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    “Golpe de Estádio” à vista nas federações desportivas?

    Aparentemente sem saber se há soluções tecnológicas que permitam a renovação de mandatos com participação remota, representantes de 17 federações desportivas nacionais e do Comité Olímpico Angolano (Clube dos 18) optaram pelo caminho mais curto, a suspensão do processo eleitoral, alegadamente em nome do “bem vida”.

    Isto, depois de há pouco mais de um mês haverem dado “luz verde” para a remarcação de novas datas, decisão que aconteceu quando já as autoridades sanitárias haviam anunciado publicamente que o quadro epidemiológico da Covid’19 em Angola iria agravar-se!

    Um “Golpe de Estado” de proporções gigantescas pode estar em vias de ser concretizado no desporto angolano. Por delegação de todas as federações desportivas nacionais, a direcção do Comité Olímpico Angolano (COA) vai propor nos próximos dias ao Ministério da Juventude e Desportos, a suspensão do processo de renovação de mandados em todas as federações desportivas, devido a pandemia da Covid’19.

    A medida foi anunciada na tarde desta quinta-feira, 23, aos microfones da Rádio 5 pelo presidente do COA, Gustavo da Conceição. De acordo com o dirigente máximo da organização, a proposta resulta de uma reunião realizada entre a direcção do COA e presidentes (ou seus representantes) de 17 federações nacionais, horas antes do referido anúncio. Dessas federações, algumas jamais realizaram qualquer competição… Mas estes são outros quinhentos.

    Muitos “inquilinos” de compartimentos aqui situados querem continuar nas “poltronas” que ocupam…

    O argumento usado para a decisão tomada de forma unânime pelos representantes das federações é genericamente a “preservação do bem vida”, em razão da Covid’19. A reunião não produziu nenhum comunicado público a explicar como o “bem vida” estaria em causa na eventualidade de o processo seguir o seu percurso normal.

    Cidadela Desportiva, a catedral do Basquetebol angolano (Foto: D.R.)

    No site do COA, onde as “últimas novidades” datam de 18 de Junho passado, também não há qualquer informação relativa ao encontro, pelo que qualquer análise deve ser feita com base nos pronunciamentos do porta voz do encontro, Mário Rosa, e do presidente do COA, Gustavo Conceição.

    O primeiro fez saber que “a reunião decidiu suspender o processo eleitoral [nas federações desportivas] até que a situação da pandemia esteja estabilizada”, esclarecendo que “não há anulação”.

    Segundo Mário Rosa, “a reunião incumbiu o presidente do COA e a Comissão Executiva no debate com as autoridades, particularmente o MINJUD, a fim de recomendar que se suspenda o processo eleitoral até que o país esteja pandemicamente estável. É esta a principal recomendação”.

    A ministra Paula Sacramento Neto tem nas mãos uma verdadeira batata quente para descascar. Ou pactua com o que parece ser um “Golpe de Estádio” ou faz cumprir o que os agora “arrependidos” decidiram o mês passado… (Foto: D.R.)

    Acrescentou que em face disso, pode ser que “os mandatos [da próxima olimpíada] sejam de três anos, em vez de quatro como ocorre habitualmente”. Argumentou, por outro lado, que “a data de Setembro já se mostra extemporânea”, devido a obrigatoriedade legal de o processo ser feito em três meses, com o que não se cumprirá com a data estabelecida pela Direcção Nacional do Desporto do MINJUD.

    E o porta-voz disse estar o COA disponível a elevar o nível da abordagem para convencer as autoridades a aceitarem a suspensão desse processo, se não for bem-sucedido no trato com o MINJUD.

    Por seu turno, Gustavo da Conceição disse que a direcção do COA saiu “contente” do encontro por ter ouvido todas as federações, todas as organizações reconhecidas. “Temos um conjunto de preocupações transversais e, portanto, aquilo que vamos fazer agora é compilar o conjunto de propostas que aqui foram elaboradas para termos uma base de discussão, de reflexão e de tomada de decisão para se rever não só o conteúdo da circular do DND, mas também termos uma oportunidade para reanalisar os processos de formas a respondermos melhor, por um lado, aquilo que é o desenvolvimento do nosso desporto e, por outro lado, a garantia do bem vida”, disse o “número 1” da organização que se classifica como líder do associativismo desportivo.

    O antigo “capitão” da Selecção Nacional de basquetebol adiantou que “é preciso encaramos a necessidade de fazermos as eleições com responsabilidade; é preciso expressarmos a cada momento a nossa vontade de cumprir a Lei, a nossa vontade de cumprir os mandatos, tal como estão concebidos por lei; mas é preciso também a garantia do bem vida e equilibrar uma preocupação com as outras preocupações”.

    Acrescentou que “num contexto em que há uma grande indefinição sobre a vida das pessoas, sobre os empregos, sobre as actividades das pessoas… sobre a actividade desportiva há uma grande incógnita e, portanto, o que se aconselha é que havendo essa incógnita sanitária era bom que, ao nível do movimento eleitoral nas federações, se tomassem um conjunto de medidas equilibradas para responder a essa necessidade de democracia, essa necessidade de fazermos essas eleições justas, umas eleições irrepreensíveis… e, portanto, com cerca sanitária, com limites que temos de transitabilidade isso não é possível garantir”.

