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    Contas das EP tão (muito) male

    Angola Telecom: Operadora da rede fixa é a campeã com 39 reservas às contas de 2009

    Algo vai, muito mal mesmo, no reino das empresas públicas angolanas. A começar pela prestação de contas. Das seis empresas públicas que divulgaram publicamente relatórios e contas referentes ao exercício de 2009, quatro levaram cartão vermelho dos auditores externos independentes — Angola Telecom, Empresa do Caminho de Ferro de Luanda, EP, Empresa Pública das Água , EPAL, EP,  Porto de Luanda, EP — e duas foram amareladas — Sonangol e Banco Nacional de Angola.

     

    As empresas públicas estão legalmente obrigadas a elaborar relatórios de contas até 31 de Março

    No caso da Angola Telecom (veja Exame de Abril de 2011), Porto de Luanda e EPAL, a confusão na contabilidade é tal que as firmas especializadas que auditaram as contas respectivas recusaram dar opinião, apesar de terem sido contratadas e (supõe-se) pagas para o efeito. Já os auditores das contas da Empresa de Caminho de Ferro de Luanda chegaram a dar opinião… mas negativa. Sorte diferente tiveram a Sonangol e o BNA que passaram apesar das reservas levantadas pelas firmas auditoras (veja Exame de Julho de 2010 e Fevereiro de 2011).

     

    A função dos auditores externos é expressar uma opinião profissional e independente sobre se as demonstrações financeiras apresentadas pelo conselho de administração são elaboradas de acordo com as normas contabilísticas vigentes e reflectem de forma verdadeira e apropriada a posição financeira da empresa. Cabe-lhes ainda verificar se a firma dispõe de sistemas de controlo interno adequados.

    De acordo com a lei das empresas públicas que tem o n.º 9/95, de 15 de Setembro, as empresas públicas devem elaborar anual-
mente, até 31 de Março e com referência a 31 de Dezembro do ano anterior, o relatório de contas da empresa que deverá proporcionar uma compreensão clara da situação económica e financeira relativa ao exercício.

    Após a sua homologação pelo órgão de tutela e se for caso disso, pelo ministro da Economia e Finanças (Ministério entretanto dividido em dois), o relatório e contas da empresa deve ser publicado num dos jornais de maior tiragem do país.

    Apesar de estarem legalmente obrigadas a divulgar as contas, até ao momento apenas as seis empresas referidas publicaram os respectivos relatórios e contas… de 2009 e com um atraso considerável. Os primeiros a sair foram os do BNA e da Sonangol, por exigência do Fundo Monetário Internacional (FMI) que condicionou a aprovação da segunda tranche do empréstimo de ajuda à balança de pagamentos angolana à divulgação dos relatórios e contas das duas empresas públicas mais importantes do país. Angola Telecom, Empresa do Caminho de Ferro de Luanda, EPAL e Porto de Luanda só publicaram as contas de 2009… em Janeiro de 2011 no Jornal de Angola.

     

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    Uns chumbam outros aprovam

    A lei obriga também a que o relatório de contas seja acompanhado do parecer do conselho fiscal que deverá conter, com o devido desenvolvimento, a apreciação da gestão, bem como do relatório do conselho de administração, da exactidão das contas e da observância das normas legais e estatutárias. A análise dos pareceres dos conselhos fiscais das quatro empresas que viram chumbados os relatórios de contas pelos auditores externos independentes levanta muitas dúvidas quanto ao seu trabalho.

     

    Deficiências 
nos sistemas de controlo interno são uma das principais debilidades das EP angolanas

    É o caso do Porto de Luanda onde o conselho fiscal presidido por Luiz Van-Dúnen “após obtenção de diversos esclarecimentos junto da direcção financeira dá a sua concordância a aprovação do relatório e contas do exercício do ano 2009” que considera de acordo com as disposições legais e estatutárias. Uma dessas obrigações é a garantia de existência de um sistema de controlo interno eficaz. Pelo contrário, a Audiconta, empresa responsável pela auditoria externa independente às contas da empresa, recusa-se a dar opinião sobre as demonstrações financeiras face às limitações encontradas no seu trabalho entre as quais “[…] deficiências nos sistemas de controlo interno com maior destaque para a falta de controlo operacional e financeiro das operações […].

