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    Alves da Rocha: “É perigoso insistir na visão de que a austeridade é a solução”

    Tem sido dos maiores críticos do programa do FMI. Em entrevista via email, o coordenador do Centro de Estudos e Investigação Científica (CEIC) defende que a fixação na austeridade para reduzir a dívida põe em causa o crescimento a longo prazo. O país está intervencionado pelo FMI e o Alves da Rocha tem sido um dos seus maiores críticos.

    Porque é que o programa de financiamento ampliado, no seu entender, não “bate” com as necessidades de Angola?

    A austeridade parte do princípio absoluto de que a dívida pública é má para o crescimento económico e que a única forma de a reduzir é cortar na despesa do Estado, mantendo um excedente orçamental, independentemente do seu custo social – as declarações de altos responsáveis do Governo têm sido no sentido da religiosidade do saldo orçamental nulo e da consolidação orçamental com aumento de impostos.

    Com dívida reduzida e finanças sãs, o sector privado ficará liberto para fazer arrancar de novo a prosperidade. Portanto, é a austeridade que o FMI traz que o preocupa… Este é, do meu ponto de vista, um dos axiomas mais importantes da filosofia do Fundo Monetário Internacional, não importando em que condições os países estejam.

    A fixação na austeridade para reduzir a dívida pública passa ao lado de um ponto básico: o que importa é o crescimento a longo prazo, as suas fontes (ou seja, de onde o mesmo deriva e de que modo pode ser sustentável), o que está a ser investido nele e a sua distribuição (quem fica com as recompensas).

    Se por meio da austeridade forem feitos cortes em áreas essenciais para o crescimento da economia – educação, investigação, inovação, saúde (uma saúde saudável, não a que temos e agora com a pandemia viral revelada nos seus piores contornos, pois, afinal, não se tem um sistema de saúde), infraestruturas, o crescimento não acontecerá.

    Verificamos que o Governo está a aumentar o investimento, nomeadamente em obras públicas. No nosso contexto, é, ou não, uma solução para a saída da crise?

    No caso das obras públicas o importante não é o seu montante, mas a sua qualidade (impactos sociais e económicos) aspecto muito pouco considerado no Programa de Investimentos Públicos (PIP), onde cabem muitos projectos, sem avaliação económica e sem consideração de prioridades.

    Há um outro ponto importante nesta matéria da austeridade, que o Governo aceitou ao assinar o protocolo de assistência financeira do FMI e agora tem de cumprir: estando a economia em recessão continuada desde 2015, o modo de a tirar deste estado de letargia é definhar mais e mais a procura agregada? Qual o nível de desemprego e subutilização das capacidades produtivas da economia nacional? Os empresários sabem, mas parece que o Governo não.

    Desde que o FMI entrou em Angola, a situação macroeconómica agravou-se, mais uma vez devido ao petróleo, e a situação dificilmente se inverterá nos próximos tempos. Vamos estar, portanto, a viver em austeridade mais tempo?

    Penso ser perigoso (porque em última instância as economias são feitas por pessoas e para as pessoas) insistir na visão convencional de que a austeridade é a solução e que o crescimento insuficiente indicia uma austeridade insuficiente (círculo vicioso da austeridade denunciado por prestigiados economistas, como Stiglitz). Como está a economia angolana: em pleno emprego ou em subemprego? Com uma quantidade suficiente de moeda em circulação? A liquidez das empresas é bastante para cobrir necessidades de compra de insumos e de pagamentos de salários?

    Tem respostas para estas perguntas que coloca?

    A primeira situação nunca ocorreu, nem ocorrerá, porque é uma figura teórica para simbolizar que nas proximidades da curva de fronteira de possibilidades de produção as despesas públicas devem ter, principalmente, a função de aumentar o produto potencial da economia (passagem a uma outra curva) através da inovação, ciência, tecnologia e capital humano.

    E se o aperto da despesa pública se prolongar por demasiado tempo, então a redução da procura tornar-se-á estrutural e sistémica, assim como o investimento. Este é um ponto fundamental para o “novo-normal” pós-Covid-19. O Estado tem de garantir um nível aceitável de procura agregada para servir de atractivo ao investimento privado

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