Em Angola, fora dos centros urbanos, a autoridade tradicional é a entidade mais procurada por quem precisa que se faça justiça, segundo um relatório promovido por uma organização não-governamental, hoje divulgado em Luanda.
O relatório, intitulado “Acesso à Justiça fora dos Grandes Centros Urbanos – Angola 2012”, foi elaborado pelo Mosaiko – Instituto para a Cidadania, ligado à Igreja Católica, e parte da ideia de Aristóteles de que a Justiça é, acima de tudo, dar a cada um o que lhe é devido.
O objetivo do estudo foi conhecer melhor a situação do direito de acesso à Justiça para os cidadãos que residem fora dos grandes centros urbanos e avaliar se a ação dos grupos locais de direitos humanos é estatisticamente relevante em toda a área dos municípios onde estes existem comparativamente a outros onde tais grupos não existem.
Com este estudo, os autores quiseram ainda garantir proporcionar informação adicional aos responsáveis pelo sistema judicial, aos decisores políticos e sociedade civil, de molde a melhorar o acesso à Justiça em Angola, sobretudo fora dos grandes centros urbanos.
Os participantes no estudo foram selecionados em sete municípios – Matala, província da Huíla, Caimbambo (Benguela), Cubal Kibala, Amboim (Cuanza Sul), Cuito (Bie) e Cazengo (Cuanza Norte).
O documento conclui que os órgãos oficiais de administração da Justiça não são um recurso acessível à grande maioria dos cidadãos, sobretudo para os que vivem fora dos grandes centros urbanos, sendo o recurso ao soba ou sekulu (autoridade tradicional) o mais frequente nas zonas rurais.
“A polícia é a segunda entidade mais citada como recurso pela maioria dos cidadãos. Assimilada frequentemente como instituição do sistema judiciário, acaba por ser a autoridade mais próxima da população após o soba ou sekulu e representa um primeiro passo no caminho que poderá conduzir ao Tribunal”, lê-se no documento.
Sendo os sobas ou sekulos as instâncias de administração da justiça mais solicitados nas zonas rurais, o estudo recomenda que, para que esta função seja exercida segundo a Lei, os ministérios da Justiça e dos Direitos Humanos e da Administração do Território, em colaboração com diversos atores sociais, desenvolvam programas sistemáticos de capacitação jurídica básica dos sobas.
A proximidade ao soba ou sekulu são a razão mais invocada para se recorrer a essas autoridades tradicionais, enquanto a rapidez na resolução do problema a mais invocada para o caso da polícia e dos tribunais, seguindo-se a família, padres ou pastores como as instituições consideradas mais confiáveis.
Os elevados custos processuais para os cidadãos que vivem longe das sedes onde não há órgãos de justiça e que, mesmo com um atestado de pobreza, enfrentam dificuldades na contratação de um advogado, são fatores que dificultam o acesso à justiça.
“Os mecanismos de assistência judiciária funcionam mal e, em face da ausência de advogados, unicamente para cumprir o formalismo da lei que assegura a defesa ao réu, é comum ver o juiz nomear como defensores oficiosos pessoas sem qualquer preparação para a função, nem qualquer conhecimento do caso para que são nomeados”, refere o relatório.
Nesse sentido, recomenda-se a criação de um instituto de Defesa Pública, junto de cada Tribunal, com advogados ou defensores oficiosos competentes, pagos pelo Estado, para que o direito de defesa seja efetivo e não apenas formal.
Em Angola, só 16% dos municípios têm Tribunal municipal e apenas 24% têm Procuradoria Municipal. A Provedoria de Justiça existe apenas em três sedes provinciais (que não integraram a amostra deste estudo). (lusa.pt)