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    O impacto do desenvolvimento sócio-económico e cultural na melhoria de vida das Comunidades

    Para falarmos sobre o impacto do desenvolvimento sócio-económico na melhoria da vida social e cultural das Comunidades de um modo retrospectivo, à época colonial, relativamente ao nosso País, temos que nos remeter,  à leitura de textos de autores como Castilho Soares e outros, sobre o “bem-estar rural”, elaborados ao longo do século passado sobre povos do território angolano.

    Lidando com a questão das populações africanas a partir de uma ideia de integração social, em paralelo ao problema dos trabalhadores assalariados, envolvidos na economia cafeícola e algodoeira, estes textos abordam a questão dos agricultores que, na sua perspectiva, seriam distinguidos por trabalhadores rurais, por um lado e, indígenas, por outro.

    Aquele autor, leva-nos assim,  à região central de Angola, o Cuanza Sul, onde lhe é apresentado um “denso aglomerado humano” fixo às margens do rio Queve, cuja beleza natural não compensa, na sua opinião, a “imprevidência dos seus habitantes e o primitivismo das suas técnicas de exploração do solo, pelo que ali por vezes, segundo este autor, havia  fome, (Soares, 1961:28);

    Já na, região sul da Huíla, onde estavam “pequenos agricultores” fixados há muitos anos e “com razoável nível de evolução”, que se dedicavam às culturas de feijão, milho e café e tinham a posse de algumas cabeças de gado bovino e porcino; a Caconda, norte daquele território, em que havia regiões agrícolas com “populações estabilizadas em aldeamentos naturais extensos, grande número com mais de 100 fogos, havendo sobados com mais de 1000 famílias no aglomerado” (Soares, 1961:38). Nesta última região, o autor escreve que o agricultor, considerava a sua profissão “dignificante” para o próprio grupo.

    Mas o controle da mão de obra foi sempre um dos grandes “problemas” da colonização, daí a importância dos documentos legislativos referentes ao trabalho africano publicados desde 1899, quando as novas propostas imperialistas ganharam força nos anos que se seguiram à abolição da escravatura.

    O Estatuto do Indigenato foi criado em 1926 e mantido em vigor, salvo pequenas reformulações, durante 35 anos até ser abolido em 1961. Nele, o africano era definido pela obrigação para o trabalho e como o principal objecto da acção colonizadora (Duffy, 1959).

    Em meio à disputa sobre os modos de representar as populações angolanas – trabalhadores indígenas e agricultores – emergem os projectos de educação para a ex-colónia como solução para manter os africanos como mão de obra para a economia colonial.

    Castilho Soares, (Soares, 1961:92) de modo a superar dificuldades de compreensão da agricultura em Angola com uma perspectiva local, propõe que o ensino se converta num dos “vértices” centrais do seu plano de desenvolvimento e bem-estar rural. Em nome do progresso, o ensino em sua perspectiva, resolveria os problemas de “bloqueios”, “impedimentos”, “obstáculos” da população local.

    Os projectos postos em ação pelos técnicos de agricultura não seriam suficientes, o que justificaria a atuação dos especialistas da área de educação, accionados como esforços complementares para modificar formas de pensar e fazer com que os destinatários das ações “entendessem” os projectos formulados pela metrópole.

    As acções do Estado, pela via educativa, acomodariam as populações a uma “sociedade central” e “universal”. Angola, aos olhos de Soares, seria um imenso “laboratório de aculturação” por ali residir então, em sua percepção, uma “sociedade em transição” com vistas a integrar-se ao grupo dos mais “evoluídos”, dos colonizadores, estando o projecto de ensino assente em “bases científicas” capazes de permitir identificar as características étnicas e heterogéneas das populações e garantir seu reconhecimento internacional.

    Entretanto, Castilho Soares reconhecia a existência do que ele chamou de uma “educação não formal”, própria das populações locais, e que poderia ser aproveitada no sentido de uma “endoculturação”, para assim alcançar a desejada integração nacional. Por meio de uma “pedagogia do exemplo” (Souza Lima, 1995, 2008), colocar-se-ia em prática o uso dos métodos indígenas de educação, e crenças seriam disseminadas a partir de dispositivos que fizessem com que as populações reconhecessem a si mesmas.

    Nestes termos , sustentava que “os nativos estão integrados e adaptados ao seu sistema sociocultural que já encontraram ao nascer, pelo que, perante as modificações que se pretenda introduzir-lhe, é lógico que reajam contra essa intromissão e apresentem resistência”.

