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Terça-feira, Outubro 8, 2024

Um grupo de 22 países, incluindo Angola, tornou-se a maior fonte de receitas líquidas do FMI, excedendo os custos operacionais do Fundo.

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O Fundo Monetário Internacional (FMI) é o credor de último recurso para a economia global. O seu papel é prestar apoio aos países membros que enfrentam graves crises financeiras e económicas. O Fundo está em condições de fornecer financiamento a médio e longo prazo a taxas de juro baixas aos países em dificuldade. Contudo, o FMI tem garantido um excedente crescente de entradas de caixa resultantes de operações de crédito que impõem sobretaxas às taxas de juro básicas dos empréstimos do Fundo a um grupo de 22 países, incluindo Angola, que enfrentam crises económicas.

As sobretaxas do FMI são um sistema de taxas sobre empréstimos desta instituição que coloca um fardo injusto sobre países vulneráveis que precisam de apoio financeiro.

O FMI cobra dois tipos de sobretaxas. É cobrada uma sobretaxa, dita de “nível”, de 200 pontos base (2%) sobre qualquer empréstimo pendente da Conta de Recursos Gerais (GRA) do FMI que exceda 187,5% da quota de um país no Fundo. Além disso, é cobrada uma outra sobretaxa, dita de “tempo”, de 100 pontos base (1%) sobre o empréstimo GRA pendente que excedeu este limite em mais de 36 ou 51 meses, dependendo da linha de crédito. As duas sobretaxas podem somar-se, o que significa que um país pode pagar até 300 pontos base (3%), além das taxas de juro e outros encargos do serviço da dívida ao FMI. As sobretaxas são cobradas apenas no crédito GRA.

Para termos uma ideia mais precisa do que isto significa, podemos simular a taxa de juro de um empréstimo do FMI da conta GRA no dia 25 de setembro.

A taxa de base do empréstimo do FMI é 100 pontos base (1%) acima da taxa de juro dos Direitos de Saque Especiais (SDR). A taxa dos Direitos de Saque Especiais (SDR), por sua vez, é determinada pela média ponderada das taxas de juro das cinco principais moedas (dólar norte-americano, euro, libra esterlina, iene japonês e yuan chinês) que compõem o SDR.

Com base no método de cálculo do FMI, a taxa de juro oficial do SDR, ontem dia 25 de setembro, era de 3,6%. Como consequência, a taxa base de um empréstimo do FMI seria de 3,6%+1%= 4,6%. Somando as duas sobretaxas de 2% e 1%, a taxa total para um país sujeito às sobretaxas seria actualmente de 7,6%, mais de 65% acima da taxa de juro base do FMI, o que seria bastante oneroso para países que já se encontram numa profunda crise económica e sem moeda forte.

As sobretaxas do FMI foram estabelecidas pela primeira vez em 1997. Foram introduzidas em resposta ao aumento sistémico das necessidades de financiamento dos países em desenvolvimento junto do FMI. À medida que a dimensão dos programas individuais aumentava, o Fundo considerou necessário proteger a sua capacidade de empréstimo, impondo sobretaxas para penalizar os países que contraíram empréstimos muito acima das suas quotas e/ou que demoraram a reembolsar o excesso acima das suas quotas.

Que países são afetados pelas sobretaxas do FMI?

O FMI nunca foi muito transparente em relação a esta questão. Durante muitos anos, as sobretaxas foram aplicadas de forma opaca. Os relatórios nacionais do FMI referiam apenas às “taxas de juro e outros encargos do serviço da dívida”.

Só recentemente, o FMI começou a publicar dados sobre os pagamentos de sobretaxas através da sua ferramenta de consulta de dados financeiros em 2023. Esta medida representou um passo em frente em termos de transparência. Mas, embora os dados retrospectivos sejam presumivelmente exactos, as projecções futuras são incompletas.

A nossa análise baseia-se nos dados oficias do FMI e na investigação que realizámos em publicações de instituições de renome internacional como a Eurodad, Centro de Investigação Económica e Política (CEPR), Rede Europeia sobre Dívida e Desenvolvimento. Mais recentemente, o Prémio Nobel da Economia Joseph Stiglitz escreveu um artigo com outros economistas sobre o tema.

Com base nas várias fontes, em 2021, quinze países pagavam ao FMI sobretaxas anteriormente e continuam a fazê-lo: Angola, Argentina, Armênia, Barbados, Costa Rica, Equador, Egito, Gabão, Geórgia, Jordânia, Mongólia, Paquistão, Seychelles, Tunísia e Ucrânia.

Os empréstimos do FMI aos 15 países que desencadearam as sobretaxas foram concedidos antes da pandemia da Covid-19 em 2020. Depois da Covid-19, juntaram-se mais sete países em 2023: Benim, Costa do Marfim, Quénia, Moldávia, Macedônia do Norte, Senegal e Sri Lanka.

Qual é o custo das sobretaxas do FMI para esses países?

Para melhor contextualizar a questão, segundo dados oficiais do FMI, Angola contraiu um empréstimo de 3,2 mil milhões de SDR (1 SDR = 1,45 USD em 2018) em Dezembro de 2018. Na altura, o empréstimo representava 432% da quota de Angola no FMI. Consequentemente, este empréstimo estaria sujeito a uma sobretaxa de 2%, para além da taxa de juro base do FMI.

