Doutorado em linguística africana pela Universidade de Paris V René Descartes, Sorbonne, José Domingos Pedro é director-geral do Instituto de Línguas Nacionais, órgão tutelado pelo Ministério da Cultura. Nesta entrevista ao Jornal de Angola, o também docente da Faculdade de Letras da Universidade Agostinho Neto, falou do estado actual do ensino e da protecção das línguas nacionais e anunciou a realização, nos dias 2 e 3 de Junho, do terceiro seminário sobre a uniformização da ortografia das línguas nacionais.
Jornal de Angola – Acha que a evolução tecnológica circunscreve, cada vez mais, os limites lexicais das línguas nacionais, ou devemos entendê-las num quadro antropológico e linguístico específico?
José pedro – As línguas nacionais estão a ser objecto de desenvolvimento, no âmbito de um projecto denominado “Desenvolvimento das Línguas Nacionais”. O projecto consiste na elaboração de estruturas lexicais temáticas nos mais variados domínios da vida pública e de dicionários bilingues línguas nacionais-português e vice-versa. Estou a falar, por exemplo, de léxicos temáticos nos domínios da saúde, administração, agricultura, vida económica, justiça, expressões culturais e artísticas.
JA – Em que estado se encontra o projecto de introdução das línguas nacionais no ensino e na administração pública?
JP – Embora não seja um assunto da responsabilidade directa do Instituto de Línguas Nacionais devo dizer, enquanto parceiro do órgão responsável, o INIDE, do Ministério da Educação, que este projecto se encontra em fase experimental, com enormes probabilidades de êxito.
JA – Existe o mapeamento das línguas nacionais e o cálculo estatístico do coeficiente de falantes?
JP – Os trabalhos até aqui realizados sobre o mapeamento das línguas nacionais e o cálculo estatístico do coeficiente de falantes precisam de actualização e aprofundamento. Zavoni Ntondo e João Fernandes, por exemplo, publicaram um trabalho nesse sentido, intitulado “Angola: povos e línguas”, onde se nota um exercício de actualização dos dados de José Redinha. A lista exacta das línguas e suas variantes faladas em Angola continua incompleta e sem informação verificável sobre as relações genéticas existentes entre as variantes. Para colmatar todas essas lacunas, o Instituto de Línguas Nacionais estabeleceu uma parceria com a Wycliffe RTS, e no mês de Abril começou em Cabinda o projecto denominado “Mapeamento Linguístico de Angola”. A Wycliffe trouxe a Angola uma pesquisadora norte-americana, de nome Linda Jordan, especializada em mapeamento linguístico. Com ela os técnicos do Instituto de Línguas Nacionais vão percorrer todas as províncias do país, para recolher dados linguísticos que incluem listas de palavras, questionários e medição do grau de intercompreensão entre as variantes. Uma vez recolhidos os dados no terreno, passa-se à fase do seu tratamento, que inclui transcrição, tradução e interpretação. Depois de Cabinda, os trabalhos prosseguem no dia 29 de Maio na província do Kwanza-Sul, em conjunto com a Direcção Provincial da Cultura. Julgamos ser um projecto importante, com resultados a breve trecho.
JA – O Instituto de Línguas Nacionais promove trabalhos de investigação no domínio da literatura oral e da filosofia dos costumes?
JP – Claro que sim. O Instituto de Línguas Nacionais é o órgão do Ministério da Cultura vocacionado para a investigação científica das línguas nacionais e das tradições orais. A área que se ocupa, dentre outros, do estudo da literatura oral e da filosofia dos costumes é o Departamento de Estudos da Tradição. Angola está envolvida num projecto da União Latina denominado “Multiculturalidade e Plurilinguismo: Tradição Oral e Educação Plurilingue”. Este projecto tem por objectivo principal a recolha de contos em línguas nacionais, para a sua utilização no sistema educativo de tipo plurilingue. Neste sentido, o resultado deste trabalho é a edição de manuais de ensino com contos em várias línguas nacionais traduzidos para português.
