Após anos de hesitação, o Brasil não irá, alegadamente, aderir ao projecto de conectividade de um trilhão de dólares da China, a Iniciativa Faixa e Rota (BRI – Belt and Road Initiative, em inglês).
O assessor especial da presidência para Assuntos Internacionais do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Celso Amorim, disse ao jornal O Globo que o Brasil quer avançar na relação com a China sem assinar um “acordo de adesão”.
Em vez disso, gostaria de procurar “sinergias” com a China, projecto a projecto. “Eles ( a China) chamam-lhe cinturão (e estrada)… e podem dar os nomes que quiserem, mas o que interessa é que há projetos que o Brasil definiu como prioritários e que podem ou não ser aceites (por Pequim)”, disse ele.
O chefe de gabinete de Amorim e Lula, Rui Costa, viajou na semana passada para Pequim para discutir o assunto e, segundo consta, regressou “não convencido e nem impressionado”.
Isto pareceu cimentar a oposição interna à BRI entre os conselheiros de Lula. No mês passado, circularam relatos de que diplomatas o aconselharam a adiar uma decisão para depois das eleições nos EUA.
A decisão representa um revés significativo para o presidente chinês, Xi Jinping. A sua próxima visita ao Brasil para a cimeira do G20 em novembro terá sido a ocasião para celebrar finalmente a adesão do Brasil à iniciativa.
Embora a decisão provavelmente lance uma sombra sobre as relações entre a China e o Brasil, Amorim foi rápido a salientar que os dois continuam a ser parceiros económicos e geopolíticos, por exemplo, na elaboração conjunta de um plano de paz para a Ucrânia.
Contudo, em vez de um alinhamento completo, Amorim disse que reflete uma abordagem mais refinada, questão por questão: “A palavra-chave é sinergia. Não se trata de assinar algo como uma apólice de seguro. Não estamos a celebrar um tratado de adesão. É uma negociação de sinergias.”
O Brasil é agora o segundo membro dos BRICS a não aderir à BRI, a seguir à Índia. A posição do Brasil não foi ignorada pela imprensa indiana, onde a decisão está a ser enquadrada como o Brasil “a seguir o exemplo da Índia”. A decisão revela uma clivagem interessante nos BRICS.
O facto de duas das economias mais poderosas (e membros fundadores) do BRICS, o Brasil e a India, terem optado por não aderir à iniciativa de conectividade mais ampla do mundo é significativo.
No entanto, isto também pode reflectir os cálculos internos do Brasil e da Índia baseados nos seus próprios sonhos de se tornarem superpotências, em vez de um desacordo fundamental sobre a BRI entre os BRICS.
A decisão será vista como uma vitória em Washington, especialmente porque se segue aos avisos da Representante do Comércio dos EUA, Katharine Tai, contra a adesão.
Falando num evento em São Paulo na semana passada, Tai disse a Brasília para ver a BRI através de “uma lente objetiva” e focar-se na “gestão de risco”. O jornal estatal chinês Global Times classificou os comentários como “desrespeitosos” para com a soberania do Brasil.
Contudo, a suposição de que a decisão reflecte um alinhamento mais próximo com os Estados Unidos pode ser prematura. Amorim enfatizou que o Brasil quer continuar a trabalhar com a China em projetos importantes, alguns dos quais se estenderão também a outros países sul-americanos.
O Brasil quer também aumentar a cooperação em áreas às quais os EUA se opõem activamente, incluindo os veículos eléctricos e as novas tecnologias energéticas. Amorim disse que a decisão reflete a determinação do Brasil em diversificar as suas opções e parceiros e não depender de ninguém.