     

    Na EPAL, o conselho fiscal presidido por Carlos Alberto Teixeira Bragança, considerou que “as contas da empresa foram elaboradas de acordo com os princípios de contabilidade geralmente aceites” e decidiu “aprovar o relatório do conselho de administração, balanço e demonstração de resultados”. “O sistema de controlo interno da empresa ainda não é garante de que todas as operações/lançamentos contabilísticos são registados com base em documentos válidos”, queixam-se por seu turno dos auditores da Ernst & Young que, também por isso, se recusaram expressar uma opinião sobre as demonstrações financeiras da EPAL.

     

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    Porto de Luanda: Empresa cresce e é lucrativa, mas auditores duvidam dos números

    Os seis relatórios de contas conhecidos são um número irrisório tendo em conta o universo das empresas públicas, embora este seja uma incógnita. Uma listagem do Ministério das Finanças que a EXAME descarregou da internet identifica 55 empresas.  Contudo, a revista Economia & Mercado cita um estudo sobre o sector empresarial do Estado angolano, elaborado pela consultora portuguesa CESO, contratada em 2005 pelo ministério das Finanças para produzir um diagnóstico do sector, garante que parque empresarial público é integrado por 216 empresas, das quais 62 estão completamente paralisadas ou têm actividade reduzida. Além do diagnóstico do sector, a CESO deveria igualmente propor um novo quadro jurídico normativo para o sector.

     

    A questão do diagnóstico do sector, bem como do novo quadro jurídico, foi retomada pelo ex-ministro de Estado e da Coordenação Económica, Manuel Nunes Júnior, que fez dela um dos cavalos de batalha do seu consulado. Em entrevista à Exame, de Setembro de 2010, o actual secretário do Bureau Político do MPLA para a política económica e social afirmou que estava em curso um (novo) diagnóstico do sector que serviria de base a uma proposta de medidas para melhorar o desempenho do sector. O diagnóstico ainda não viu a luz do dia, mas a Assembleia Nacional aprovou, em Outubro de 2010, a lei de alteração da lei das empresas públicas com o n.º 10/10.

     

    Pareceres dos conselhos fiscais em contradição com a opinião dos auditores independentes

    As principais novidades são a instituição de contratos-programa entre o Estado e as EP em que os objectivos das empresas sejam claramente apontados e os gestores devidamente avaliados, a criação dos novos estatutos do gestor público e dos órgãos de fiscalização e respectivos estatutos remuneratórios. Foi igualmente introduzida a figura do administrador não executivo.

     

    Quanto ao diagnóstico do sector que devia ter sido apresentado pelo Ministério da Economia no primeiro trimestre de 2011, continua sem ver a luz do dia. “Estamos com um ligeiro atraso”, reconheceu em entrevista à EXAME, de Junho de 2011, Abraão Gourgel, titular da pasta criada no âmbito da última reorganização do Governo que herdou do extinto Ministério da Coordenação Económica a tutela das empresas públicas.

    “O diagnóstico está concluído, mas não é tão rigoroso quanto gostaríamos. […] As empresas estavam sobre a alçada de ministérios diferentes e nem todos tiveram os meios adequados para cumprir essa tarefa. […]”, justificou o ministro da Economia.

     

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    Contas de 2010 atrasadas

    Questionado sobre os resultados do diagnóstico já concluído, Gourgel respondeu: “A situação das empresas é globalmente má. Muitas delas têm uma gestão deficitária. Algumas inclusivamente não têm os órgãos sociais e fiscais em pleno funcionamento. Alguns desses problemas decorrem de lacunas na legislação. […] Está concluí-
da elaboração da nova lei sobre as empresas públicas e respectiva a regulamentação, que decorrem aliás das metas indicativas que acordámos com o FMI […]. Certamente este novo quadro legal pode ajudar melhorar a actual situação associado aos programas […] para cada empresa.”

     

    Conselhos já foram alargados para acomodar administradores não executivos

    Mas para que o novo quadro legal produza efeitos é necessário que seja aplicado. Ainda não há notícia da celebração de qualquer contrato-programa entre o Estado e as EP, mas os conselhos de administração já foram alargados para acomodar os administradores não executivos.

