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Domingo, Novembro 3, 2024

Angola Estado da Nação 2024: João Lourenço destaca endividamento responsável

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(Actualizado)

Com pouco mais de duas horas de duração, o “Discurso sobre o Estado da Nação” que o Presidente João Lourenço apresentou na terça-feira (15/10) a Assembleia Nacional uma vez mais esteve muito longe de reunir qualquer consenso junto da opinião pública e publicada.

Sendo também uma missão impossível em Angola agradar a gregos e a troianos, alguns observadores ainda admitiram a possibilidade que desta vez João Lourenço iria tentar fazer um “Discurso sobre o Estado da Nação” que se aproximasse mais do país real que é aquele que existe no quotidiano das pessoas, para além das estatísticas oficiais e dos números/projectos constantes dos relatórios sectoriais.

João Lourenço que já vai no seu sétimo “Discurso sobre o Estado da Nação” desde que em 2017 chegou à Presidência da República, não tem conseguido fazer a diferença com o modelo adoptado por José Eduardo dos Santos, que acaba por se consubstanciar na apresentação de um relatório síntese sobre as principais realizações do Executivo e pouco mais.

Um relatório que ignora, inclusivamente, as contribuições que os outros sectores da actividade socio-económica geridos por particulares têm dado à solução dos grandes problemas que o país enfrenta, com destaque para a saúde e a educação.

Esta sessão solene de abertura do novo ano parlamentar acabou, entretanto, por ser marcada por alguns incidentes que não abonam em nada o estado das liberdades em Angola.

Em causa esteve um ostensivo e prolongado acto de censura praticado pela TV Parlamento que não permitiu que o país acompanhasse em directo a plenária conforme ela estava a acontecer.

Apenas foram transmitidas as imagens da bancada parlamentar do MPLA ovacionando o discurso, enquanto o mesmo não aconteceu com bancada da UNITA cujos deputados foram para o hemiciclo com cartazes contendo dísticos como “Acabe com a ditadura”, “O Povo Quer Autarquias”, “Liberte os Presos Políticos”, “O Povo tem fome”, “Angola quer reformas”, “ Presidente demita-se”.

A tensão na Assembleia aumentou ainda mais quando para além da silenciosa exibição dos cartazes de protesto, os deputados da UNITA vaiaram o Presidente João Lourenço numa das passagens do seu quilométrico discurso relacionada com a nova Divisão Politico-Administrativa do país, o que levou o próprio orador a ameaçar que se iria retirar da sala, caso o barulho continuasse.

A transmissão televisiva, que é da exclusiva responsabilidade do sector de comunicação institucional do Parlamento, não conseguiu abafar a ruidosa manifestação, mas continuou a censurar as imagens até ao fim da transmissão que foi a mesma que o público viu nos três canais televisivos que o país dispõe nesta altura, a saber, TPA, TV-Zimbo e Rede Girassol.

O país está a crescer e o envidamento continua sob controlo

As primeiras considerações do Presidente João Lourenço foram para a situação macroeconómica de Angola.

Nos dois últimos trimestres do ano em curso, segundo os dados disponibilizados por ele, “a economia nacional registou um crescimento de 4,3%, o que nos encoraja a seguir em frente com optimismo. Embora permaneça uma pressão inflacionista na nossa economia, um conjunto de medidas e acções vêm sendo feitas no sentido de reduzir o custo de vida que aflige os trabalhadores e os cidadãos no geral”.

E pouco mais disse, em concreto, sobre o agravamento das condições de vida da maior parte da população angolana, numa altura em que de facto a situação de pobreza é aquela que mais inspira cuidados e devia priorizar as atenções do Governo, na opinião convergente dos especialistas.

Para João Lourenço “os desafios do crescimento sustentado ainda são elevados, pelo que continuaremos a trabalhar para consolidar a reestruturação da economia nacional, aumentar a produção nacional, particularmente de bens alimentares, diminuir a dependência de choques externos, estabilizar os preços dos principais produtos de consumo e assim assegurar a prosperidade de todos”.

O problema deste crescimento económico, a comprovar-se que ele está efectivamente a acontecer e é sustentável nas percentagens referidas, é que o mesmo acaba por ser residual para fazer face aos enormes desafios sociais que hoje se colocam ao país, o mais importante dos quais é sem dúvida a criação de novos postos de trabalho na casa das centenas de milhares.