JA – O estatuto das línguas nacionais prevê a protecção e promoção do grupo linguístico Khoisan?
JP – A Proposta de Lei sobre o Estatuto das Línguas Nacionais prevê a protecção e promoção de todos os grupos etnolinguísticos de Angola, sem excepção. Está programado para os dias 2 e 3 de Junho o terceiro seminário sobre a uniformização da ortografia das línguas nacionais. Este seminário enquadra-se num projecto conjunto entre o Instituto de Línguas Nacionais e o Centro de Estudos Avançados de Sociedades Africanas da Cidade do Cabo e dá continuidade aos trabalhos sobre a uniformização da ortografia da língua Khoisan. O primeiro e o segundo seminário dedicaram-se à uniformização da ortografia das línguas Bantu.
JA – Podemos considerar conclusivos os estudos fonéticos, fonológicos, morfossintácticos, lexicais e semânticos das línguas nacionais, visando a sua introdução no ensino?
JP – De um modo geral não. Podemos sim dizer que os estudos até aqui produzidos permitiram a elaboração dos manuais e de outras ferramentas necessárias para a inserção das línguas nacionais no sistema educativo.
JA – Existem projectos de formação de formadores em línguas nacionais?
JP – O INIDE tem realizado sessões de formação nesse domínio, em parceria com algumas instituições da região austral do nosso continente.`
JA – Conceito de norma é funcional em relação às línguas nacionais, ou seja, que franjas das comunidades detêm o privilégio de bem falar as suas línguas locais?
JP – Cada uma das línguas nacionais desmultiplica-se num certo número de variantes no seio das quais quem comanda é a variante padrão.
JA – Falando em norma, estão estabilizados os grafemas que melhor reproduzem a fonética das línguas nacionais?
JP – Estamos justamente a tratar disso no âmbito do projecto conjunto entre o ILN e o Centro de Estudos Avançados de Sociedades Africanas da Cidade do Cabo. Dentro de pouco tempo vamos publicar os resultados dessa parceria, ou seja, a “Ortografia Uniformizada e Padronizada das Línguas Nacionais”. E aqui estou a falar das línguas Bantu e Khoisan. Depois disso, todos os utilizadores das línguas nacionais têm à sua disposição uma importante ferramenta para a escrita. E aqui lanço um repto aos órgãos de imprensa escrita para o surgimento do serviço de informação em línguas nacionais, à semelhança do que fazem a RNA e a TPA. O ILN é o Ponto Focal da Academia Africana de Línguas – ACALAN (uma instituição especializada da União Africana em matéria de línguas). Está em estudo organização, em Angola, de um seminário para a formação de jornalistas em línguas nacionais. A ACALAN foi fundada em 2006 e tem por missão contribuir para o desenvolvimento e integração de África através da promoção e valorização das línguas africanas em todos os domínios da vida pública.
JA – Os cantores, compositores e intérpretes da Música Popular procuram o Instituto de Línguas para correcção dos seus textos cantados?
JP – Infelizmente não. Nem para a correcção, nem para a aprendizagem da sua leitura. E quem não procura é porque não se preocupa. É preciso que os cantores, compositores e intérpretes se preocupem com esta questão de suma importância para uma melhor divulgação e preservação dos nossos valores culturais. A música não é só voz, rítmica, harmonia e melodia. Ela vale sobretudo pela mensagem que veicula. E quando esta mensagem, em línguas nacionais, não é bem veiculada são valores que se perdem. Estou lembrado do jovem que venceu o concurso “Angola Encanta”. Um jovem com uma voz maravilhosa, que parecia já um artista consagrado. Quando numa das suas participações ele interpretou a música “Candinha” de David Zé, logo percebi que, infelizmente, o candidato não dominava as palavras em kimbundu da letra da canção. De um modo geral, deviam procurar o Instituto de Línguas Nacionais não só aqueles que me perguntou, mas todos os utilizadores das línguas nacionais para o bem da cultura nacional.