O ADN do Geospiza fortis será o primeiro do projecto BGI – Genoma 10K a ficar disponível na base pública Genome Browser, da Universidade da Califórnia, em Santa Cruz. O simbolismo de este ser o primeiro genoma do projecto escolhido para estar nesta biblioteca não passa despercebido. “É simbólico porque foi a diversidade de fenótipos (características visíveis das espécies) nestes tentilhões que contribuiu para a teoria da evolução de Darwin”, diz Erich Jarvis, num comunicado da universidade.
Erich Jarvis, que é professor da Universidade de Duke, na Carolina do Norte, EUA, estuda a aprendizagem do canto ao nível do cérebro das aves. “O avanço científico [da sequenciação do genoma do tentilhão] vai permitir-nos investigar os genomas de um grupo de espécies que são parentes próximas e têm diversidade suficiente para ajudar a perceber melhor a genética das características [que foram escolhidas] na evolução”, diz o investigador.
Passados 153 anos desde a publicação de Na Origem das Espécies – o livro em que Darwin deu a primeira explicação de como a vida evolui -, os cientistas continuam a tentar perceber os processos mais ínfimos que ocorrem nas células dos organismos e que permitem que haja tanta diversidade de espécies na Terra.
Essa variedade reflecte-se no nome do tentilhão agora sequenciado, uma das 15 espécies de “tentilhões de Darwin”, como são conhecidos, que existem nas Galápagos. O Geospiza fortis tem como nome comum tentilhão-de-solo-médio. Alimenta-se de sementes que estão no chão, nas várias ilhas onde vive no arquipélago das Galápagos. Compete pela comida com outras espécies de tentilhões. Duas delas estão muito próximas a nível evolutivo e pertencem ao mesmo género: é o tentilhão-de-solo-pequeno e o tentilhão-de-solo-grande. A diferença nos nomes destas três aves está no tamanho dos bicos: comem sementes no chão, só que especializaram-se em tamanhos diferentes e os bicos adaptaram-se às dimensões dessas sementes.
Darwin, que chegou às Galápagos em 1835, só se apercebeu destas particularidades muito depois, quando já tinha voltado a Inglaterra. “Ao observar esta diversidade de estruturas num grupo de aves tão pequeno e intimamente relacionado, é possível imaginar que, havendo de início poucas aves neste arquipélago, uma espécie sofreu modificações em diferentes direcções”, escreveu no seu livro sobre as viagens no Beagle.
O BGI – Genoma 10K, que vai sequenciar cerca de um genoma por cada género de vertebrados que existe na Terra (peixes, anfíbios, répteis, aves e mamíferos), é a continuação da tradição deixada por Darwin. O objectivo é “compreender o quão complexa foi a evolução da vida animal através das mudanças no ADN e usar este conhecimento para nos tornarmos melhores guardiões do planeta”, lê-se no site do projecto.
A lista dos primeiros 100 vertebrados que serão sequenciados já está definida pela organização, algumas das descodificações já terminaram, como a do tentilhão, juntando-se a outras 120 espécies de vertebrados cujo genoma já se conhece.
Rápida adaptação
O genoma do Geospiza fortis, publicado na revista GigaScience, foi sequenciado por uma equipa do Instituto Genómico de Pequim, que é um dos colaboradores do BGI – Genoma 10K. Os resultados mostram que esta espécie tem 16.286 genes. “Estes tentilhões são de uma grande importância histórica, mas Darwin dificilmente terá previsto que se iriam tornar o modelo perfeito para estudar a evolução em acção”, diz Goujie Zhang, um dos responsáveis pelo trabalho, referindo-se à capacidade rápida de adaptação da ave.
Nas últimas décadas, cientistas que estudaram a ave testemunharam a adaptação a mudanças climáticas que ocorreu em gerações. “Ter o genoma sequenciado abre portas para estudos que olham para as mudanças a nível genómico relacionadas com esta evolução rápida”, diz Goujie.
Mas este genoma também ajudará a perceber a origem das capacidades vocais deste tentilhão. O Geospiza fortis tem uma linguagem complexa, que não se sabe se é adquirida por um processo de aprendizagem cultural ou se a genética tem um papel nessa aprendizagem, explica Erich Jarvis. Já foram identificados genes importantes para a aprendizagem vocal, mas só numa outra espécie de tentilhão da Indonésia. Por isso, esta sequenciação, diz ainda, contribuirá para “validar essa descoberta”.
Fonte: PUBLICO