    [Para suavizar a dureza da intromissão dessas técnicas], há necessidade, como sugeria, de “actuar racional e metodicamente por meio de estímulos, desenvolvendo as suas artes típicas, os seus próprios jogos e divertimentos, as suas danças, ajudando a vencer as suas próprias dificuldades e obstáculos que se deparam à evolução das comunidades, dotando-as de água potável, promovendo a abertura de caminhos de proximidade [que ligam por terra, as aldeias ou localidades, entre si], dando orientações sobre salubridade e higiene e oferecendo assistência médica, criando pequenas indústrias com base na avicultura, na piscicultura, na cerâmica etc. ou iniciando práticas de exploração de seus recursos naturais” (Soares, 1961:97).

    Tais propostas mostram também a entrada do Estado no âmbito da educação das populações autóctones (indígenas), até então uma esfera de actuação exclusiva da Igreja.

    A intenção de Soares era substituir os métodos de ensino de responsabilidade da Igreja, destinados aos autóctones, então considerados: “não civilizados”, por novos métodos mais “modernos”.

    A justificação para a acção do Estado nesse domínio estaria na sua “metodologia científica”, que se caracterizaria, segundo o entendimento do autor, pela ausência de violência para com as sociedades africanas, ao contrário do praticado pelas missões religiosas.

    Soares, em sua dissertação de licenciatura, propunha a reforma do antigo sistema de ensino, que era identificado pelo seu caráter “abusivo” ao impor normas de vida diferentes das sociedades africanas “ancestrais”, criando fontes de conflitos, desajustamentos emocionais, e outros problemas que não contribuiriam para os “objetivos visados pela ação civilizadora” (Soares, 1961:121).

    Já, Américo Castanheira (1950) entendia a educação como um “método utilizado principalmente para os contextos rurais. A “compulsão educativa”, encontrada nesta dissertação, deveria ser promovida pelas autoridades para conquistar os trabalhadores”, sublinhava.

    Ela incluía filmes para informar às massas os benefícios do trabalho; aproveitamento de indivíduos educados nas missões para que exercessem cargos administrativos e influenciassem outros em fases distintas de assimilação; escolas e postos agro-pecuários destinados a ensinar tanto as práticas de agricultura como o uso falado e escrito da língua portuguesa, dentre outros.

    Um departamento especializado no tema, idealizado por Castanheira, teria como finalidade a melhoria das condições de vida dos trabalhadores, o aumento de sua capacidade de produção, o fomento à oferta de mão de obra e, em última análise, a transformação dos indígenas em “seres capazes de iniciativas e de responsabilidades” (Castanheira, 1950:98-99).

    O objectivo seria a criação de “verdadeiros evoluídos mentais e profissionais” por meio da difusão de estabelecimentos de ensino profissional orientado e dirigido pelo Estado. Projectava-se a criação em larga escala de escolas, com conteúdos económicos, literários e de assistência religiosa, sempre com o cuidado para que fosse[m] “adequada[s] ao seu modo de ser e à sua elevação sem sobressalto, de modo que os juízos de valor tradicionais fossem abandonados pela insensível pressão dos novos conceitos absorvidos” (Monteiro, 1959:187).

    Pela via educativa estaria resolvida a questão de manter os africanos como trabalhadores diante de um quadro de fortes críticas às práticas abusivas utilizadas durante o colonialismo português.

    As prioridades do I e do II Planos de Fomento para o Ultramar distinguiam-se das traçadas nos planos projetados para territórios ultramarinos estrangeiros em dois aspetos fundamentais: por um lado, o objectivo de intensificar o povoamento branco, um esforço que não tinha qualquer paralelo nos outros planos; por outro, a centralidade do sector das infra-estruturas e a ausência ou escassez de investimento na área social e de melhoramento das estruturas nativas.

    Nesta fase, o ´Estado Novo`, como era denominado o então regime colonial português, seguia um modelo de desenvolvimento exógeno assente no aumento da capacidade produtiva e de comercialização e dirigido preferencialmente à população de origem europeia em rápido crescimento.

    Apesar das necessidades laborais para a indústria e para os serviços em franca expansão, não se investia no capital humano, isto é, na escolarização e a formação profissional dos africanos.