O que de facto se tem assistido, o que ainda agrava mais a débil situação sócio-económica do país, é a falência de empresas e a perda de mais postos de trabalho, algumas vezes até como resultado de dívidas não pagas pelo próprio Estado aos seus fornecedores de bens e serviços.

Hoje já há mesmo empresários que têm vindo para a praça pública acusar o Estado angolano de ser o principal obstáculo ao crescimento económico que para fazer aos actuais desafio teria de ser de dois dígitos e por vários anos consecutivos.

Falando seguidamente do estado das finanças públicas, João Lourenço disse que “apesar das adversidades e incertezas que vêm de fora e dos desafios internos, as finanças públicas do país continuam sólidas e resilientes”.

No que toca ao endividamento do Estado angolano cujo reembolso actualmente consome mais de metade dos recursos disponibilizados pelo OGE, João Lourenço traçou o seguinte quadro:

“As condições de financiamento e o efeito taxa de câmbio motivaram um aumento do rácio da dívida pública, tendo atingido 88% do PIB em 2023, contrariando a trajectória descendente que vínhamos fazendo até 2022, altura em que o rácio dívida-PIB chegou aos 69,9%. Contudo, até Julho do corrente ano, o rácio da dívida governamental atingiu os 67,2% do PIB, confirmando a tendência de um endividamento público responsável”.

De acordo com os números avançados pelo Presidente da República a “dívida pública, avaliada em 2023 em 55,39 biliões de Kwanzas, continua a ser uma dívida sustentada e temos sido capazes de honrar os nossos compromissos. As nossas reservas internacionais mantêm-se em cerca de 14 mil milhões de dólares dos Estados Unidos da América, o que representa uma cobertura de sete meses de importações.”

João Lourenço concluiu estas primeiras considerações sobre a situação macroeconómica do país destacando ser “essencial que continuemos a trabalhar para a estabilidade e a robustez das nossas finanças públicas, para que tenhamos cada vez melhores condições de implementação de um conjunto de medidas e investimentos voltados para o bem estar dos angolanos, com realce para os domínios da saúde e da educação.”

Porquê mais endividamento externo para apoiar os pobres?

Concretamente nesta matéria relacionada com o apoio directo do Estado às populações mais vulneráveis, João Lourenço referiu-se com alguma substância ao projecto Kwenda.

“Quando falamos em atenção e apoio às populações mais vulneráveis, não podemos deixar de destacar o Programa Kwenda, que está a levar esperança a muitas famílias. Em pleno quarto ano de implementação, o Kwenda chegou a 94 municípios, mais 54 do que inicialmente previstos, cadastrou 1 667 906 agregados familiares e já permitiu transferências sociais monetárias a 1 058 367 agregados familiares.”

Importa realçar, acrescentou João Lourenço, “que 70,5% dos beneficiários são mulheres. Com o Kwenda, estamos não só a fazer transferências monetárias, como também a trabalhar para a inclusão produtiva das famílias. Neste domínio, estão implantados noventa bancos de sementes, 54 caixas comunitárias e múltiplas acções de repovoamento animal. As evidências demonstram que estamos a proporcionar às famílias beneficiárias, melhorias na segurança alimentar e nutricional, no acesso aos serviços sociais básicos, bem como no investimento directo na produção agrícola, pecuária e em pequenas atividades comerciais.”

João Lourenço rematou este capítulo do seu Discurso fazendo um anúncio:

“É com bastante satisfação que anuncio a extensão do Programa Kwenda por um período de mais cinco anos até 2029 após a recente aprovação pelo Banco Mundial de um empréstimo adicional de 400 milhões de dólares dos Estados Unidos da América, como reconhecimento não só dos efeitos positivos para as vidas das famílias, mas também do rigor e da transparência como o Programa tem sido gerido.”

O que não se percebe muito bem é qual a razão de mais endividamento externo para apoiar directamente a luta contra a pobreza em Angola.

De acordo com a narrativa oficial, o Estado tem estado a recuperar entre activos financeiros e patrimoniais largas centenas de milhões de dólares no âmbito da luta contra a corrupção.

A questão que se coloca tem a ver com a utilização destes activos, fazendo todo o sentido que os mesmos fossem usados em projectos como o Kwenda tendo em conta a prioridade que constitui este apoio à população mais vulnerável que não tem parado de aumentar e a olhos vistos.

Já é neste momento uma das imagens mais chocantes que se podem observar nas grandes cidades do país, com destaque para Luanda, aquela onde as pessoas se alimentam dos restos que vão parar aos contentores de lixo.

Por: Editor Político com RS em Luanda
Portal de Angola

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