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    Exibido em Portugal filme sobre exposição colonial do Porto em 1934

    Estreou na 5a feira passada em Portugal “Rosinha e outros bichos-do-mato”, um filme que versa sobre a exposição colonial de 1934 na cidade do Porto durante a qual se apresentou um “zoo humano” com populações vindas das antigas colonias. Este documentário que foi apresentado em 2023 no quadro de festivais e projecções, é o mais recente trabalho de Marta Pessoa, realizadora que já no passado se debruçou sobre o período da ditadura em Portugal.

    Ao explicar que “Rosinha” era uma jovem guineense que foi uma das figuras mais emblemáticas da exposição colonial do Porto, a cineasta diz que ela foi o fio condutor deste filme que visa apresentar uma reflexão sobre a narrativa que o regime salazarista procurava impor relativamente àquilo que era então o império colonial português.

    “A exposição colonial foi a primeira exposição com estes moldes. Foi feita no Porto nos jardins do Palácio de Cristal. No ano anterior foi o ano do ‘acto colonial’ em que foram definidas as directivas de como é que as colónias, o império devia ser olhado e observado. Foi o regime que produziu o discurso do ‘possuir, colonizar, civilizar’. A Rosinha foi uma mulher que foi trazida da Guiné-Bissau para ser ‘posta’ na exposição. Foram trazidas mais de 3 centenas de pessoas para fazer parte do chamado ‘zoo humano’. Foram reconstruídas aldeias no recinto do palácio, foram reproduções de aldeias típicas, e as pessoas foram expostas para os visitantes”, começa por explicar a cineasta.

    Esta exposição cuja existência está praticamente apagada da memória colectiva em Portugal aconteceu num contexto em que o regime de Salazar procurava mostrar à sua população o rosto de um país forte que se estendia para além das suas fronteiras e competia com as restantes potências coloniais europeias.

    “Era essencial que acontecesse alguma coisa para o regime funcionar, para a ditadura funcionar (…) porque a essência das ditaduras é dizer às pessoas como é que elas se devem comportar, como é que elas devem subjugar, como é que elas devem obedecer. Também era importante dizer como é que deviam olhar para o outro e o outro, neste caso, eram os negros das colónias”, refere Marta Pessoa ao sublinhar que “aquela exposição foi feita numa altura em que já todo o mundo, mais ou menos, tinha estabelecido que não se faziam mais zoos humanos”.

    No âmbito deste filme, Marta Pessoa fez dialogar imagens da exposição colonial, fotografias e relatos da época, com os dias de hoje, através do olhar e da representação de jovens bailarinos e de uma jovem actriz, todos eles de origem africana.”A ideia foi mostrar-lhes e dizer-lhes ‘olha, fizeram isso’, pensar um pouco o que é que era um ‘zoo humano’, como é que se podia pensar e sentir o ‘zoo humano’ 90 anos depois da exposição. É claro que eles não faziam ideia, nem eles, nem a actriz”, conta a cineasta ao referir que também abordou com eles a sua experiência pessoal de um racismo ainda muito enraizado na sociedade portuguesa.

    “Muitas vezes há aquela noção de que há portugueses que não são tratados como portugueses. Há aquela constante de ‘mas de onde é que tu vens?’. Vê-se ainda muitas vezes nas reportagens, nas televisões. ‘De onde é que tu vens?’. ‘Sou português’. ‘Mas de onde?’. ‘Portugal’. E há muito ainda a conversa da geração. São portugueses, mas de que geração? Não são de geração nenhuma. É preciso acabar com esta conversa de ‘geração'”, diz Marta Pessoa que também se mostra particularmente chocada perante o desconhecimento revelado em Portugal perante figuras históricas como Amílcar Cabral, pai da independência da Guiné-Bissau e de Cabo Verde. “Uma coisa que não se aprende na escola (…). Não conhecer Amílcar Cabral é ignorância. Não tem outro nome. O conhecimento não faz mal a ninguém!”, indigna-se.

    Ao ser questionada sobre o eco que esta reflexão tem numa altura em que Portugal assiste ao aumento da visibilidade das ideias racistas e xenófobas, a realizadora considera que este fenómeno estava latente.

    “Portugal agora também está nesta onda da xenofobia que espanta, sendo um país que supostamente teve uma imigração pobre que fugiu de uma ditadura nos anos 50-60-70. Ver este movimento xenófobo é de uma incompreensão total. Realmente, sempre houve -acho eu- uma percepção de que quando foi o 25 de Abril e quando foi depois o 1° de Maio e que já parecia na manifestação do 1° de Maio, que estava cheia de gente, que todos os problemas já se tinham resolvido do dia para noite, eu acho que toda a gente sabia mais ou menos que essas ideias, essas pessoas não tinha desaparecido de um dia para o outro e que, mais tarde ou mais cedo, iriam voltar a surgir e em força”, considera Marta Pessoa para quem “é preciso ser anti-racista de uma forma activa porque Portugal está a viver um momento de viragem muito complicado”.

    Filmografia de Marta Pessoa:

    1999 – Nicolau, Estória dum Pinguim

    2004 – Dia de Feira

    2005 – Alguém Olhará Por Ti

    2007 – Manual do Sentimento Doméstico

    2009 – Lisboa Domiciliária

    2011 – Quem Vai à Guerra

    2015 – Bolor Negro

    2016 – O Medo à Espreita

    2019 – Donzela Guerreira

    2022 – Um Nome Para o Que Sou, documentário baseado no livro ‘As Mulheres do Meu País’

    Por Liliana Henriques

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    FonteRFI

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