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    Manuel Jorge: O ideal renascentista e reconciliador de um intelectual angolano no Exílio

    Da estrita convivência que tivemos com o Doutor Manuel Jorge, tanto em França como esporadicamente em Angola, ficou manifesto o ideal renascentista e reconciliador daquele que foi colaborador do jornal Cultura, nacionalista e intelectual angolano no exílio em Paris desde os anos 70.

    Hoje, quando nos chega a dolorosa e inesperada notí- cia da sua morte, recordamos, em jeito de singela homenagem, a ilustre figura do nacionalista e sério investigador da Cultura e do Direito, um homem cordato e humilde, incapaz de qualquer revanchismo político. Daí ter afirmado, um dia, em entrevista: “Eu sinto-me bem, sinto-me cidadão do país e por isso mesmo posso me sentir também bem com os outros.

    Eu quero o meu bem e quero também o bem dos outros”. O ideal de renascimento que o movia manifestou-se na condução exitosa da Casa de Angola em Paris, onde foram organizados vários debates sobre temas candentes sobre o estado da Nação e os caminhos a seguir.

    A sua postura conciliadora fê-lo tecer considerações como esta: “a identidade não se afirma já como um acto negativo, quer dizer a luta contra alguém, mas a identidade afirma-se como um acto positivo, estar com alguém, como é que podemos estar juntos, mostrar que somos todos angolanos.

    É isso que se chama a reconciliação nacional e/ou a criação da unidade nacional”. O seu amor por Angola inspirou-lhe a redacção do livro Para Compreender Angola, onde defende que a solução do problema social angolano constitui uma das sete chaves do desenvolvimento de Angola.

    A sua dedicação ao Ensino levá-lo-ia a produzir uma obra sobre Direito Comercial. Mas escreveu uma série de artigos e ensaios sobre Direito, bem como prelecções em torno da Literatura e da Cultura angolana.

    A CONSTRUÇÃO DA ANGOLANIDADE

    Em O Papel dos Escritores Angolanos na Construção da Identidade Nacional, Manuel Jorge diz que “no combate para a construção da Identidade Nacional, os escritores sempre estiveram presentes. (…) Manuel Jorge conclui que, na sua Proclamação, adoptada em 1975, a União dos Escritores Angolanos, havia constatado, dentre outras, “a necessidade e a urgência de activar, a partir dessas tradições e conquistas, o inventário cultural do País, no contexto particular do renascimento cultural africano, como contribuição original para um mundo verdadeiramente livre.

    Tratava-se, no fundo, de uma incitação à pesquisa dos elementos susceptíveis de permitir a Construção da Angolanidade. E, com efeito, a questão tinha sido enunciada, desde 1962, por Mário Pinto de Andrade, nos termos seguintes: «Como assegurar o renascimento cultural dos países anteriormente colonizados?

    Que espaço deverá ser reservado à tradição? Como elaborar uma cultura africana original que tenha conta, ao mesmo tempo, a tradição e das aquisições da Civilização Moderna?» A essas questões, graves e profundas, Viriato da Cruz, trouxe alguns dados suplementares, quando dizia: «Os colonizadores portugueses não negam a existência de uma cultura negra; o que eles negam, através de uma argumentação que eles intitulam de «científica» e «definitiva» e, mesmo nos actos – o que é mais importante – é que tais culturas possam servir de base a verdadeiras e novas civilizações».

    Compreende-se, pois, a razão pela qual a luta de Libertação Nacional foi também uma luta pela Identidade Nacional. Porque, no fundo, a soberania não é senão o resultado do esforço feito por uma comunidade, que decide a utilizar, para melhor afirmar a sua existência e a sua originalidade. (…) A realidade política e social de Angola evoluiu muito, antes mesmo que a independência tivesse sido proclamada. Mas, sobretudo, depois que a independência fora proclamada. (…)

    É, pois, a aculturação, independentemente da forma como foi introduzida (forçada, espontânea, natural ou controlada) que exige, que a cultura angolana seja analisada como um «fenómeno social total». (…) Luanda, já não é a «Ilha Crioula», que Mário António de Oliveira descreveu, retomando o delicioso título de Paixão Franco. Onde está o «Muceque Burity», que cantou Tomás Vieira da Cruz?

    Onde estão as «cubatas velhas, vermelhas, com o tecto velho, vermelho e o neto da Ximinha ximbicando na lagoa», que Eleutério Sanches imortalizou? Não, o tempo mudou! É preciso ir mais longe: abrir as portas do futuro, elaborar as condições de uma vida nova, que só os poetas, os escritores, os intelectuais podem imaginar. Como dizia Agostinho Neto: «Temos que ser nós mesmos».

    (Foto: D.R.)
    (Foto: D.R.)

    A Identidade Nacional é um ideal em construção. É por isso que concluí- mos, fazendo nossas as exortações de Maurício Gomes e homenageando, assim, os escritores angolanos: Com letras de ouro, Escreve negro, Escreve irmão, A palavra União. E o que nos une são as nossas diferenças, porque somos todos «Filhos da Pátria», para retomar a expressão de João Melo”, assim conclui o seu ensaio sobre Literatura .

    PERFIL

    Manuel Jorge nasceu em Luanda aos 2 de Janeiro de 1948, onde concluiu o ensino secundário no Liceu Salvador Correia. Estudou Direito na Universidade de Coimbra. Participou na luta de libertação nacional, em Cabinda.

    Auto-exilado em Paris desde 1974, dedicou-se ao ensino do Direito na Universidade Paris Sorbonne René Descartes, advogado em Paris, presidente da Casa de Angola em França e membro do Conselho de Administra¢ção da ENAD em Angola. Tem obras publicadas sobre direito, sociologia, economia e literatura. O ilustre jurista e professor universitário faleceu, há duas semanas, em Paris. (cultura)

    Por: José Luís Mendonça

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