    Como se evidenciou ao longo deste período, o povoamento de Angola e Moçambique com naturais da metrópole era considerado um meio para potenciar o desenvolvimento daqueles territórios e povos; e os empreendimentos projetados pelo Estado destinavam-se a atrair novos colonos.

    Havia, portanto, uma estreita articulação entre povoamento branco e fomento na doutrina de desenvolvimento ultramarino do Estado Novo, algo único no panorama do colonialismo europeu tardio.

    Dada a fraqueza do capitalismo português, incapaz de utilizar investimentos privados em larga escala, o povoamento foi também encarado como uma forma de manter o domínio colonial.

    Depois do início da guerra colonial em Angola, o desenvolvimento das ex-colónias e das populações africanas tornou-se ainda mais premente e o modelo a seguir teve de ser repensado. Houve continuidades – a modernização gerada pela guerra foi ainda muito marcada pelo investimento em infra-estruturas (mormente na construção de estradas) – mas houve igualmente mudanças.

    Um amplo pacote de medidas reformistas foi promulgado no período em que Adriano Moreira esteve à frente do Ministério do Ultramar (1961-62), destacando-se a abolição do estatuto do indigenato, o regulamento de ocupação e concessão de terrenos, a organização das regedorias nas ´províncias ultramarinas`, a criação dos Institutos do Trabalho, Previdência e Acção Social de Angola e de Moçambique, o Código do Trabalho Rural e a criação do Espaço Económico Português de livre circulação de mercadorias, capitais e pessoas.

    O fim do trabalho forçado e das culturas obrigatórias estabeleceram novas relações de produção, predominando agora o assalariado, e permitiram uma maior integração dos africanos na economia de mercado. Houve igualmente um forte (embora tardio) investimento na escolarização dos africanos, sobretudo em Angola.

    Nesta ex-colónia o Governo-Geral apresentou ao Conselho Legislativo, em outubro de 1961, um Esquema de Política Social, que seguia as técnicas de desenvolvimento comunitário. Segundo o governador-geral, o general Venâncio Deslandes, aquele esquema era algo de novo na administração ultramarina portuguesa e visava dois fins fundamentais: 1. a melhoria das condições de bem-estar social das populações rurais e urbanas;

    2. a aceleração do processo de ascensão de todos os habitantes da Província aos benefícios da ´civilização. Para o prosseguimento daqueles objectivos estava previsto o aproveitamento do sentido associativo existente nas comunidades tradicionais, “a fim de se lhes imprimir um desenvolvimento dirigido com a participação activa e através de própria iniciativa do indivíduos”.

    No âmbito daquele plano teve especial relevância e repercussão o programa “Levar a escola à sanzala” (1961-62), desenhado pelo então secretário provincial de Educação, Amadeu Castilho Soares.

    O Estado assumia pela primeira vez as suas responsabilidades no ensino das populações autóctones de Angola, até então hipotecadas às missões religiosas. Procurava-se iniciar e desenvolver a escolarização e o ensino da língua portuguesa em populações rurais, de forma generalizada; assegurar a presença e integração de agentes de ensino nas comunidades de vida tradicional; desencadear uma nova dinâmica social nas pequenas comunidades rurais em torno de um primeiro projeto comum: a escola.

    O envolvimento das comunidades na concretização do projeto era induzido pela co-responsabilização dos chefes tradicionais na escolha e designação do professor local. Cabia ao Estado a formação destes professores (monitores), através de cursos intensivos, especialmente concebidos e organizados para o efeito. Nos dois primeiros anos do plano, mais de 500 monitores foram indicados, preparados e fixados nas pequenas “aldeias do mato”.

    A rede de monitores então estabelecida, “radicada nas comunidades tradicionais, haveria de representar a única estrutura duradoura do sistema de ensino e de difusão da língua portuguesa”.

    Esta iniciativa de expansão da rede escolar pública seria sancionada por lei em 1964, com a reforma do ensino primário no ultramar.

    Embora o Estado colonial tivesse como objetivo “domesticar” os africanos através do sistema de ensino, a expansão escolar nos anos 1960, particularmente em Angola, contribuiu para o alargamento dos “novos assimilados” (na expressão de Christine Messiant) que tinham obtido bilhete de identidade após 1954.

    Esta camada social, mais próxima dos “indígenas”, sujeita a condições de vida mais duras e alvo de maior discriminação do que os “antigos assimilados”, graças à alfabetização foi levada a pôr em causa a sociedade colonial.

