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    Independência da Guiné-Bissau: O olhar do comandante Pedro Pires

    Na altura da independência, Pedro Pires era Comandante da Região Balana /Quitáfine, no sudeste do país, tendo participado em Maio de 1973 na tomada do quartel de Guiledge, uma batalha considerada decisiva para o fim do colonialismo na Guiné-Bissau.

    Mais tarde, depois da independência, Pedro Pires será quem vai chefiar a delegação que negociou com o Governo português o reconhecimento da independência da Guiné e quem vai assinar em 1974 o Acordo de Argel, formalizando esse reconhecimento.

    Volvidos 50 anos, na hora dos balanços, Pedro Pires recorda o que o conduziu a envolver-se nessa luta que resultou na independência da Guiné-Bissau e mais tarde, em 1975, na de Cabo Verde.

    Ao contar ter entrado nesse combate “por uma questão de ideal mas também de justiça, pelo ideal da liberdade, o ideal da igualdade e o ideal do progresso, o ideal de nós sermos donos do nosso destino e podermos liderar e gerir esse destino”, o antigo comandante militar confessa, por vezes, sentir saudades daquele tempo. Um tempo “que era de sacrifício, de risco, de guerra, podíamos morrer pelo caminho mas o ambiente vivido, o entusiasmo, a vontade de ganhar, tudo isso criava um convívio. Não podemos repeti-lo. Foi algo, humanamente, muito enriquecedor”, revela.

    Evocando o assassinato a 20 de Janeiro de Amílcar Cabral, o seu antigo companheiro de luta refere que “está claro que este facto marcou-nos por toda a vida porque perguntamo-nos ‘Porque é que aconteceu? Porque é que foi assim?’. Poderia ter sido de outra maneira, ou aceitar o destino, o destino comandado de fora”.

    Questionado sobre as dissensões que poderiam existir dentro do PAIGC e que teriam contribuído, segundo alguns estudiosos, para o assassinato do líder independentista, Pedro Pires vinca que o inimigo comum era o regime colonial. “Nesta coisa, estamos sempre a fugir às nossas responsabilidades. Nós estávamos em guerra contra o regime colonial português. O nosso inimigo era o regime colonial português. Quem queria destruir-nos era o regime colonial português. Portanto, temos de ter em conta que é o principal responsável de tudo isso (…). A questão das diferenças, a questão dos conflitos pessoais, há por todo o lado. Qual é o conflito maior que está na base disso? Está claro: é o projecto da destruição do PAIGC”.

    Neste sentido, ao enaltecer as vitórias do partido em diversas frentes, Pedro Pires cita designadamente a audiência concedida em 1970 pelo então sumo pontífice, o papa Paulo VI, aos responsáveis do PAIGC, que foi uma bofetada ao regime de Salazar, e cita igualmente a batalha de Guiledge, da qual foi um dos arquitectos. O antigo comandante militar sublinha em particular a importância desempenhada pelos mísseis terra-ar Strela fornecidos pelos russos na fase final do conflito. “Estávamos a caminho da vitória porque estávamos em vias de conseguir a arma letal que neutralizou a superioridade estratégica e tecnológica do exército colonial, obrigando-o, em vez de utilizar os aviões, a andar a pé. Essa arma permitiu uma mudança de estratégia (…). De 20 de Janeiro a 22 de Maio, são quatro meses. Faz a diferença. Em quatro meses, com os recursos que já tínhamos e que Amílcar Cabral tinha conseguido, alcançamos a grande vitória que foi o fim do colonialismo na Guiné”, destaca.

    Sobre o dia em que foi proclamada a independência da Guiné-Bissau, no dia 24 de Setembro de 1973 em Lugajol, nas matas de Madina do Boé, no leste do país, Pedro Pires diz que para ele era “claro que não era o fim da luta, mas era uma grande vitória da luta de libertação nacional que se devia consolidar” e que “era a materialização de um compromisso com Amílcar Cabral”.

    Quando sete anos depois se deu o golpe de Estado de 14 de Novembro de 1980 que marcou a cisão entre o PAIGC e o que viria a ser, a partir daí, o PAICV em Cabo Verde, Pedro Pires considera que isto foi a tradução de uma transição política mal conduzida na Guiné-Bissau.

    “Em certa medida, foi uma surpresa mas, de outro lado, não teria sido uma surpresa completa. Depois de uma luta bem concebida, depois de uma luta vitoriosa, se coloca -eu acho- a questão da transição. Passar de movimento de libertação a partido dirigente, passar de combatente armado a líder político, há mudanças que terão que ter lugar. Uns gerem bem e outros gerem mal essa transição. Significa que na Guiné, a transição não foi bem gerida, que deu num golpe de Estado (…). Os golpes de Estado não resolvem os problemas políticos” declara o antigo Presidente de Cabo Verde que, ao ser questionado sobre a conjuntura actual da Guiné-Bissau se mostra confiante.

    “No futuro próximo, estou muito esperançado com a nova maioria. Estou muito esperançado com o novo governo e com o novo parlamento. Espero que tirem conclusões, que tirem lições do passado e utilizem a situação actual, uma maioria clara, para a consolidação do regime político, para a consolidação das instituições e sobretudo para a consolidação das instituições do Estado de direito”, conclui Pedro Pires.

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    FonteRFI

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