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    A maka dos dólares

    (Foto: D.R.)
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    É certo que os leilões de divisas do BNA aos bancos caíram, mas não tanto quanto se poderia esperar. Como a oferta desceu (há menos depósitos em moeda estrangeira e as petrolíferas já não vendem dólares directamente aos bancos) e a procura subiu (até por razões psicológicas) e o preço, obviamente, disparou. Logo, hoje há menos dólares… e eles estão mais caros

    Angola está com um problema sério de liquidez. Não se fala de outra coisa no meio empresarial. O Estado não só cortou despesas e suspendeu projectos como está a atrasar pagamentos a fornecedores. Num país tão dependente do sector público, isso está a ter um efeito de arrastamento ao resto da economia. Por todo o lado vemos sinais dessas consequências, alguns dos quais mediáticos, tais como os atrasos na recolha do lixo na capital. Drama similar vivem os importadores. A falta de cambiais (a “maka dos dólares” como dizem os populares) impede-os de cumprir os pagamentos ao exterior, pelo que já se nota a redução de sortido nas lojas (efeito diferido da escassez de cambiais do final de Dezembro e início de Janeiro).

    Captura de ecrã 2015-04-23, às 11.30.43Do lado das empresas, as ordens de pagamento a fornecedores amontoam-se nos bancos desde o final do ano passado, reinando a incapacidade para comprar matérias-primas, máquinas ou produtos acabados indispensáveis à operação, ou para respeitar contratos de prestação de serviços e de assistência técnica. Entre os particulares, apesar da melhoria recente (o lastro de operações pendentes demorará tempo a ser corrigido) ainda permanecem as dificuldades de saída de capitais. Sobretudo falta estabilidade e confiança a um sistema bancário que parece refém de medidas avulsas — num momento o alvo eram os cartões de crédito, noutro as transferências electrónicas dos salários ou ajudas à família pareciam prioritárias, no seguinte facilita-se a entrega física de cambiais em contrapartida de bilhetes de avião. Até o mercado informal (onde o dólar chegou a atingir 180 kwuanzas face aos 109 da cotação oficial) parece revelar algum desnorte com o preço dos câmbios a evoluir de forma errática, de acordo com a escassez momentânea da oferta.

    Os cidadãos conhecem a raiz do problema, alertado em tempo útil pelo próprio Presidente da República. Angola depende do petróleo, o preço caiu para metade, o que gerou a crise de liquidez. Mas será só isso? Sabemos que o Executivo não quer repetir o fenómeno de delapidação rápida de reservas e erosão das contas públicas de 2009. Por isso, agiu com rapidez e determina- ção (algo que merece elogios por parte dos organismos internacionais). Muitos questionam, porém, se não se está a ir longe de mais. Em linguagem popular “se o doente não pode morrer da cura”. Afinal, a própria diversificação, a alavanca que permitirá a Angola sair da crise, requer mais importações (logo, cambiais) hoje mais caras devido à desvalorização do kwanza. Tal como muitas vezes nos interrogamos como algumas empresas alegadamente rentáveis, têm problemas de tesouraria, também a economia parece estar a crescer apenas “no papel”.

    Também não ajudou o “empurrar” de responsabilidades pela falta de cambiais entre o Banco Nacional de Angola (BNA) e a banca (criou-se inclusivamente um site de reclamações para clientes lesados). O problema, porém, é mais fundo e prende-se, como sucede quase sempre na economia, com a lei da oferta e da procura. O BNA, a julgar pelas estatísticas do Departamento de Mercados e Activos, parece ter razão quando diz que a oferta de dólares, através dos leilões de divisas, não tem sido muito diferente. De facto, a média mensal de 2014 foi de 1,598 mil milhões de dólares (em linha com a do ano anterior) ao passo que a média dos primeiros dois meses de 2015 foi de 1,522 mil milhões. Se compararmos esse montante com os meses homólogos do ano anterior verificamos que a oferta caiu 5,3% em Janeiro, mas foi 26% superior em Fevereiro. Só que usando Dezembro de 2014 como mês de referência verificamos que a oferta de divisas em Janeiro reduziu 13,1% e em Fevereiro 16,2%. Cálculos próprios da EXAME — com base nos comunicados do BNA, onde se comparam os leilões, semana a semana, do primeiro trimestre de 2015 — permitem concluir que a oferta de cambiais caiu em Janeiro, recuperou em Fevereiro e voltou a quebrar em Março, parecendo querer estabilizar nos 300 milhões de dólares semanais.

