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Segunda-feira, Outubro 7, 2024

A quadratura do círculo angolano chama-se bicefalia

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Por: Reginaldo Silva (Jornalista)

Por orientação superior, entenda-se do Secretariado do Bureau Político, os militantes e simpatizantes do MPLA estiveram este fim-de-semana nas ruas, um pouco por todo o país, em demonstrações de apoio à liderança de João Lourenço.

Estas manifestações públicas acontecem pouco mais de uma semana depois do mesmo Secretariado do BP ter organizado em Luanda uma alargada reunião de um dia, numa verdadeira maratona, de milhares de dirigentes das organizações de base do MPLA, vulgo CAPs, provenientes de todo o país, com o próprio João Lourenço.

Tudo isto está a acontecer no ano em que o MPLA se prepara para realizar um surpreendente Congresso Extraordinário que poucos ainda sabem para quê que servirá exactamente, pois praticamente a ninguém convenceu que o mesmo se destinará apenas para fazer o balanço dos 50 anos de independência, conforme consta da sua convocatória oficial.

No meio de todas estas movimentações, incluindo as que estarão a ter lugar nos bastidores e que serão, provavelmente, as mais interessantes, já não restam muitas dúvidas aos observadores que em causa está de facto o futuro político de João Lourenço depois das eleições gerais de 2027 ou antes mesmo.

O MPLA tem o seu Congresso Ordinário agendado para 2026. É nesse conclave que serão tomadas todas as decisões estratégicas a pensar no futuro.

O que de algum modo surpreende é que este tema tenha entrado na agenda política nacional com tanta força e tão cedo, pois este segundo e último mandato presidencial de João Lourenço só agora, no dia 15 de Setembro, completará o seu segundo ano dos cinco previstos na Constituição.

De facto, não é normal tal antecipação, mas a mesma tem explicação tendo como pano de fundo o agravamento extraordinário das condições de vida das pessoas, ou pelo menos da esmagadora maioria dos angolanos, que sobrevive nas fronteiras da pobreza.

Antes de mais importa aqui dizer que depois dos 37/38 anos do consulado de José Eduardo dos Santos (JES), pensava-se que no MPLA nunca mais a sucessão da sua liderança iria constituir algum problema por aí além, com os dramas do costume, definido que estava pela Constituição o limite de dois mandatos para o exercício do cargo de Presidente da República.

Mas o quê que uma coisa tem a ver com a outra?

Por outras palavras, o quê que a liderança de um partido, no caso o MPLA, tem a ver com o desempenho do cargo de Presidente da República?

Angola há muito que deixou de ser um Estado de partido único, embora os adversários do MPLA continuem a dizer que o Partido/Estado nunca desapareceu da paisagem institucional, o que não deixa de ser verdade em parte.

De facto e de jure estamos aqui diante de duas realidades distintas mas que, entretanto, por força dos estatutos do MPLA se cruzam, condicionando fortemente o tempo de permanência da liderança do actual partido dirigente de Angola.

O que ainda é mais curioso é que foi já na liderança de João Lourenço, mais exactamente no Congresso de 2018, que este forte condicionamento estatutário foi criado pelo que ainda é mais difícil entender as actuais movimentações que estão a ter lugar nos bastidores rubro-negros e que cada vez mais claramente apontam para a famosa “bicefalia”, um termo muito caro para quem quiser entender a realidade política angolana do “pós eduardismo”.

Em poucas palavras a história conta-se assim:

Durante a liderança de José Eduardo dos Santos os estatutos do MPLA não diziam como agora dizem expressamente que o Presidente do Partido é obrigatoriamente o seu cabeça de lista às eleições gerais, o que quer dizer que é o candidato ao cargo de Presidente da República.

Assim sendo, a não ser que os estatutos sejam novamente alterados, o Presidente João Lourenço como já não pode candidatar-se a um terceiro mandato por limitação constitucional, também já não pode continuar a dirigir o seu Partido, restando-lhe “pendurar as chuteiras”, o que não parece estar nos seus planos, pelo menos enquanto não for ele a desvendar o “enigma”.

Um “enigma” que ele próprio adensou ainda mais, quando, no discurso de abertura da já referida reunião alargada com os CAPs, deixou entender que o MPLA já tem quadros jovens preparados para o desempenho de todos os cargos, incluindo o de Presidente da República, sem mencionar o da liderança do Partido.

E é aqui que está a actual quadratura do círculo angolano.

É aqui que entra em acção a famosa “bicefalia” que JES ainda tentou implementar após ter percebido que a sua aposta pessoal em João Lourenço tinha saído completamente furada e que ele estava prestes a perder a sua última batalha, a da sucessão, o que acabou por acontecer com todas as consequências que se conhecem e que estão a afectar particularmente os seus filhos.

Pelo que hoje se sabe, JES tentou efectivamente que o MPLA após a sua retirada tivesse um outro Presidente que não fosse João Lourenço, o que iria criar dois centros de poder dentro da mesma família.

Através da bancada parlamentar o novo Líder do Partido teria sempre a possibilidade de bloquear a acção do PR incluindo a sua destituição, através do “impeachment”.

Na altura e depois das eleições de 2017 o MPLA continuava a ter no Parlamento a necessária maioria qualificada (que actualmente já não tem) que lhe permitia dar início a um tal procedimento sem precisar do apoio de mais ninguém.

Dito isto, talvez já se perceba melhor que o regresso à bicefalia com a alteração dos Estatutos do MPLA apresenta-se neste momento como a melhor hipótese de não acontecer a mesma coisa a João Lourenço depois de 2027, tal como aconteceu a JES depois de 2017.

O problema maior agora é como promover esta alteração estatutária que tem de acontecer antes do Congresso Ordinário de 2026. É de facto um grande problema se efectivamente, como sustentam os críticos internos de João Lourenço, um Congresso Extraordinário não tiver competência para tal.

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