    Foi também durante o governo-geral Deslandes que se tentou instituir o ensino superior em Angola (os chamados “Estudos Gerais Universitários”), reivindicação antiga de colonos e de correntes favoráveis à autodeterminação das colónias portuguesas.

    No início dos anos 1950 alguns dos futuros líderes dos movimentos de libertação consideravam que o desenvolvimento dos seus respetivos países passava pela educação dos africanos através de um sistema escolar estatal adaptado às realidades locais e extensivo a todos os graus de ensino.

    Refira-se, entretanto, que mesmo depois da criação do ensino universitário em Angola a maioria dos alunos era descendente de colonos portugueses.

    No Plano Intercalar (1965-67) e no III Plano de Fomento (1968-73) para o ´Ultramar`, nota-se uma crescente atenção ao setor industrial. Paralelamente, há um maior investimento na promoção social das populações autóctones.

    No III Plano, apesar da maior fatia das dotações continuar a ser canalizada para o setor dos transportes e comunicações, em Angola e no conjunto do ´Ultramar`, o sector da agricultura, silvicultura e pecuária (onde, desde o Plano Intercalar passou a constar a rubrica Esquemas de regadio e povoamento) foi ultrapassado pelo setor da educação e investigação, que ocupa a 2ª posição em verba despendida.

    Porém, a grandeza da dotação para educação deve, contudo, ser entendida em função do baixo nível do ponto de partida no princípio da década de 1960. O último Plano de Fomento do Estado Novo executado (o IV Plano de Fomento para 1974-79 não teve seguimento após o fim da ditadura) tinha como novos objetivos a “progressiva elevação e dignificação da pessoa humana dentro da comunidade portuguesa”, a “repartição mais equilibrada do rendimento” e a “correção progressiva dos desequilíbrios regionais do desenvolvimento”.

    Importa, no entanto, salientar que os planos de ´fomento ultramarino`, à semelhança das contas públicas das colónias, foram peças de “manipulação e propaganda” do Estado Novo.

    Como Luís Madeira demonstrou ao sublinhar que, depois do início das guerras coloniais, o grosso da despesa em Angola e Moçambique destinava-se direta ou indiretamente a alimentar o esforço de guerra e que, esses fluxos financeiros, eram deliberadamente omitidos nos documentos oficiais.

    Durante os 13 anos de guerra colonial houve realmente uma melhoria das condições de vida das populações africanas, uma extensão da escolaridade e dos cuidados primários de saúde.

    Ainda assim, o bem-estar era apanágio dos colonos brancos e a segurança um privilégio circunscrito aos grandes núcleos urbanos. Neste período, embora a esmagadora maioria dos africanos habitasse os meios rurais, devido ao progresso da industrialização, do assalariamento e da urbanização, deu-se um êxodo assinalável em direcção às periferias das principais cidades (em torno de Luanda, multiplicaram-se os musseques), com a concomitante desorganização das sociedades tradicionais.

    Daí que a promoção sócio-económica ter-se-a estendido também às zonas rurais, embora se concentrasse predominantemente nos meios urbanos e peri-urbanos, “onde se formavam grandes aglomerados populacionais.

    Essa moderna política colonial, formulada em Lisboa e posteriormente transferida para Luanda, tornou-se mais intensa na década de 1960/1970 do século XX em Angola, muito embora com impactos diferenciados a depender da região para região, como mostra Elisete Marques da Silva (2003) ao realçar que, para o sul de Angola, a penetração portuguesa, intensificou-se mais, nos últimos anos do colonialismo português, pela rede escolar, quando a grande maioria da população africana, passou a ter uma escolaridade de pelo menos alguns anos elementares. “Uma rede de escolas estatais marcou uma diferença significativa no cotidiano dessas sociedades agropastoris”, assinalou este autor.

    Por outro lado, as políticas de terras, no sector agrícola, desde meados do século XIX, eram caracterizadas por um dualismo funcional com acesso desigual entre pequenos produtores e grandes fazendeiros. Mesmo depois da independência houve continuidade dessa visão que conduziu uma política de terras virada para o fomento de culturas industriais em detrimento das culturas produzidas pelo pequenos produtores.

    Apesar de todo o constrangimento observado, a produção dos pequenos produtores familiares era no entanto, superior à participação do sector comercial (grandes fazendeiros) (vide in L. Futini 1985).

