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    Sida surgiu no Congo da década de 1920

    (Foto: D.R.)
    (Foto: D.R.)

    A sida surgiu em Kinshasa, na República Democrática do Congo (então Congo Belga), nos anos 1920, antes de se espalhar pelo mundo, concluíram investigadores que reconstituíram o caminho do vírus que já matou 36 milhões de pessoas. Factores como a urbanização rápida e a construção de ferrovias favoreceram a propagação.

    Um grupo europeu de cientistas confirmou, num estudo publicado na revista Science, a origem concreta de um dos tipos de vírus de imunodeficiência humana, o VIH 1, causador da sida. A história do VIH foi reconstruída com as sofisticadas técnicas matemáticas da evolução molecular, baseadas na comparação de sequências de ADN (ou ARN, a molécula irmã que o vírus utiliza para armazenar informação genética).

    O princípio é simples – os vírus com sequências parecidas têm uma origem comum recente, e quanto menos parecidas, mais remoto é o seu parentesco -, mas alcançou nos últimos anos uma grande complexidade matemática, pelo que os métodos estatísticos deste trabalho foram desenvolvidos pelos próprios autores.

    Investigadores da Universidade de Oxford (Grã-Bretanha) e da Universidade de Lovaina (Bélgica) reconstruíram a história genética da pandemia do grupo M do VIH 1, o subtipo de vírus mais comum em todo o mundo, e determinaram que se propagou por todo o continente africano, e por todo o mundo, desde Kinshasa, capital da República Democrática do Congo (então Congo Belga), por volta de 1920, e que a sua propagação foi o produto de uma tempestade perfeita, na expressão dos autores do estudo.

    É que o crescimento de Kinshasa – Leopoldville até 1966 – e das demais cidades congolesas de então, a grande extensão da rede de caminhos-de-ferro sob domínio colonial belga, o tráfico de trabalhadoras sexuais e – já nos anos 60 – a independência juntaram-se para propagar primeiro por África e depois por todo o mundo uma das piores pandemias da história. Kinshasa era naquela altura um pujante centro mineiro, com uma rede ferroviária em pleno desenvolvimento.

    Ajudado por estas circunstâncias, entre 1937 e 1940, o vírus, hoje designado VIH 1 grupo M, espalha-se para Brazzaville (capital da República do Congo) via rio Congo e para Lubumbashi e Mbuji Mayi, no Sul do país, por barco e principalmente por comboio (os comboios do antigo Congo Belga movimentavam 300.000 passageiros em 1922 e cerca de um milhão em 1948). Uns anos mais tarde, entre 1946 e 1953, dissemina-se para Bwamanda e Kisangani, no Norte daquele país.

    Essas migrações permitiram ao vírus estabelecer os primeiros focos secundários de infecção em regiões que dispunham de boa rede de comunicação com países do Sul e do Leste da África, afirmam os pesquisadores. Mas é só a partir dos anos 1960, com a independência do Congo Belga (depois Zaire e depois República Democrática do Congo) – um período de menor pujança económica -, que essa forma particular do vírus (VIH 1 grupo M) conhece uma fase de crescimento exponencial em comparação com outras formas então existentes do VIH 1 na região.

    Em 1964, o seu subtipo B – a linhagem dos vírus M mais frequentemente encontrada no hemisfério Norte (EUA, Europa, Japão) – desembarca no Haiti, levada por trabalhadores que regressam da República do Congo ao seu país de origem e dali é disseminada para os EUA e para o resto da Europa. Os primeiros casos de sida que a medicina registou deram-se efectivamente nos EUA em 1981, e dois anos depois foi descoberto o seu agente causal, o vírus da imunodeficiência humana (VIH). Mas depressa pareceu óbvio que a doença estava há muito tempo em África, e não exactamente num estado latente, pois o vírus estava bem estabelecido nas populações heterossexuais da África central e oriental.

    Da selva dos Camarões Essa história profunda da epidemia, simplesmente, havia permanecido oculta para a ciência e sepultada sob estratos de miséria na zona mais esquecida do planeta. A transmissão de um vírus de imunodeficiência de símio (VIS) à espécie humana remonta ao início do século XX. Ocorreu, provavelmente, no Sudeste dos Camarões, pois é onde os vírus dos chimpanzés mais se parecem geneticamente ao VIH humano.

    O contágio afectou provavelmente o caçador que capturou o símio, talvez quem o manipulou posteriormente ou mesmo quem o comeu. Não era a primeira vez que tal ocorria. Há outros 12 episódios documentados de contágio de VIS a pessoas. Mas aquele vírus dos Camarões – na altura uma colónia da Alemanha – conseguiu chegar até Kinshasa, provavelmente de barco através do rio Sangha, por onde navegavam embarcações carregadas de madeira e marfim. Desde há muito se sabe que o VIH – apesar de alguns continuarem a insistir na tese de que o vírus da sida saiu de um laboratório – teve a sua origem em chimpanzés da África central.

    O trabalho, também publicado na revista Science, mostrava que o material genético extraído das fezes desses chimpanzés nas selvas dos Camarões determinava que o vírus, identificado como VIH 1, surgiu destes primatas, em concreto de uma subespécie do chimpanzé, endémica do Sul camaronês, chamada Pan troglogdytes troglodytes. Também se sabe que o VIH se transmitiu dos primatas e macacos aos seres humanos pelo menos em 13 ocasiões, mas que unicamente uma delas originou a pandemia humana.

    E as análises genéticas deste trabalho mostram que o VIH se espalhou muito rapidamente pela República Democrática do Congo, ajudando a estabelecer focos secundários de VIH 1 em regiões ligadas com os países da África meridional e oriental levando a sida à população geral em África e, finalmente, a todo o mundo. A informação deste trabalho confirma que a epidemia do VIH trascende o âmbito médico, convertendo- se numa questão multidisciplinar.

    Os factores sociais e económicos foram essenciais na propagação da epidemia Nem tudo se deve às alterações genéticas, como acontece com o vírus da gripe. E isso deixa-nos uma lição: só com a prevenção poderemos acabar com a sida. (expansao.ao)

    Por: Benjamim Carvalho)

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