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    Quem são e o que querem os jovens que interromperam Costa?

    Diário de Notícias | Susete Francisco

    Francisco e Ana têm 32 anos e um propósito comum: evitar a construção de um novo aeroporto, para mais no estuário do Tejo. São parte de um movimento internacional que quer obrigar os governos a agir contra as alterações climáticas

    Querem que os governos “digam a verdade sobre a crise ecológica”; exigem uma “redução drástica” das emissões de gases com efeito de estufa; e querem que as questões ambientais sejam tratadas através de uma democracia participativa. Estas são as três grandes reivindicações do Extinction Rebellion (ER) – traduzido para português como Rebelião de Extinção -, o movimento que está por detrás da “invasão” à festa do 46º aniversário do PS. Uma acção feita com aviões de papel, o som de aviões a aterrar e uma faixa a deixar claro ao que vinham: “Mais aviões? Só a brincar! Precisamos dum plano B, não há planeta B”.

    Francisco e Ana foram duas das 12 pessoas que participaram na acção de protesto na noite de segunda-feira. Têm ambos 32 anos e a mesma convicção de que a extensão do aeroporto da Portela e, sobretudo, a construção do novo aeroporto do Montijo são um erro tremendo – para o estuário do Tejo, para Lisboa, para o país. Mais que isso, para o mundo – Francisco e Ana fazem parte de uma rede internacional denominada Stay Grounded (Aterra), que luta contra a construção de novos aeroportos e pela diminuição do tráfego aéreo, o tipo de transporte com maior carga poluente. Activistas, como tantos outros em diferentes questões ambientais, que o movimento ER desafiou para uma semana internacional de protestos, que chamem a atenção da opinião pública para as alterações climáticas e obriguem os governos a agir.

    “A hora de agir é agora”
    Francisco conta que cresceu em Lisboa e é um apaixonado por viagens. Mas a perspectiva de a cidade vir a “aumentar de forma louca” o tráfego aéreo deixa-o “muito preocupado”. Diz que há meses que vinha sentindo que “é preciso agir” e levantar a voz contra a extensão da Portela e o novo aeroporto do Montijo. “Dizem-nos que a Portela não aguenta mais. Nós é que não aguentamos mais tráfego aéreo, tem de ser reduzido. E isto vem quase duplicar o número de movimentos por hora”, diz ao DN.

    “O projecto do Montijo é dentro da reserva natural. É património de todos”, acrescenta Ana, somando aos aviões que vão passar a aterrar no Montijo todo o trânsito que o novo aeroporto vai provocar. “A nossa acção é para dizer às pessoas que temos de proteger aquela área, é para informar as pessoas, de uma maneira calma e tranquila, sobre este tema”, acrescenta esta professora – “Não somos contra os aviões, somos contra a sua utilização extrema e a localização do novo aeroporto”.

    E porquê a festa de aniversário do PS? Por estar lá o primeiro-ministro? Ana responde que esta não foi “uma acção contra o PS ou contra uma pessoa em particular. Escolhemos este lugar e estas pessoas, que foram as que autorizaram o projecto do Montijo, para dizer ‘por favor digam a verdade sobre os interesses, as consequências'” desta decisão. “E sobre as relações que o poder político tem com a Vinci e com as empresas que lucram com estes projectos”, acrescenta Francisco, que faz questão de sublinhar: “Ao contrário do que disse o primeiro-ministro não existe um consenso nacional sobre este tema”.

    “Fui agredido,mas isso é um detalhe, sabemos que estas coisas podem acontecer”

    Francisco e Ana (que quiseram dar apenas os nomes próprios) não explicam como é que uma dúzia de activistas entrou despercebido na festa do PS – mas garantem que foi com “criatividade e respeito pelas pessoas”. Quando António Costa começou a falar, foi interrompido por duas vezes, enquanto aviões de papel lançados pelos activistas esvoaçavam no ar. É o que se vê nas imagens, mas Francisco diz que a história não acabou aí. “No meu caso fui violentamente retirado do palco e, já fora dos olhares das câmaras, fui agredido violentamente e de forma gratuita pelos seguranças”, acusa, especificando que foi atirado contra uma parede. Não apresentou queixa e desvaloriza: “É absolutamente irrelevante no contexto em que hoje vivemos de agressão ao meio ambiente e às gerações futuras. É um detalhe, sabemos que estas coisas podem acontecer. Estamos a causar incómodo, sabemos isso. Estamos disponíveis para esse risco porque a causa pela qual estamos a lutar é justa e é urgente”.

