida, que dirige uma equipa de 763 trabalhadores, maioritariamente oriundos de diferentes localidades dos municípios do Dundo e Lucapa, na província da Lunda-Norte e estão distribuídos pelas áreas de metalurgia, projectos de engenharia, geologia e segurança.

    “Estamos numa fase de negociações, há algumas (boas) indicações e acredito que, a breve trecho, vão aparecer investidores, pois o preço do nosso diamante é interessante e está melhor que muitos outros projectos. Se aparecerem (investidores), Kaixepa vai ser uma das minas com maior rendimento”, afirma o líder da sociedade diamantífera de Kaixepa.

    Outros constrangimentos
    Domingos Margarida refere-se a situações anómalas para uma operação com garantias de sucesso, como minas que estavam cheias de água, a acrescentar às já descritas deficiências técnicas dos equipamentos.

    “Tanto Camútwe Oeste, como Kaixepa, as cotas estavam cheias de água, mas com muito sacrifício conseguimos retirar toda ela da segunda mina e estamos concentrados em concluir esse trabalho, antes do período chuvoso”, explica.
    Nos primeiros  seis meses, depois da “tomada” da mina pela nova administração, a extracção de diamantes registou uma acentuada queda, numa comparação directa com o período homólogo do ano passado, algo agravado pelo estado obsoleto dos equipamentos.

    “Nesta fase de mudança da anterior companhia, vimos, também, que os colegas não nos deixaram grandes coisas. Muita coisa foi desfeita e o que estamos a fazer é ir construindo aos poucos”, desabafa o presidente do Conselho de Gerência da Sociedade Mineira de Kaixepa, notando, contudo, que não  ocorreram despedimentos de exapatriados, algo muito recorrente em situações do género.

    Em concreto, Domingos Margarida refere-se às próprias lavarias, “herdadas” em “péssimas condições, com demasiadas avarias e a algumas peças que desapareceram pura e simplesmente”. Esse é um processo que levou a administração a pesquisar no mercado peças de reposição, o  que, como confessa o seu presidente, não está a ser fácil.

    À insistência dos jornalistas sobre a qualidade dos equipamentos, o responsável da Kaixepa insiste no “bico d’obra” que é a avaria da quase totalidade das máquinas escavadeiras e camiões de transportes do minério e cascalho para as lavarias e revela que se a  anterior empresa operava, em média, uma frota de 15 camiões, hoje estão disponíveis pouco mais de seis, indicador das dificuldades dessa companhia, ao que junta a ineficiência das lavarias.

    “Antes as lavarias tinham uma eficiência de perto de 70 por cento, mas agora estão entre 40 e 50 e isso reflecte-se, obviamente, na baixa que se regista nos números da produção”, palavras de Domingos Margarida, que prefere não fazer uma acusação directa à anterior empresa detentora dos direitos mineiros do antigo Projecto Camútwe, mesmo ressalvando que “essa é a realidade”.

    Numa das frentes de produção, já mais aberto, foi mostrando o que resta de equipamentos de um período de exploração de 12 anos.

    “Praticamente nada”, afirma, antes de acrescentar que durante esse período o Estado não beneficiou de nada do antigo Projecto Camútwe. “A própria Endiama não tinha acesso a esta mina, dela quase não se sabia nada, era um fantasma dentro das concessões mineiras”, esclarece.

    Para dar a dimensão do “fantasma”que era a mina de Camútwe, o engenheiro Domingos Margarida conta um episódio, em que um antigo presidente do Conselho de Administração da própria Endiama teria sido travado à porta da mina. “É caricato, mas o principal responsável das minas não foi autorizado a passar e isso parece revelador do nível de controvérsia  que havia na altura”, confessa.
    A somar ao quadro de “desordens”, como prefere chamar o engenheiro Domingos Margarida, a anterior operadora deixou a mina com bastante água, cuja retirada revelou-se numa tarefa gigantesca e com investimentos em novos equipamentos, sobretudo motobombas.

    “Tivemos que trabalhar com material de menor teor, quando o de melhor, está lá em baixo”, sublinha o presidente do Conselho de Gerência, apontando para o fundo do Camútwe Oeste, de onde potentes máquinas retiram o cascalho para as lavarias.

    Sabotagem. É o termo que Domingos Margarida usa para caracterizar  o estado em que a nova administração “herdou” o Projecto Camútwe, que, como sublinha, tem dos diamantes mais valorizados de Angola. “Como é que uma mina desta dimensão fica assim? Esconderam as bombas, desapareceram e levaram todo o equipamento para outras minas, pois eles tinham outras concessões”, afirma, visivelmente desiludido.

    Mais perfurações

    O engenheiro Domingos Margarida diz que há estudos a apontarem para o desaparecimento, daqui a algum tempo, de quase todas as explorações aluvionares (lagos, lagoas e rios), “que mais facilmente atraem garimpeiros”, dando lugar à exploração de diamantes em zonas mais profundas.

    Indica o caso dos kimberlitos de Catoca, o próprio Camútwe, Lunhinga (antigo Luô), Luaxe, Camatchia Camagico, Camazingo. Camachico e outros ainda por explorar, como  exemplos de um cada vez maior número de ocorrências kimberlíticas. “O desafio desta gestão é, num futuro breve, começarmos a fazer novas perfurações, já que a antiga empresa não tinha terminado os estudos, pois as informações que temos não são conclusivas”, adianta Domingos Margarida.

    “Estamos a encetar todos os contactos possíveis. São, na verdade, investimentos avultados e temos que ver com quem nos vamos associar, para voltarmos a fazer esses estudos e podermos estimar o tempo de vida da mina”, explica.
    Mas o desafio imediato, enquanto se aguarda pela conclusão da avaliação, depois da perfuração, é continuar a  investigação do potencial aluvionar, ja que, como explica  Domingos Margarida, dentro da concessão de Kaixepa existem depósitos secundários de diamantes.

    “Temos que fazer isso, para ajudar a aumentar os nossos recursos, sobretudo na área de concessão, já que pelo seu histórico, os afluentes do rio Luachimo normalmente atraem garimpeiros e isso mostra que existe alguma coisa. Ora, também, vamos lá ver, até porque está dentro da concessão”, argumenta, garantindo que as prospecções geológicas de outros corpos de kimberlitos vão continuar, até à perfuração completa da mina.

    Responsabilidade social
    Sobre a responsabilidade social da Kaixepa, Domingos Margarida refere-se aos equipamentos de protecção individual, formação sobre segurança, higiene no trabalho, combate contra incêndios, treinamento na área de perfuração, testes de alcoolemia à entrada das diferentes áreas de trabalho, entre outras.

    Destacando o cumprimento da legislação sobre  ambiente, nota que a  estratégia é maximizar a produção, mas minimizando o impacto negativo sobre  o meio, preservar a saúde dos trabalhadores e das comunidades.
    O líder da Kaixepa adianta que as estatísticas são favoráveis, sem registo de qualquer fatalidade na mina, apesar da complexidade das operações e revela ser difícil, por ora, o investimento  real para a área social, que será sempre bem maior”.

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