    Após a proclamação da Independência nacional, o País foi assolado por guerras destruidoras, dando origem a um êxodo maciço de populações do campo para as cidades; a devastação das Comunidades Rurais; a desarticulação da economia nacional, até então baseada nas chamadas mono-culturas de produção nas grandes plantações agrícolas, viradas fundamentalmente para a exportação, assim como na pequena e grande produção pastoril e “economia de subsistência”agrária.

    O país  sofreu assim, ao longo de várias décadas, o seu maior desastre económico e social, causando a danificação e paralisação dos serviços administrativos com a destruição das infra-estruturas, edifícios públicos, meios de comunicação; estagnação da agricultura, e indústrias; milhares de mortos, mutilados e traumatizados da guerra, dando origem a degradação generalizada das condições de vida das populações em todo o território nacional.

    Depois de instaurada a Paz, a partir de do início deste milénio, entrou-se numa fase em que o pesadelo da guerra vai deu lugar ao sonho, mas o desespero e a pobreza-extrema persistem no meio rural e nas grandes aglomerações urbanas, não dando ainda lugar, à esperança por uma vida melhor.

    Hoje, o petróleo totaliza sensivelmente mais de 95% das exportações do país, 42% do PIB e 75% das receitas de Estado. Angola importa quase toda a comida de que necessita. A produção de café quase desapareceu e a indústria é inexistente.

    O que temos é muita pobreza: um “problema terrível para nós”. E em várias dimensões, disse Alves da Rocha, quer na pobreza monetária quer na pobreza multidimensional (índice que inclui o acesso à saúde, nutrição, habitação, educação, mortalidade infantil, saneamento básico, etc.), referiu este economista angolano. Mais de 35% dos angolanos vive na pobreza extrema ou seja com menos de 1 euro por dia e 34% na pobreza moderada.

    Ao contrário do que se possa imaginar, a elite angolana no poder, julgando que poderia transformar Angola em potência regional e mundial, pensou que poderia tudo comprar e tudo resolver com a venda do petróleo, “esquecendo-se, como sublinhou o engenheiro agrónomo angolano, Fernando Pacheco, da importância da agricultura para a garantia de alimentos e para a geração de empregos e rendimentos…

    A problemática da agricultura foi deixada exclusivamente à responsabilidade de um ministério, e não de todo o Executivo e de todo o País”. Em sua opinião, “reabilitaram-se estradas que não deveriam ser prioritárias e deixamos as mais importantes para o desenvolvimento da agricultura, como a do Huambo-Lubango”.

    A ilusão da mudança, a promessa de tempos melhores há muita que se esvaíram e o que ficou “é um problema social”, como referiu o economista, Alves da Rocha “porque se reflecte no poder de compra dos angolanos e no crescimento do PIB.

    Sem exportações que lhe valham, tendo em conta que além do petróleo (cujo preço caiu vertiginosamente) e dos diamantes (que pesam pouco nas exportações e cujo mercado mundial também está em queda) pouco mais tem para exportar, a economia angolana precisava do consumo interno para crescer. E não tem”.

    Como inverter o actual quadro de estagnação do sector agrícola? Com que contingentes de terras aráveis contamos? Quais as ameaças face ao cenário de procura de terras aráveis? Este, é outro dos grandes problemas com que nos confrontamos actualmente.

    “O relançamento da agricultura em Angola passa inquestionavelmente pelos pequenos produtores agrícolas, no entanto, seu modo de vida (produção) é ainda dificultado pelo acesso e posse de terra.

    Dito doutra forma, o acesso tem permitido garantir o mínimo necessário para sobreviver, ao passo que a posse permitirá que se garanta o controlo”, realça Fernando Pacheco.A

    pesar de todos estes constrangimentos, o mundo rural em Angola vai mudando sensivelmente, permitindo que milhares de famílias possam já viver do seu trabalho nos campos, mas para que o trabalho na agricultura se possa tornar efectivamente em garantia do auto sustento de milhões de angolanos e fonte de rendimentos que lhes permita subir além do limiar da pobreza, para ser bem sucedida, esta actividade, tem que contar inevitavelmente com apoios institucionais especiais, desde o acesso ao crédito à distribuição de ferramentas e sementes de alto rendimento.

    Por outro lado, a atribuição de título de reconhecimento das delimitações das terras das comunidades rurais, cooperativas e associações de camponeses, impõem-se como um imperativo incontornável na acção governativa, com o propósito de garantir a sustentabilidade do modo de vida rural e proporcionar um ambiente que estimule de facto, o investimento, de modo a permitir a transformação efectiva do meio social rural.