    Ana diz que “tranquilos, mas determinados” é o lema para estas acções -“Ficámos calmos, tranquilos, falámos depois com as pessoas, com a polícia. Foi bom ver o contraste”.

    “Isto vai crescer. A hora de agir é agora”

    Os dois deixam uma garantia: “De certeza que não vamos ficar por aqui. Isto vai crescer. A hora de agir é agora” – “É um poder enorme sentirmo-nos no meio de um movimento internacional incrível, inédito, em que participa todo o tipo de pessoas, que está a juntar muita gente. E nós fazemos parte desse movimento, estamos focados na questão do aeroporto, mas somos parte de uma mesma luta”.

    Uma luta política, mas não partidária, garante Francisco. “Este é um movimento político, porque a questão do ambiente é política, mas não há nenhuma ligação aos partidos”.

    Rebeldes contra a extinção. O que é isso?

    O ER é um movimento global nascido em Londres que diz vir declarar uma “rebelião internacional não-violenta contra os governos do mundo por causa da inacção criminal sobre a crise ecológica” e assenta nas três reivindicações referidas. O movimento decretou o período entre 15 e 21 de Abril como a Semana Internacional de Rebelião, apelando a todos os aderentes que promovam acções de desobediência civil, relacionadas com a energia, transportes, alimentação, resíduos e plástico ou decisões políticas, entre outros.

    O apelo tem tido resultados um pouco por toda a Europa, mas com particular incidência no Reino Unido, onde múltiplos protestos já levaram à detenção de mais de 1000 pessoas. Greta Thunberg, a jovem sueca de 16 anos que se transformou numa estrela do combate pelas causas ambientais, está esta terça-feira em Londres para se juntar aos protestos.

    Aos aderentes é pedido que sigam cinco regras nas suas acções: “Temos respeito por toda a gente – uns pelos outros, pelo público, pelos governos e pela polícia”; “Comprometemo-nos com a não violência, física ou verbal, e não usamos armas”; “Não usamos máscaras -somos responsáveis pelas nossa acções”; “Não levamos álcool nem drogas ilegais”; “Assumimos as responsabilidades”. Quem quebrar os termos deste acordo será convidado a sair.

    Em Portugal, a invasão do jantar de aniversário dos socialistas foi a última de uma dezena de protestos que passaram também pela “invasão” da emissão da CMTV ou um protesto em frente à sede da Nestlé. Também interromperam uma palestra do ministro do Ambiente e da Transição Energética, João Pedro Matos Fernandes, e simularam corpos ensanguentados em frente ao Four Seasons Hotel, em Lisboa, onde decorreu a European Climate Summit. O movimento também invadiu a sede da EDP em Lisboa, em “busca do verdadeiro Ministro da Energia, António Mexia”.

    As dez iniciativas – listadas no site da Rebelião de Extinção – Extinction Rebellion Portugal – não tiveram sempre os mesmos rostos, pelo contrário. Um nome que surge em três das acções é o da Climáximo, um movimento de defesa do Ambiente – e há nomes que se repetem neste movimento e na coordenação do ER Portugal.

    É o caso de Sinan Eden, um dos coordenadores do site do ER Portugal, onde é dito que o site “serve meramente como uma ferramenta de coordenação de comunicação. Qualquer pessoa e qualquer colectivo que concorda com os princípios e os valores da Rebelião de Extinção pode formar o seu grupo de afinidade e preparar acções”.

    “As acções são organizadas por grupos autónomos, que definem o que querem fazer, organizam-se, preparam a acção. Nós, na coordenação, ajudamos na comunicação e divulgação”, diz ao DN, acrescentando que “quem se identificar com o movimento pode agir em seu nome. É um processo descentralizado e auto-organizado”. Mas que teve preparação: “Em Janeiro e Fevereiro fizemos umas 20/25 apresentações, por todo o país, sobre a crise climática, os movimentos sociais, a desobediência civil. Fizemos formações de acção directa não violenta e estão a surgir agora as acções”, diz ao DN este jovem de origem turca, também ele de 32 anos, doutorado em matemática.

    “Como foi marcada uma semana internacional de rebelião, o Climáximo olhou para o que se estava a passar e tentou ajudar ao máximo para que esta semana tivesse o maior sucesso possível, também em Portugal”, prossegue Sinan Eden – “Mobilizámos os nossos recursos, os nossos conhecimentos, para esta semana, e simultaneamente a Climáximo organizou três acções que aconteceram esta semana – a interrupção da emissão da CMTV, a invasão da EDP à procura do verdadeiro ministro da Energia, António Mexia, e uma outra no Porto, na refinaria da GALP em Matosinhos, a exigir uma transição energética justa”.

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