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    Um congresso feito à medida das ambições do presidente João Lourenço – Ilídio Manuel*

    O Novo Jornal pediu-me para que, em jeito de balanço, escrevesse um texto sobre o congresso do maior partido angolano, ocorrido muito recentemente, em Luanda. Respondi ao desafio com a maior satisfação, pelo que espero que o mesmo corresponda às expectativas dos seus leitores, pois são a razão de ser desta publicação.

    Desde a realização do I Congresso do MPLA, em 1977, “sob o olhar silencioso de Lenine”, não se tem memória de um conclave que tenha agitado tanto as hostes do partido dos “camaradas” como foi este que terminou no último sábado.

    Pela primeira vez na história dos congressos do MPLA, foi quebrado o mito de “candidato natural” ou, se preferirem, de “candidato único”, ao emergir das bases um segundo concorrente com fortes pretensões à liderança do partido, um quase ilustre desconhecido das grandes massas populares.

    Apesar de não constituir uma ameaça real ao poder do “candidato natural”, João Lourenço, o facto é que a pré-candidatura de António Venâncio não só adensou à intolerância e à falta de democraticidade interna no seio do MPLA, como também provocou danos colaterais e imprevistos à imagem do partido governante.

    Ficou provado que os sectores mais radicais do MPLA não só lidam mal com a concorrência, como também não souberam colher dividendos políticos a favor do seu partido, caso tivessem recebido com normalidade a candidatura de António Venâncio. Bem podiam passar uma imagem de abertura democrática e de aceitação de outras sensibilidades e vozes, mas, em vez disso, reagiram, como se diz na gíria, a quente e com desmedido trungungo.

    O pré-candidato, que diz ter sido marginalizado e ostracizado pela direcção do seu partido, viria a accionar uma inédita providência cautelar de impugnação do conclave do MPLA junto ao Tribunal Constitucional, depois de esse ter detectado supostos atropelos aos estatutos do partido.

    Na realidade, nunca na história do omnipotente e omnipresente MPLA se viu confrontado com um processo judicial à perna, ao ponto de colocar em causa a realização do congresso ou, no mínimo, levantar questionamentos à volta do evento.

    Ainda que o TC tenha decidido a favor da parte requerida, no caso o partido MPLA, do ponto de vista jurídico, o caso está longe de esgotar, visto que António Venâncio já recorreu do indeferimento do seu pedido pela presidente deste tribunal superior.

    Ninguém em sã consciência pode retirar o mérito ao candidato António Venâncio de ter “forçado” a criação de uma Comissão Eleitoral para preencher um vazio legal que até então se registava.

    Mas, o congresso do partido governante não ficou apenas marcado pela “irreverência” do engenheiro de construção civil António Venâncio, um tecnocrata de créditos firmados e que goza de boas referências no seio da intelectualidade, sobretudo luandense, mas também pela renovação do tecido partidário, uma espécie de purga, ou seja, de afastamento de figuras da velha geração, aparentemente fiel ao antigo Presidente, José Eduardo dos Santos.

    Se a injecção de “sangue novo” no CC do MPLA está a ser encarada como uma estratégia de alargamento das bases de apoio de João Lourenço, não se pode, porém, retirar ao reeleito presidente do MPLA o mérito de ter sido ele o principal precursor da chamada paridade, que culminou com a entrada de mais mulheres no selectivo órgão do CC.

    Embora nos seus pronunciamentos oficiais o MPLA tenha procurado transmitir a ideia de unidade e coesão interna, não passou despercebido aos olhos dos observadores mais atentos o facto de o VIII Congresso não ter conseguido unir as pontas, ou seja, as duas alas que se digladiam no seio do partido dos “camaradas”.

    Este congresso foi, sem dúvida, o mais difícil na história dos conclaves do MPLA, pelo facto de o mesmo ocorrer num contexto bastante adverso à popularidade do partido governante, tendo em conta os elevados níveis de descontentamento social que se traduzem na crónica incapacidade governativa de dar resposta aos problemas básicos da população.

    Em boa verdade, nunca se viu um MPLA tão preocupado com o congresso do partido arqui-rival como foi desta vez, algo que não estará alheio à crescente popularidade da UNITA, sobretudo do seu líder, Adalberto Costa Júnior, cujo poder viria a ser reforçado depois da anulação do conclave desta formação política, por força do acórdão n.º 700/21, do Tribunal Constitucional.

    Se para uns o VII Congresso representou o reforço dos poderes do presidente reeleito João Lourenço, ou seja, foi um conclave à medida das ambições do seu líder para outros, o conclave escondeu uma série de clivagens e fissuras que, a seu tempo, poderão escancarar as feridas mal saradas.

    *Jornalista

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