    Gustavo da Conceição sublinhou que “é esse o entendimento das federações nacionais e, portanto, é nesta base que nós vamos agora conversar com as autoridades para que encontremos uma saída para o processo eleitoral das federações nacionais”. Na sequência dessas declarações, seguiram-se louvaminhas e améns a respeito da decisão.

    Representantes das federações de ténis, ciclismo, boxe e jiu-jitsu, assim como o da Associação de Atletas Olímpicos participaram no coro. Todos falaram em “unanimidade” e evocaram o “bem vida” de forma tal que até dava a impressão que basta suspender as eleições nas federações nacionais para que a Covid’19 seja erradicada do país!

    Em 15 minutos de declarações de uns e outros, ninguém especificou como o “bem vida” estaria em risco se fossem realizadas eleições. Da quase dezena de interlocutores, nenhum explicou como, por exemplo, o fizeram, com argumentos científicos, os médicos João Mulima e Mário Fernandes, quando defenderam publicamente a inoportunidade do regresso à competição desportiva. Representantes de federações garantiram que não deram o seu aval à medida para se agarrarem aos “tachos”…

    A julgar pela unanimidade cantada pelos participantes no encontro, está claro que a mais importante e a maior das federações nacionais, a de futebol, também concordou com a extensão.

    O que não deixa de ser intrigante, uma vez que, por exemplo, a FAF tem agendada para 14 de Agosto a Assembleia-Geral de prestação de contas e de marcação do pleito eleitoral, evento que deverá acontecer por videoconferência. Como já foi em ocasiões recentes para tomada de decisões importantes.

    Optando pela mesma solução, a Federação de Basquetebol tem aprazada semelhante realização para 8 de Agosto, conforme noticiou o Jornal de Angola desta sexta-feira, 24! Até prova em contrário, isto quer dizer que ninguém precisará se deslocar a Luanda para participar nas reuniões-magna dessas federações.

    Ora, à luz dessa realidade e salvo melhor opinião, é mister inferir por dados conclusivos que, mesmo com a Covid’19, é possível promover a renovação de mandatos. De resto, o COA e as federações não conseguiram provar materialmente que não há uma solução tecnológica que permita a realização de assembleias eleitorais com participação remota.

    Nestes tempos em que as Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) jogam papel importante no funcionamento das instituições, deve haver formas de se fazer eleições sem que a população votante precise sair de casa.

    Objectivamente, ninguém assegurou que entre os milhares de empresas do ramo das TIC’s registadas em Angola, nenhuma consiga encontrar solução tecnológica para viabilizar os pleitos eleitorais nas federações. Tomemos como exemplo a Assembleia Nacional.

    Durante o Estado de Emergência realizou sessões parlamentares com votação online. E não foi seguramente por isso que os casos de Covid’19 aumentaram no país!

    Também não deixa de ser estranho o facto de os membros do “Clube dos 18” serem exactamente os mesmíssimos que em 4 de Junho passado participaram numa reunião com a Direcção Nacional do Desporto e no final concordaram em estabelecer novas datas para a renovação de mandatos das associações desportivas, em adenda a circular 35/DND/2019.

    Na ocasião, os mesmos que agora dão o dito por não dito acertaram que as eleições nas federações nacionais devessem ser realizadas até final de Setembro do corrente ano.

    A tese do “bem vida” evocada de forma reiterada pelos defensores da suspensão do processo eleitoral na federação pode não colher. Se não, atentemos: quem não anda neste país apenas a ver navios, seguramente que no dia 30 de Março passado ouviu o secretário de Estado da Saúde, Franco Mufinda, dizer que de acordo com projecções da OMS os números da pandemia em Angola seriam bem mais altos por esta altura do no ano.

    Naquela comunicação o governante disse para quem quis ouvir que em 29 de Junho as pessoas infetadas pelo novo coronavírus em Angola podiam “tendencialmente” chegar às 10 mil, sendo que em 18 de Maio a estimativa era que o país chegasse a mil casos positivos.

    É verdade que para já Angola está longe desses números. Aliás, por ocasião dessa projecção Franco Mufinda fez questão de sublinhar que que isso podia não acontecer e que a projecção baseava-se em teorias matemáticas universalmente consagradas de como, em função de situações extremas, as cifras podem crescer exponencialmente.

    Portanto, quando o “Clube dos 18” fez a reunião de 4 de Junho último com a DND já estava na posse desse elemento importantíssimo, que deveria nortear todas as nossas acções. Logo, é no mínimo questionável a “descoberta”, agora, de que o mês de Setembro já não cumpre com os preceitos legais para um processo transparente.

    Mais: o que julgam ser agora uma situação de excepção já é tratada noutros países, com muitos mais casos e um percentual de mortes maior, como o “novo normal”. Os procedimentos adoptados agora devido ao novo coronavírus vieram para ficar, mesmo quando a pandemia for ultrapassada. Em face disso, é imperioso que saibamos viver na nova realidade. E isso significa também realizar eleições. Afinal o Mundo não parou.

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