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    Repatriados da RDC: 30 anos a viver em condições degradantes

    No Centro de Trânsito das Três Províncias – Bengo, Huambo e Bié – vivem centenas de chefes de família. O local deveria ser ponto de trânsito, mas tornou-se residência. Moradores relatam descaso e discriminação.

    No Centro de Trânsito das Três Províncias – Bengo, Huambo e Bié – vivem 368 chefes de família e os seus respetivos filhos, netos e bisnetos. Os cidadãos angolanos repatriados da República Democrática do Congo (RDC) vieram para cá em 1992. Em 1998, juntaram-se outras famílias provenientes das províncias do Bengo, Huambo e Bié.

    Uma das crianças nota a presença da DW África e diz: “entrega já as casas”.

    “Entrega já as casas”
    À entrada do centro, há um aglomerado de jovens e senhores desempregados. Um deles é Esteves Francisco Pedro. Refugiou-se com os seus pais na RDC em 1968, fugindo do conflito contra o colonialismo português.

    Há 30 anos ele vive num casebre. “Até agora, o Estado sempre nos mente. ‘Amanhã, amanhã, amanhã’ e nunca se fez nada”, lamenta.

    Dezenas de jovens que nasceram aqui já constituíram família. Eles, os seus filhos e esposas também vivem em casas de chapas. É o caso de Celestino Manuel, um cidadão de 26 anos que, entretanto, está revoltado.

    “Para ser sincero, é um sentimento crítico. Há 26 anos que estou cá, não vejo desenvolvimento. Passamos por várias situações mesmo muito críticas. Por exemplo, hoje choveu. O que nós passamos aqui, haja Deus que nos acuda”, descreve.

    Esteves Francisco Pedro regressou da RDC há 30 anos e, desde então, vive num casebre.
    (DR)

    Conflito social
    Nos arredores do centro há casas sociais condignas onde moram outros cidadãos. Mas a relação entre as duas comunidades não é a mais cordial e há discriminação mútua, queixa-se Celestino Manuel: “Há muita discriminação entre as pessoas de fora e nós, que vivemos cá”, explica.

    “Por vezes, dizem que nós, que residimos aqui, somos meliantes, bandidos. Não podes entrar na casa do vizinho quando há um evento. Mesmo tendo filhos adultos que podem ser amigos, não conseguimos, por discriminação”, conta o jovem.

    Este não é o único relato de discriminação. Cecília Machado, de 21 anos, também diz que tem sido vítima.

    “Há várias pessoas que discriminam as que estão aqui. Eles dizem: ‘Não vou falar com esta jovem porque ela mora nas tendas’. Sempre que saio, ouço: ‘Se essa jovem mora aqui é porque faz a vida [é garota de programa]”, reporta.

    Condições degradantes
    Inicialmente, os repatriados da RDC e os deslocados das províncias do Bengo, Huambo e Bié viviam apenas em tendas e num edifício de primeiro andar. Hoje, quase todos vivem em casas de chapa e num prédio urbano – que pode desabar a qualquer momento.

    “Não temos condições – olha como estamos a viver. Está mesmo mal, essa casa é furada”, aponta Isabel Garcia para as fissuras do edifício que começam logo nas escadas.

    Um dos moradores apresenta os compartimentos do prédio à DW África. Nele vivem dezenas de famílias.

    “Estás a ver como estamos a viver,” pontua o homem.

    Já Lemba Domingos César explica o drama de compartilhar o mesmo quarto com a nora todos os dias. “[…] Eu, por exemplo, tenho marido e tenho que dormir ao lado de onde o [meu] filho dorme com a mulher,” descreve.

    Além disso, no interior da residência não existem casas de banho, luz elétrica nem água potável. Também faltam escolas, centros médicos e saneamento básico.

    Isabel Garcia encontra nos biscates um meio de sobrevivência
    (DR)

    Sobreviver de biscates
    Quanto ao emprego, jovens, mulheres e homens sobrevivem de biscates, explica Isabel Garcia. “Ganhamos alguma coisa e compramos um pouco de arroz. O biscate é lavar e capinar nos vizinhos”, diz.

    Também Celestino Manuel sobrevive de pequenos biscates no ramo de construção civil para sustentar os seus dois filhos: “Tem uma obra e tu vais lá trabalhar. Se alguém próximo também precisa, e tem algum trabalho, chamam-te”.

    Recorrer ao Presidente
    A DW África tentou, sem sucesso, ouvir a versão das autoridades competentes.

    Mas Domingos César, coordenador do Centro de Trânsito das Três Províncias, diz ter feito quase tudo, porém sem êxito. Já escreveu para organizações não-governamentais, igrejas e inclusive à Assembleia Nacional.

    Agora, quer a intervenção do Presidente João Lourenço. “Sua Excelência, Presidente da República, veja os seus filhos que vivem aqui no centro de trânsito há trinta anos. Ou manda o seu elenco, ou o próprio Presidente venha nos visitar, porque a nossa situação aqui é grave,” apela.

    “Temos aqui um edifício que, em breve vai desabar. E, quando desabar, o Presidente vai preparar 50 urnas para enterrar essas pessoas, mas nós não queremos”, acrescenta.

    No próximo mês, os moradores realizam uma vigília para exigir realojamento condigno. Caso isso não ocorra, já há cartazes a dizer: “Vende-se este terreno”.

    O objetivo é comercializar o espaço para aquisição de residências, revela Isabel Vihemba, coordenadora dos deslocados do Bié.

    “A mensagem que vou deixar é só nos tirar daqui nestes três meses. Se não, vamos vender esse terreno”, garante.

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