Em 2015, April Corley ficou gravemente ferida e perdeu o namorado num ataque do exército egípcio. É agora uma pedra no sapato nas relações de Trump com um Governo que apoia, numa zona geopoliticamente sensível
As férias que April Corley tinha planeado para setembro de 2015 deveriam ser de sonho. Instrutora de pilates, patinadora e coreógrafa, já tinha dado a volta ao mundo numa digressão de Madonna, foi protagonista num vídeo de Chet Faker e treinou a cantora Katy Perry. Viajava pelo Egito com o namorado, o mexicano Rafael Bejarano, e desconfiava que ia ser pedida em casamento. Nunca o chegou a saber.
De visita ao Deserto Ocidental, dava cambalhotas na areia e era fotografada por Bejarano quando, de um momento para o outro, passou a ver tudo negro. Aparentemente, forças do exército egípcio, em helicópteros, tomaram o grupo de turistas por jiadistas. Foi atingida no ombro, clavícula, num dos braços e nas costelas, perdeu parte dos músculos. E, ainda pior, perdeu o namorado.
“Fiz-me de morta,” descreve ao “Guardian”, frisando que o fogo sobre o grupo durou horas. Ao todo, morreram 12 pessoas no ataque: oito turistas mexicanos e quatro guias egípcios. A família de Corley teve de reunir fundos para que pudesse ser transportada de emergência para os Estados Unidos.
As lesões deixaram-na permanentemente debilitada, para além de sofrer de stress pós-traumático. O Governo egípcio ofereceu 133 mil euros como compensação – o que nem sequer cobre a sua viagem de regresso aos EUA –, Corley pede 12,5 milhões de euros. Mas, para além disso, quer travar um negócio milionário: a venda ao Egito de armamento americano, que atinge os mil milhões de euros por ano. O ataque à caravana onde seguia foi feito com helicópteros Apache AH-64E, fabricados pela Boeing, e a antiga patinadora quer precisamente impedir a venda acordada de mais 10 unidades, no valor de quase 900 mil euros.
Isto torna-a uma pedra no sapato nas relações entre os Estados Unidos e o Egito, que se têm tornado cada vez mais próximas desde que Donald Trump é Presidente. Os advogados de Corley pedem a Trump que o assunto faça parte da agenda quando Abdel Fattah el-Sisi, Presidente do Egito desde 2014, visitar Washington na próxima semana.
O Governo americano transferiu cerca de 175 mil euros de financiamento para as forças armadas egípcias em julho, verba que esteve retida devido às dúvidas sobre o cumprimento dos direitos humanos naquele país africano. Mas, num memorando entretanto divulgado, o secretário de Estado Mike Pompeo exigia que o fluxo continuasse, apesar das condições “continuarem a deteriorar-se” no Egito. Em documento oficial, Trump pede a Pompeo que informe o Congresso americano sobre a evolução das negociações da compensação de Corley. Seis congressistas pediram a Pompeo que o financiamento ao país seja reduzido.
No Egito, as notícias do ataque foram censuradas, enquanto o Governo, depois de inicialmente lamentar o acidente, acusou a agência de viagens de levar o grupo para um “local restrito”, isto apesar da rota ser usada regularmente por turistas. Corley, hoje com 40 anos, continua à espera, mas a “realpolitik” deverá continuar a impor-se.
“Apesar de terem continuado a existir irritantes nas relações entre os EUA e o Egito, como o caso Corley, não há qualquer indicação de que haja uma mudança de política da administração Trump”, declarou Michael Wahid Hanna, especialista da Century Foundation em política americana no Médio Oriente, ao “Middle East Eye”.