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    Show do mês com Filipe Mukenga: O “bis” de um filho da Kizaka

    (Foto: D.R.)
    (Foto: D.R.)

    Filipe Mukenga voltou a ser o dono de duas noites dedicadas ao ‘Show do Mês’, tornando-se, por este facto, no primeiro artista individual a participar da primeira e segunda temporada deste projecto músico-cultural.

    Para este ‘bis’, Yuri Simão justificou-se: “Mukenga não teve antes o que o Show do Mês o pode dar hoje. Quando ele foi ao palco o show era um embrião. Decidimos que o show escolhido pela obra e pela grandeza fosse dele”. Recorde-se que o músico foi o segundo artista a marcar presença no projecto actuando nas noites do dia 28 de Fevereiro e 1 de Março de 2014, tendo como convidada a jovem Selda, que foi o balão de ensaio do projecto da Nova Energia.

    Em relação àquele espectáculo, há um ano escrevíamos nestas páginas o seguinte: “o ambiente foi tão real como a proposta de um som que na altura foi visto como novo. Com a presença física do seu comparsa e cúmplice, o Zau, que também é Filipe, e o espiritual do kamba Nguxi, o do blues, o Zé Agostinho do Duo Misoso”.

    Mukenga voltou a levar sentido patriótico com “Angola no Coração”, ofereceu a kizaka de um ‘Filho de Cabinda’ e mostrou que viu Luanda com o “semba” “Balabina”, a “Kianda kianda” e o “Dikixi”, mostrando todo no seu ecletismo e hibridismo musical, na interpretação de temas como ‘Ndilokewa’, a música de referência do seu mais recente disco.

    A primeira surpresa da noite foi a exibição do grupo carnavalesco União Mundo da Ilha que transformou o Royal Plaza numa espécie de Marginal de Luanda, nos tempos do ‘Carnaval da Vitória’. E uma vez mais, Mukenga mostrou que está atento às novas vozes e tendências da rotulada “música alternativa” e teve como convidada Anabela Aya no dueto em Nvula, que brindou os presentes com o intemporal “Georgia”, uma célebre composição de Ray Charles.

    Mukenga esteve também atento à plateia. Tanto foi que tirou da cartola o mitológico “Humbi Humbi”, impecavelmente apimentado por inesquecível dueto com o congolês Lokua Kanza. O baterista Hélio Cruz e o percussionista Yasmane Santos protagonizaram um show à parte de percussão durante a música “Muloji”, num momento de verdadeiro ‘feitiço’ angolano, reforçado pelo baixo de Mayó.

    E como em equipa vencedora não se mexe, a organização voltou a apostar novamente nos instrumentistas que suportaram o show de homenagem a André Mingas. Foram os mesmos que deram o toque do chamado “Novo Som”. Os executantes cubanos, brasileiros e portugueses estão a entrar e a executar com rigor a nossa música. (acapital.ao)

    O EXTRACTO DE UM ARTISTA MADURO

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    Filipe Mukenga e Anabela Aya. (Foto: D.R.)

    Contas fechadas, o artista revela-se num senhor cujos créditos e autoridade dão-lhe folga para muito mais ser visto, dado o investimento para que tal ocorra.

    Francisco Filipe da Conceição Gumbe ou simplesmente Filipe Mukenga é um músico que ao longo destes mais de cinquenta anos, tem aplicado valor bastante à sua carreira, o que faz dele um dos músicos contados aos dedos das mãos a integrar a nata dos clássicos angolanos, cujo núcleo como elite, ele ajudou a erguer.

    Este é o músico que foi mais uma vez convidado pela Nova Energia e levar ao Plaza, aquilo que, na minha óptica é considerado o padrão do show do mês, em termos de conceito artístico musical. Aliás, é na minha humilde maneira de pensar, a definição da marca com periodicidade mensal no Talatona, lugar comedido desta metrópole, fugindo desta forma a infiltrada poluição do roncar dos motores invasores no casco urbano.

    Das mil coisas para se falar sobre Mukenga, importa fazer um enquadramento em três ângulos de abordagem que destacam bem os seus activos. Como homem, o facto de ter nascido na maternidade velha de Luanda, um direito incomum para os negros da época, começa desde já por definir o gosto refinado que viria a ter o menino Chico de então.

    Hoje, porém, depois de terem sido cumpridas todas as etapas de crescimento, vivendo uma juventude que começou por definir o seu futuro, o jovem, atira-se à música e projeta sonhos que passaram pela tremida estreia, na rubrica “Um minuto para mostrar o que vale”, do programa “Chá das Seis”, no Cinema Restauração, concurso virado para a descoberta de novos valores, onde interpretando a canção “Donnez moi tes seize uns”, do conceituado músico francês Charles Aznavour, foi assaltado por um nervosismo e esqueceu-se da letra em pleno palco.