     

    As empresas também continuam a fazer tábua rasa da obrigação legal de divulgação pública dos relatórios de contas. Apesar de já termos entrado no último trimestre de 2011, nenhuma empresa pública, incluindo Sonangol e BNA, divulgou as contas auditadas de 2010. Apenas a Sonangol apresentou em conferência de imprensa os principais resultados de 2009, mas sem divulgar o relatório de contas auditado. O site da petrolífera apresenta na página inicial um link para o relatório, mas sempre que a Exame pretendeu aceder ao relatório deu erro. Quanto ao BNA, a quarta revisão do acordo com o FMI previa a divulgação das contas auditadas de 2010 em Junho de 2011, mas até ao momento isso não aconteceu. A Exame questionou o Banco Central, mas não obteve qualquer resposta até ao fecho desta edição.

     

     

    Onde estão os gatosPrincipais reservas levantadas pelos auditores externos independentes

    Caminho de Ferro de Luanda

    1-  
Terrenos para construção não registados contabilisticamente com 
uma área de 198 132 metros quadrados e caso esses terrenos tenham sido vendidos não foram abatidos.

    2-  
Contratos de arrendamento de imóveis no valor de 62,3 milhões de kwanzas registados em proveitos e ganhos de 2009 sem que a empresa tenha apresentado aos auditores nenhuma certidão de registo de propriedade desses imóveis em seu nome; registo em proveitos e ganhos de 2009 de rendas no valor de 8,3 milhões de Kwanzas que não foram pagas; antes de 2009, o saldo dos inquilinos ascende a 60,7 milhões de kwanzas; dívidas da empresa Magnum — Sociedade de Protecção e Assistência no valor de 37,0 milhões de kwanzas em contencioso.

    3-  

Inexistência de levantamento dos imóveis existentes entre Luanda   e Malanje.

    4-  
Imobilizações em curso no valor de 2423,5 milhões de kwanzas a transitar de ano para ano sem uma data para conclusão.

    5-  
Registo de um empréstimo de 200 milhões de kwanzas do BPC que o banco não confirma.

    6-  
A empresa tem um capital de 0,58 kwanzas quando os estatutos referem um Fundo de Constituição de 1032,7 milhões de kwanzas.

    Empresa Pública de Águas

    1-  
Sistema de informação e controlo interno não garante a produção de demonstrações financeiras isentas de distorções materialmente relevantes.

    2-  
Saldos de fornecedores no valor 
de 612,4 milhões de kwanzas 
e de adiantamentos a fornecedores
no valor de 169,0 milhões 
não confirmados.

    3-  
Resultados estão influenciados por subsídios a preços no valor 4209,5 milhões de kwanzas calculados com base em estimativas de consumo e não em consumos reais.

    Porto de Luanda

     

    1-  
Imobilizado não está devidamente inventariado não permitindo a identificação física e individual dos bens.

    2-  
Aquisições de imobilizado e outras suportadas por facturas pró-formas 
ou com suporte documental insuficiente.

    3-  
Mapas de amortizações e reintegrações de imobilizaçõe corpóreas e incorpóreas não conferem com os registos contabilísticos.

    4-  
Empresa não respeita princípio da especialização contabilística nas contas patrimoniais e de resultados.

    5-  
Registos contabilísticos das contas bancárias revelam um saldo 157,6 milhões de kwanzas inferior ao dos extractos bancários resultante da não actualização das contas em moeda estrangeira.

    6-  
Reservas de reavaliação sobreavaliadas em 3699,0 milhões de kwanzas 
na contabilidade face aos mapas respectivos. Regularizações por abates não anuladas nas reservas de reavaliação.

    7-  
Deficiências no controlo interno, nomeadamente no controlo operacional e financeiros das operações.

    8-  
Multas e outras penalizações no montante de 229,5 milhões de kwanzas contabilizadas em custos quando deveriam ser na conta do Estado 
e outros entes públicos.

    9-  
Não contabilização de receitas de rendas variáveis e fixas no valor de 525,3 milhões de kwanzas.

     

     

    Fonte: Pareceres 
dos auditores 
externos

    Foto: Exame

     

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