O empréstimo expiraria em Dezembro de 2021. No entanto, em 31 de Agosto de 2024, o saldo em dívida era ainda de 2,9 mil milhões de SDR (1 SDR = 1,35 USD), representando 404% da quota de Angola no FMI, o que implicaria uma sobretaxa adicional de 1 %, por falta de reembolso atempado acima do limite de 187.5% da quota. Dado que o empréstimo foi concedido em 2018, presume-se que Angola esteja a pagar uma sobretaxa ao FMI de 3% sobre o empréstimo, além da taxa de juro base.

A partir do próximo ano, o serviço da dívida de Angola (juros, encargos, sobretaxas e capital) deverá disparar, passando de 139 milhões de SDR em 2024 para 572 milhões de SDR em 2025, 703 milhões de SDR em 2026, 662 milhões de SDR em 2027 e 622 milhões de SDR em 2028.

Não conseguimos encontrar informação detalhada sobre o valor das sobretaxas na base de dados do FMI. Mas os documentos que consultámos, nomeadamente do CEPR, indicam que o valor poderá atingir anualmente até 30% dos valores acima.

É claro que estes dados são imprecisos devido à falta de transparência na comunicação dos dados oficiais relativamente às sobretaxas da dívida de Angola ao FMI. Tal como o Quénia está a fazer, só uma auditoria à dívida pública de Angola permitiria uma maior clareza não só sobre as sobretaxas ao FMI, mas também sobre as condições menos transparentes de outros empréstimos.

Leia mais aqui: Quénia inicia auditoria da dívida pública para garantir mais responsabilidade e transparência, diz ministro das finanças

Num contexto mais geral, Stiglitz e os co-autores do artigo acima referido criticaram duramente a política de sobretaxas do FMI, alegando que a política do Fundo conduziu a uma situação indecorosa.

Segundo Stiglitz, um grupo de 22 países em dificuldades financeiras tornaram-se a maior fonte de rendimento líquido do Fundo Monetário Internacional nos últimos anos, com pagamentos que excedem os custos operacionais do Fundo.

A instituição encarregada de fornecer o bem público global de um sistema financeiro internacional que funcione bem, está, na verdade, a pedir aos países que mal conseguem pagar as suas próprias contas que paguem a conta do resto do mundo.

Esta situação inconveniente é o resultado da política de sobretaxas do FMI, que cobra taxas adicionais aos países que excedem os limites no montante ou na duração dos seus empréstimos do Fundo.

A posição do FMI sobre a política de sobretaxas

O FMI é um credor preferencial, o que significa que os países devem pagar ao Fundo antes dos outros credores. Portanto, não faz muito sentido aplicar sobretaxas, porque se os países não podem pagar ao FMI, também não podem pagar a nenhum outro credor.

Acumular sobretaxas sobre aquilo que os países já devem exige que estes disponibilizem mais divisas escassas para pagar ao FMI, limitando a capacidade desses países de fazer face às despesas prioritárias de desenvolvimento, especialmente num momento em que os países em desenvolvimento deveriam estar a aumentar o investimento para atingir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas para 2030 e a transição energética sob o acordo climático de Paris .

Nos últimos anos, vários líderes mundiais , o grupo G77 de países em desenvolvimento, autoridades da ONU , especialistas em direitos humanos da ONU , economistas importantes , organizações da sociedade civil e outros pediram a suspensão ou eliminação completa da política de sobretaxas do FMI.

É certo que o FMI reconhece que o sistema é injusto e já se comprometeu a reformá-lo nas Reuniões de Primavera do FMI/Banco Mundial em abril de 2024. O FMI deverá apresentar uma proposta nesse sentido nas Reuniões anuais do FMI/Banco Mundial em finais de outubro.

No entanto, o FMI não será capaz de reformar o sistema sem o acordo dos seus principais accionistas, os Estados Unidos e a Europa.

Numa altura em que as parcerias estratégicas globais estão a ser redefinidas, e em que os Estados Unidos e a Europa procuram alianças estratégicas com África para contrabalançar a hegemonia da China no continente africano, seria importante que tanto os Estados Unidos como a Europa tomassem uma abordagem concreta para reformar o sistema financeiro internacional.

De um modo geral, muitos economistas são da opinião que os retornos dos empréstimos e dos investimentos em capital em África sobrestimam sistematicamente o risco, fazendo com que estes países enfrentem taxas de juro ajustadas ao risco muito mais elevadas do que seriam “normais”.

Angola vai receber o Presidente dos EUA, Joe Biden, no dia 13 de Outubro, duas semanas antes da reunião anual do FMI/Banco Mundial. Seria uma excelente oportunidade para o Presidente de Angola, João Lourenço, reiterar ao seu homólogo americano o apelo que fez na Assembleia Geral das Nações Unidas para a promoção de um sistema financeiro internacional mais justo. Uma iniciativa conjunta dos dois Presidentes reforçaria o movimento no sentido da reforma do sistema financeiro internacional.

Leia mais aqui: PR advoga na ONU sistema financeiro internacional mais justo

Na verdade, não vale a pena apontar o dedo à China pelas suas práticas opacas em relação aos empréstimos aos países africanos, se instituições como o FMI não derem o exemplo em termos de transparência e justiça. Caso contrário, seria como apontar o dedo diante de um espelho.

Por: José Correia Nunes
Director Executivo Portal de Angola

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