    Não consta que tenha sido vaiado ou apupado, mas não admiro que tal tenha ocorrido para vergonha do pobre concorrente, o que veio a superar na semana seguinte, com o devido reconhecimento das suas competências ao ser aclamado na interpretação da canção do também francês Alain Barrière. E assim Filipe Mukenga, faz-se homem e chefe de família, apresentando da sua safra genética cinco filhos e três netos, o que acho ser muito pouca produtividade para a honra de um homem africano com as devidas estruturas e destreza de macho, pah.

    No ângulo número dois, ganha destaque a indumentária com que o músico se apresenta em palco, desfazendo-se das habituais calças e camisas que desenham a magnitude corporal do seu utente, o homem neste caso. Não é óbvio subalternizar aqui a referência as diferentes modas, que marcaram a trajetória da sua vida, sendo uma delas as influências de uma época não distante, onde o músico americano Pery Sledge criador de célebre canção “When a Man Loves a Woman”, ostentando uma farta cabeleira, provocou uma febre a qual juntava uma camisa a amarrar o tronco, calças de boca larga, e sapatos cuja sola atingiam uma altura entre dez a vinte centímetros.

    No entanto, já com uma careca feita pista de derrapagem para intrusos insectos, o músico ganhou endurance emocional e é desde já um dos que mais se orgulha em dar visibilidade aos trajes africanos, abusando dos moldes afrocentrais e a matar com um gorro que também fez marca e morada na cabeça do grande escritor Mendes de Carvalho, eternizando desta forma o desafio que ainda move rixas entre Catete(s) e Malange(s), origem dos dois valiosos homens das artes.

    O ângulo dominante ao primeiro e o segundo é o da música, feita prancha do cantor, surfando sob a onda mais brava e capaz de superar feitos aos de Diogo Cão, no Cabo da Boa Esperança. A trajetória de Mukenga, passou em linha recta pelos diferentes espaços culturais, desde Angola, Brasil e vários países da Europa, fazendo cruzamento com cantores da fina nata brasileira, Djavan, Ney Mattogrosso, Zélia Duncan, Cassia Eller, Mauricío Mattar, Zeca Baleiro, Martinho da Vila e Vânia Abreu e os portugueses Rui Veloso e Fernando Tordo, num contorno onde pendem nomes de Filipe Zau, André Mingas e o seu amigo José Agostinho.

    Como compositor pude sentir o enquadramento dos temas, a preocupação com a mensagem, o deslizar nas diferentes línguas nacionais e o inglês com Ndilokewa, marcando assim o sentido apurado de um homem que se preocupa com a beleza da palavra. “Quando os homens se entenderem” é o trecho de uma canção que apela a unidade dos homens no planeta, é preciso que se evoque a união, a paz e a harmonia para a convivência neste espaço comum oferecido por Deus.

    É caso para dizer que a música de Mukenga tem poesia. A canção de Mukenga traz patente o sentido investigativo, onde a recolha conduz ao equilíbrio de uma sonoridade que se identifica com o campo e a natureza rural, as nossas origens e a profundeza da nossa história e seus costumes.

    As músicas “Muloji” e “Kussaquela” traduzem indiscutivelmente a dor e a preocupação que paira na personagem de um ser, cujo submundo ultrapassa a metafísica do incógnito. A repulsa ao malfeitor e a condução ao resguardo do ente, faz evocar os espíritos do bem, em prol de tudo o que tende ao afastamento do sofrimento no corpo combalido.

    Entre os diversos estilos musicais de Filipe Mukenga, absorve-se o semba numa métrica que convida o passista a firmeza de cada toque, mas segue-se o Kilapanga, a rebita, a varina e outros estilos que contextualizam bem a beleza de um folclore que aparece temperado ao soul music. É na canção Nguxi, dedicada ao seu companheiro do duo Misoso, onde pude compreender a forte expressão vocal e o potencial do artista, num desfile de agudos e graves, numa técnica cuja beleza da voz, supera a si próprio e convence.

    Adorei! O pouco que podemos abordar sobre Filipe Mukenga, representa um extracto cujo histórico testemunham os créditos com o balanço positivo e nesta hora, é caso para se aconselhar que num Show do Mês com Mukenga, se quiser ficar doente, escolha outro dia. (acapital.ao)

    Por: Laureano Tchoia

     

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