    Mais entidades a quem ratear dólares

    Captura de ecrã 2015-04-23, às 11.32.24O que o governador do BNA não refere é que o mercado mudou. Hoje, há mais entidades a quem ratear os dólares. A procura subiu não só porque a economia cresceu, mas também pelo efeito psicológico de “corrida aos bancos” que caracteriza os períodos de escassez. Paralelamente, hoje há mais instrumentos para a saída de capitais. Nos últimos anos, todos os bancos passaram a oferecer cartões de débito e de crédito (pré-pago e pós-pago) cuja atribuição foi entretanto suspensa e os plafonds reduzidos. Surgiram empresas especializadas em transferências (desde as multinacionais Western Union e Moneygram até uma miríade de operadoras locais) cuja actividade também tem vindo a ser cerceada (limitando as transacções aos nacionais, e com limites diários cada vez mais estreitos) ou mesmo eliminada. Quem viaja ainda pode transportar notas físicas. Daí que o mercado informal, antes julgado quase extinto, regressou em força (muitos alegam que são os próprios funcionários bancários ou, pior, as redes ilícitas de circulação de dinheiro, que o alimentam). Este é um efeito perverso conhecido em todo o mundo — quando o mercado formal não funciona, florescem os “esquemas” paralelos.

    Do lado da oferta o panorama também se alterou. As petrolíferas, agora obriga- das a fazer pagamentos aos fornecedores através da banca nacional, há muito que deixaram de vender dólares directamente ao sistema bancário (agora só o podem fazer através do BNA). Paralelamente, os clientes realizam cada vez menos depó- sitos em moeda estrangeira (veja quadro acima). Os números das Estatísticas Mone- tárias do BNA são elucidativos. Passaram de 1,75 mil milhões de kwanzas, em 2013, para 1,69 mil milhões, em 2014, e 1,62 mil milhões, em Janeiro de 2015. Hoje a banca está praticamente refém dos leilões “a conta gotas” do Banco Central. Isso significa que mesmo que essa oferta se mantenha, ela é insuficiente para responder ao aumento da procura. Daí a maka.

    Mas há razões de esperança. É notório que o panorama da escassez de divisas tem vindo a melhorar, embora lentamente. Num discurso público recente, o governador do BNA, José Pedro de Morais, assumiu que o banco quer vender mensalmente uma média de 1,5 mil milhões de dólares, de modo a chegar a cerca de 18 mil milhões no final de 2015 (menos do que os 19,2 mil milhões do ano anterior). Isso significa que o Estado irá utilizar cerca de 8 mil milhões de dólares de reservas, terminando este ano com um rácio sustentável de cobertura de importações que rondará os cinco meses. E estas, por sua vez, vão custar menos dinheiro devido à desvalo- rização inevitável do kwanza.

    A temida taxa sobre as transferências

    Captura de ecrã 2015-04-23, às 11.32.34Paralelamente, há um valor na balança de pagamentos destinado à compra do petróleo, que pode ser utilizado se o preço continuar a recuperar. Recorde-se que o Orçamento Geral do Estado (OGE) foi revisto com o preço de referência do crude a 40 dólares, quando hoje a cotação ronda os 60, logo, existe uma “almofada orçamental” acima de 600 mil milhões de kwanzas. E as ins- tâncias mundiais lembram que existe sem- pre a possibilidade de recurso ao Fundo Soberano com reservas constituídas de 5 mil milhões de dólares.

    Por outro lado, a economia é mais saudável hoje do que o era em 2009. As reservas de moeda em Dezembro de 2014, segundo o BNA, foram de 27 mil milhões de dólares (abaixo dos 31 mil milhões no final de 2013, mas o dobro dos 13,2 mil milhões de 2009). A taxa de inflação também caiu para metade (7,4% no final de 2014 versus 14% em 2009). Embora se espere uma subida para 9% em 2015, tal escalada parece estar a ser lenta. Por fim, o nível de endividamento do Estado (segundo o OGE revisto era de 31,2% do PIB em 2014 e deverá chegar aos 45,8% este ano) tem espaço para crescer sustentadamente. Aliás, o Executivo tem vindo a diversificar as fontes de financiamento externo e interno (a venda de títulos do Tesouro nunca foi tão forte), entretanto, já foi criada a Bolsa de Dívida para o mercado secundário (BODIVA) e diz-se que será finalmente este ano que Angola fará a estreia na emissão de eurobonds.

    Falta referir a medida mais mediática, talvez a que mais ajuda a reverter o tal efeito psicológico negativo a que aludíamos acima — a malfadada taxa sobre transferências cambiais (que segundo noticiou o jornalExpansão poderá chegar aos 18% a 20%) já não vai incidir sobre as ajudas familiares dos nacionais e os salários dos expatriados, mas apenas sobre os contratos de prestação de serviços. Em boa hora… (exame.ao)

     

    Por: Filipe Cardoso

     

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