    Paralelamente, existem investimentos importantes a fazer na reposição da rede de estradas que serve o mundo rural. É preciso escoar os produtos do campo para os centros populacionais onde existem mais consumidores.

    A rede de escolas e unidades de saúde terá que continuar a ser estendida e reforçada nas aldeias para melhorar a qualidade de vida das comunidades.

    Mal servidas de transportes, de ordenamento e de habitação de qualidade, as zonas rurais acumulam pobreza e exclusão. Neste sentido, o esforço na agricultura tem que ser incrementado para que se torne em vector de progresso e se traduza na melhoria significativa da qualidade de vida das famílias no meio rural.

    Os benefícios, embora tímidos, estão à vista e medem-se pelos índices de desenvolvimento humano que deixaram para trás um cenário pejado de miséria e de fome. É importante assim, apostar-se decididamente nestas políticas para que Angola atinja a auto-sustentabilidade alimentar, mas também por outra razão não menos importante: libertar as grandes cidades de um anel humano cada vez mais apertado, onde as pessoas, apesar de viverem em habitações precárias, sempre encontram mais oportunidades do que no mundo rural.

    A criação de uma rede de comércio rural, torna-se de igual modo, como um factor de importância crucial, enquanto medida que vai ter seguramente um grande impacto e, repercutir-se-a indiscutivelmente, na melhoria das condições de vida das populações das comunidades rurais.

    E, consequentemente, quando as pessoas que vivem nas grandes cidades, souberem que já têm nas suas terras de origem saúde, educação, água potável, luz, estradas e lojas ou cantinas, vão certamente trocar os gigantescos aglomerados suburbanos pelas aldeia e vilas do interior.

    O comércio rural vai catapultar a agricultura e a pesca continental, proporcionando às famílias rendimentos que até agora não têm, porque os produtos do campo não eram escoados e o produto das pescas era exclusivamente para o auto consumo.

    A rede de comércio rural é suportada por duas medidas complementares que vão mudar a vida das comunidades. A primeira é o crédito a juros bonificados, que vai permitir desenvolver a produção agrícola e as trocas comerciais. A segunda é a construção de armazéns de frio que vão apoiar as associações e cooperativas de produtores.

    Os camponeses associados precisam pois de ter à sua disposição meios de transporte e máquinas para trabalhar as terras. Estas medidas têm que ser urgentemente redinamizadas, porque actualmente, já há comunidades que têm lojas e alguns meios de transporte, mas ainda falta-lhes o essencial: o acesso ao combustível subsidiado ou a energia eléctrica, o acesso a créditos e, até mesmo, a uma rede de armazéns de produtos secos e perecíveis, indispensáveis para a conservação dos seus excedentes.

    O Executivo tem por isso, que apostar na rede de comércio rural porque de facto ela marca a diferença entre a pobreza e a abundância. É o instrumento que falta para transformar regiões do interior, desertificadas e deprimidas, em terras de progresso e esperança. Meio caminho está percorrido. Só falta mesmo percorrer a outra metade. E ninguém vai ficar para trás, mesmo os que tudo fazem para viver no imobilismo.

    Referências bibliográficas: 

    ABRANTES, Carla Susana Alem. 2012. “Problemas” e “soluções” para a gestão de Angola: um estudo a partir do ensino superior de administração colonial, 1950-1960. Tese de doutorado, Rio de Janeiro, Museu Nacional/Universidade Federal do Rio de Janeiro.

    Banco Mundial, 2006, pg.9

    CASTANHEIRA, Amé 1950. “Trabalho indígena”. Algumas considerações acerca do problema da mão de obra indígena nas colónias de Timor e de Angola. Dissertação, Escola Superior Colonial.

    CASTELO, Cláudia,“Novos Brasis” em África: desenvolvimento e colonialismo português tardio, http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-87752014000200009

    DUFFY, James. 1959. Portuguese Africa. Cambridge, Massachussetts: Harvard University Press; London: Oxford University Press.

    Elisete Marques da Silva (2003).

    MONTEIRO, José Alberto Pereira. 1959. O problema do trabalho dos indígenas (alguns aspectos). Dissertação, Instituto Superior de Estudos Ultramarinos (ISEU). 

