
O economista português João Duque defende que no fim desta primeira quinzena de Outubro, o mundo vai saber se a União Europeia sobrevive à crise da dívida. E não acredita que o bloco resista a uma situação que ponha em causa a moeda única: “a União Europeia implode sem o euro”.
Jornal de Angola (JA) – O que é que está a acontecer com as economias mundiais?
João Duque (JD) – Os países desenvolvidos debelaram a crise que surgiu em 2008 através da intervenção dos Estados com investimentos de grande porte para, por essa via, compensar a quebra do investimento do sector privado e assim aguentar a economia e os postos de trabalho.
JA – Estavam todos nas mesmas condições?
JD – Havia países muito endividados e aqueles que estavam relativamente pouco endividados. Além disso, havia países com boas perspectivas de crescimento e países sem grandes perspectivas de crescimento. Quando um país está muito endividado e com poucas perspectivas de crescimento, tenta sair da crise à custa de mais endividamento, mas ninguém acredita que vá saldar as dívidas no futuro.
JA – O que está a acontecer hoje a nível económico e financeiro?
JD – Há países muito endividados e com muito crescimento, outros muito endividados e com pouco crescimento. Há também países pouco endividados e com muito crescimento e pouco endividados mas com pouco crescimento. Os países muito endividados e com poucas perspectivas de crescimento mergulharam numa nova crise, que é a crise da dívida soberana que está agora a afectar o sistema bancário.
JA – Quais eram os traços da crise de 2008 e quais são os traços da actual crise?
JD – Em 2008 aconteceu a perda de confiança no sector financeiro que se reflectiu rapidamente no sector bancário, onde houve perdas de capital da ordem dos 50 por cento e desvalorizações no mercado de capitais também na ordem dos 50 por cento. Atingiu outras empresas, porque quando o sector bancário vai abaixo isso afecta tudo e o custo do capital tende a subir significativamente. Isto afecta toda a economia. Portanto, em 2008 houve um problema do mercado de capitais, das bolsas.
JA – Quais foram os sinais da crise?
JD – A contracção que se verificou a seguir a 2008, contaminou a economia e os bancos ficaram com menos capacidade de concessão de crédito e essa retracção do crédito levou a um impacto negativo na economia. Ora, quando a economia começa a abrandar é necessária a intervenção dos Governos. Em 2009 e 2010 com a intervenção dos Estados houve défices elevados e a necessidade de uma injecção de dívida pública para compensar a quebra do investimento privado e a quebra do consumo privado.
JA – E quais são os sinais da crise actual?
JD – Agora temos Estados muito endividados. Em consequência, em alguns casos, o excesso de défice veio contaminar a credibilidade dos países, a credibilidade das suas empresas, porque, a partir daí, é muito difícil os mercados emprestarem dinheiro. Ao não terem capacidade para se endividar, os países não vão ter capacidade para cumprir as suas obrigações. É por isso que, na Europa, houve intervenções do Fundo Europeu de Estabilização Financeira (FEEF) e do Fundo Monetário Internacional (FMI).
JA – Os países endividados perderam a confiança dos mercados?
JD – E há uma desconfiança sobre a banca europeia que está com dificuldades para se endividar no mercado internacional. Afectando a capacidade de se financiar no mercado internacional, a banca europeia não tem capacidade de crédito. Ao não ter capacidade de crédito significa não ter capacidade para alimentar o crescimento económico da Europa. A economia da Europa é o pulmão do mundo por isso a crise é global.
JA – O que está a acontecer agora é consequência da crise de 2008?
JD – Considero que desde 2008 surgiram várias crises em cadeia que vêm umas atrás das outras.
JA – Qual é a sua previsão para o que vem a seguir?
JD – Neste momento a crise está focada na Europa e a Europa está a dar sinais de responder de forma muito lenta àquilo que são as contingências imediatas. A criação do euro foi muito importante, mas exigia outros passos, que nunca foram dados. O que eu senti foi que os europeus parece que ficaram cansados e decidiram parar, pensando que já tinham construído a Europa com a moeda única. A Alemanha foi dos países que incumpriram em relação aos défices excessivos, superiores a três por cento. O que não aconteceu e devia ter acontecido, era actuar logo naquela altura.
JA – O que foi feito para combater os défices excessivos na Zona Euro?
