Além dos pais e filhos, também os avós a cargo são incluídos no quociente familiar que determina a colecta do IRS. Grupo de peritos fiscais já concluiu projecto de reforma. Última palavra cabe ao Governo.
Quando em Julho apresentou o projecto preliminar de reforma do IRS, a comissão de peritos fiscais nomeada pelo Ministério das Finanças propôs uma alteração de fundo na forma como se determina a colecta do IRS. Em vez de o rendimento de um casal ser dividido por dois para se apurar o escalão e a taxa a pagar, os filhos também passariam a ser considerados neste cálculo. Agora, na proposta final, o grupo de trabalho recomenda que os ascendentes a cargo (avós, por exemplo) também sejam englobados neste “quociente familiar”. Esta é uma das alterações que, de acordo com as informações recolhidas pelo PÚBLICO, deverão constar do projecto final de reforma que a comissão de peritos fiscais tem de entregar nesta terça-feira ao Ministério das Finanças.
É condição que o ascendente viva com os sujeitos passivos (em comunhão de habitação), confirmou o PÚBLICO. Outro requisito discutido pela comissão deverá estabelecer que a pessoa em causa não tenha rendimento superior à pensão mínima do regime geral (259,4 euros), tal como a regra que hoje se aplica nas deduções à colecta.
Para se calcular a taxa de IRS, o rendimento colectável de um agregado familiar é actualmente dividido pelo número de sujeitos passivos (por exemplo, o rendimento de um casal é dividido por dois). No relatório preliminar entregue à ministra das Finanças a 18 de Julho, a comissão presidida pelo fiscalista Rui Duarte Morais propunha que fosse acrescentada uma ponderação de 0,3 pontos por cada filho (nesse caso, o rendimento de um casal com dois filhos seria dividido por 2,6).
Na versão final do documento deverá ser igualmente proposto que aos ascendentes a cargo seja atribuída uma ponderação de 0,3 pontos. Veja-se a situação de um casal com dois filhos e com um ascendente a viver em comunhão de habitação. Aqui, o rendimento colectável da família, actualmente dividido por dois (os sujeitos passivos), passaria a ser dividido por 2,9 – o mesmo cálculo que é feito, por exemplo, nas situações em que o casal tem três filhos, mas sem ascendentes a cargo.
Na versão preliminar, o grupo de trabalho deixou de fora esta solução, para “simplificar e, sobretudo, para limitar o impacto orçamental da mudança de regras”, admitindo que a medida fosse alterada “no futuro”. E ainda na última sexta-feira, o presidente da comissão de reforma admitia, numa conferência sobre o IRS, que o conceito de agregado familiar para efeitos fiscais fosse revisto.
Incluir não apenas os filhos, mas também os ascendentes foi, aliás, uma das propostas que a Confederação Nacional das Associações de Família (CNAF) fez chegar à comissão de reforma, durante o período de consulta pública do documento. “A reforma [anteprojecto] já dá passos interessantes no sentido de dar algum apoio à família. Considerar os ascendentes no quociente familiar incentiva a que haja uma assistência mais humana, porque abriria portas a que um maior número de famílias optasse por ter em casa os ascendentes”, diz o secretário-geral da CNAF, Hugo Oliveira.
A mudança proposta em Julho pela comissão de peritos fiscais, próxima do modelo francês, não é consensual e gerou desde então um intenso debate entre fiscalistas. Mesmo quem aponta limitações e fragilidades reconhece que se trata de uma alteração profunda. Mónica Costa e Joana Borralho, da consultora EY, chamaram mesmo à proposta “uma ‘revolução coperniciana’ na tributação das famílias”.
Para compensar a perda de receita para o Estado causada pela introdução deste “quociente familiar”, a comissão propôs criar um sistema de deduções fixas e iguais para todos – outra sugestão que divide fiscalistas.
Em vez de os contribuintes terem direito às deduções em função das despesas de saúde, educação e habitação, até um determinado limite (1250 euros para quem tem um rendimento anual entre 7000 e 20.000 euros e zero para rendimentos acima de 80.000 euros), a comissão propõe que passe a haver deduções fixas por sujeito passivo.
Para isso, traçou vários cenários, em função daquilo que o Governo quiser compensar a “receita perdida” com a passagem para o quociente familiar. No cenário mais favorável para os contribuintes, a dedução fixa ficava em 330,95 euros por sujeito passivo e em 321,95 euros por dependente.
Uma das interrogações que ensombra é o que o Governo vai fazer em relação à sobretaxa do IRS de 3,5%. A comissão de reforma recomenda a redução progressiva em função das disponibilidades orçamentais. O secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Paulo Núncio, tem repetido que o combate à fraude e economia paralela poderá ser decisivo na reforma do IRS, mas não se comprometeu com a descida da sobretaxa. Cabe agora ao executivo apresentar a reforma, o que deverá acontecer nas vésperas da divulgação da proposta de Orçamento do Estado para 2015 (até 15 de Outubro). (publico.pt)