    Ovilongwa, Primeiro inquérito do Afrobarómetro em Angola, 2020

    Pacheco, Fernando, Novo Jornal

    Rocha, Manuel Alves, Director do Centro de Estudos e Investigação Científica (CEIC) da Universidade Católica de Angola

     SOARES, Amadeu Castilho. 1961. Política de Bem-Estar Rural em Angola. Lisboa: Junta de Investigações do Ultramar, Centro de Estudos Políticos e Sociais (Estudos em Ciência Política e Social, n. 49). 

    SILVA, Elisete Marques. 2003. Impactos da Ocupação Colonial nas Sociedades Rurais do Sul de Angola. Lisboa: ISCTE. 

    Notas:

    Quadro 1

    Indicadores Sociais em Angola

    O gráfico mostrado pela Ovilongwa, a consultora responsável pelo primeiro inquérito feito em Angola para o Afrobarómetro, não poderia ser mais eloquente:

    35% dos angolanos vive na pobreza extrema e 34% na pobreza moderada, representando uma multidão de 22 milhões de pobres com poucas expectativas de que a sua vida melhore.

    • A recessão em Angola deverá atingir 7% este ano e prolongar-se para 2021, onde o PIB deverá diminuir entre 2,5% e 3%.
    • Entre 2017 e 2019 todos os produtos da cesta básica aumentaram entre 300 e 400%, ao mesmo tempo que o salário mínimo crescia apenas 10%, 15%.
    • Na pobreza monetária, estamos a falar, segundo os últimos dados do INE [Instituto Nacional de Estatística angolano], de 41%; e de pobreza multidimensional, de acordo com os dados das Nações Unidas, estamos a falar em valores à volta dos 52%, 53%”.
    • Taxa de desemprego muito alta (32% no primeiro trimestre deste ano, segundo o INE), temos a conjugação de dois factores que pesam de uma maneira tremendamente negativa sobre uma das variáveis de crescimento das economias que é o consumo interno. Já se sabe, “quando o desemprego é de 32%, as consequências são evidentes: o consumo privado está em risco”.
    • A percentagem de jovens desempregados entre 15 e 24 anos chega a 57%, sendo que 50% dos jovens não estuda e não trabalha.
    • Segundo o FMI, a dívida pública de Angola deverá chegar a 111% do PIB este ano. É um problema económico porque Angola tem uma dívida pública externa muito pesada. O que implica todo um processo de reestruturação da dívida que o Governo está a tentar fazer; primeiro com a China, que é o principal credor (representa aproximadamente 50% do total da dívida).”
    • Taxa de inflação elevada, que “andará à volta de 18%”, tal como consta do Orçamento Geral do Estado que está em revisão, mas, provavelmente, este valor será ultrapassado”. A moeda de Angola está sujeita a dois processos de desvalorização, a desvalorização externa – os empresários com a moeda angolana que têm cada vez compram menos quantidade de produtos de fora que necessitam para as suas empresas – e a interna – os empresários têm problemas em escoar a sua produção porque não há capacidade de compra”.
    • Apenas três em cada dez angolanos têm água canalizada no interior das suas residências ou no quintal”. Se em Luanda, a percentagem de pessoas com acesso a água canalizada nas suas residências não chega a metade (44%), no centro Norte do país o valor desce para 16%, sendo de 17% no Norte e de 21% no Leste de Angola. Só 29% dos angolanos desfrutaram de fornecimento de água canalizada de forma regular em 2018, sendo que mais de um terço (34%) ficaram sem água potável para uso doméstico “muitas vezes” ou “sempre”.
    • Conforme dados do Banco Mundial de 2006:
      • A taxa bruta de nascimentos de 52 por mil é a segunda mais alta do Mundo e a taxa bruta de mortalidade de 25,9 por cada mil é fortemente influenciada pela desnutrição, condições sanitárias precárias e instalações de saúde inadequad
      • Na educação, a taxa de matrícula no ensino primário é de 52,1%, valor muito baixo e caracterizado por uma entrada tardia no sistema escolar.  Além disso, taxas de repetição e de abandono são muito altas, cerca de 33% da população é
      • Acesso à saúde, serviços públicos e a educação são directamente influenciados pelo nível de renda familiar. “ O acesso ao ensino primário, por exemplo, era de apenas 35% (Banco Mundial, 2006, pg.9). Porém, não somente a classe mais pobre sofre com os problemas sociais, até mesmo a classe média possuem condições de vida muito longe de serem ideais.

     

     

     

     

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