JD – Houve umas conversas, umas promessas do tipo “não voltamos a fazer”, mas cinco anos depois estavam a fazer muito mais e criando um problema gravíssimo. Neste momento a Europa está a atravessar uma ponte em ruínas e a questão é esta: ou vai para a frente integrando mais os Estados, ou vai para trás, voltando ao que era, cada um por si, cada um com a sua moeda e cada um que se governe.
JA – A Europa está em desagregação?
JD – Exactamente. Se o euro desaparecer, a União Europeia desfaz-se. Duvido que continue, porque isso vai significar o fim da solidariedade entre os Estados membros. É muito difícil que a Europa se mantenha porque depois entra numa dinâmica destruidora. Isto é como as Torres Gémeas: cai o primeiro e o segundo piso e depois vem tudo por aí abaixo.
JA – Quando esse cenário se pode concretizar?
JD – Acho que isso é já agora, a muito curto prazo. Na Europa o teste é a Grécia. O que a Europa fizer à Grécia vai ser decisivo. A Grécia está a ser mantida por balões de oxigénio. Os fundos estão apenas a adiar o problema, mas o problema grego não se resolve dessa maneira.
JA – Como é que se resolve?
JD – Integrar a Grécia cada vez mais no espaço da União Europeia e tirar-lhe de cima aquele ónus horrível da dívida. A dívida grega deve ser redistribuída pela Europa. Se mantêm as coisas como estão, os gregos caem mais cedo ou mais tarde e, a partir daí, eu não acredito que a Europa se mantenha.
JA – Economias periféricas como a angolana sofrem com a implosão da Zona Euro?
JD – Obviamente, o impacto não será o mesmo que se vai verificar na Europa e muito menos na Grécia. O arrefecimento da economia europeia alastra ao mundo, porque os Estados Unidos, China e Europa são motores muito importantes de países como Angola. É claro que os países emergentes têm uma actividade natural que é desenvolverem-se internamente, mas isso normalmente não chega. O que antevejo é que isto possa trazer algum decréscimo ao crescimento dos países de economias emergentes.
JA – Na crise de 2008, o BNA anunciou a diversificação do cabaz de divisas para a constituição de reservas: o que aconselha hoje, com a crise do Euro?
JD – O princípio da diversificação é salutar e de todo aconselhável. Não vejo outra maneira de fazer a gestão dos activos. Pode-se, eventualmente, ir modificando os pesos das composições das carteiras. É claro que há uma outra ideia a germinar que é a de criar uma nova moeda e desdolarizar os mercados internacionais para evitar que os preços no mercado internacional não fiquem dependentes de uma única moeda. Mas não sei se os mercados vão aceitar isso.
JA – Que lições pode a SADC tirar da realidade na União Europeia?
JD – Uma das razões para o que corre mal na Europa é o desajustamento do ritmo das economias. Não cometam os mesmos erros que a Europa cometeu, a menos que queiram fundir os países todos e criar um governo central que define as políticas numa perspectiva mais integrada. Mas isso leva a que os Estados abdiquem da soberania nacional e passem a obedecer as ordens que vêm de cima. Se querem manter a soberania nacional e querem evitar problemas, então primeiro equilibrem as economias nacionais e depois aproximem-se.
JA – Os fundamentos do capitalismo estão em causa?
JD – O capitalismo tem uma particularidade: está sempre a pôr em causa os seus fundamentos e está sempre a alterar as suas características para sobreviver. O capitalismo é um sistema extremamente elástico, que começou por ser uma coisa no século XIX e é outra, completamente diferente, no século XXI.
JA – Marx defende que as crises cíclicas do capitalismo vão desembocar numa crise derradeira: é esta que o mundo está a viver?
JD – O capitalismo sempre teve crises cíclicas. O capitalismo encerra em si um princípio muito humano e as próprias crises do capitalismo também são, digamos assim, muito humanas. Porque não há nenhum ser humano que não tenha crises, que não tenha altos e baixos. Se olhar para a natureza, verá que tem ciclos, tem cataclismos e tem recuperações. O que não é normal é ter um sistema onde tudo funciona perfeito: isso não é humano. O modelo capitalista é o que está mais próximo daquilo que é a realidade humana.
Cristóvão Neto
Fonte: Jornal de Angola
Fotografia: Mota Ambrósio