O Supremo Tribunal Federal riscou uma linha no chão da relação entre Poderes ao condenar, por 10 votos a 1, o deputado federal Daniel Silveira à cadeia.
O recado principal é que bolsonaristas podem espernear o quanto for: a harmonia e independência de uma instituição em relação à outra vai até o limite em que um dos seus representantes pede que o povo “entre dentro do STF, agarre o Alexandre de Moraes pelo colarinho dele e sacuda a cabeça de ovo dele e o jogue dentro de uma lixeira”.
O nome disso, decidiram os ministros por ampla maioria, é crime de ameaça ao Estado democrático de direito e coação no curso do processo.
Aliados do deputado dizem que ele foi alvo de uma aberração jurídica na qual a vítima das ameaças assume o papel de acusador e juiz. Na verdade, a própria Procuradoria Geral da República havia pontuado, em sua denúncia, que era inconcebível alguém instigar o povo a invadir a corte e agredir um de seus ministros. A lista de agressões de Silveira é extensa e foi engordada até a véspera do julgamento. Chegou ao ápice quando disse que “o STF não vai existir porque não permitiremos”.
Como resposta, o STF decidiu que não correria o risco de Silveira se tornar uma espécie de Charles Manson do bolsonarismo: a figura que incita os crimes mas tenta se livrar da pena por não ter participação direta em nenhum deles quando seus seguidores levaram a sério a sua pregação.
Com a decisão de condenar o deputado a oito anos e nove meses de prisão –para muitos especialistas, uma pena mais pesada do que deveria – o Supremo mostrou que não teme as bravatas do bolsonarismo.
O próprio guru-mor da seita, Jair Bolsonaro, havia colocado uma faca no pescoço dos integrantes da Corte ao dizer na véspera que não aceitaria calado uma decisão que o contrariasse. O Supremo, ao menos dessa vez, não se intimidou.
Apoiadores do governo saíram em defesa de Silveira, tentando transformar o parlamentar desajustado e irrelevante em um mártir da causa, com mensagens de luto e orações pela “morte” da democracia brasileira.
Ninguém mais do que um troglodita agressivo, destemperado e oco representa melhor a turma, afinal.
A risca no chão colocada pelo STF serve como aviso a quem tentar ultrapassá-la: as bravatas podem levar outros da turma à cadeia.
Não se sabe se a linha provocará um recuo estratégico ou uma guerra declarada ainda mais violenta do que a desenhada pelo próprio presidente no desfile de Sete de Setembro. Mas o STF pagou para ver.
De quebra, mostrou ao bolsonarismo que seus desejos não são exatamente uma ordem para os aliados instalados na Corte. Não em sua integralidade.
Embora tenha votado por uma pena menor ao deputado, o ex-ministro da Justiça André Mendonça não poupou o aliado do governo responsável por sua indicação, o que provocou gritaria entre os patrocinadores de seu nome para o cargo. O pastor Silas Malafaia puxou o coro.
Dotado dos direitos que ele e sua turma querem transformar em poeira, Silveira poderá recorrer em liberdade da decisão até o fim da análise dos embargos declaratórios que certamente serão apresentados por sua defesa. E então a Câmara poderá validar ou não a decisão.
Silveira entrou para a carreira política ao conseguir atenção e engajamento rasgando uma placa em homenagem a Marielle Franco, vereadora assassinada em via pública do Rio de Janeiro a mando de não se sabe quem. O assassinato é uma das maiores vergonhas da história das forças de segurança no país —que fracassou, em um momento de intervenção territorial, tanto em proteger os cidadãos quanto em esclarecer até hoje as causas da morte.
Silveira quis fazer dessa vergonha uma catapulta política. Sairá dela como entrou: não se sabe exatamente o que mais ele sabe fazer além de quebrar placas e vociferar, como um selvagem solto na mata berrando uga uga, contra as instituições e seus representantes.
Torcido e retorcido, não sobra nada dele e de sua turma além de raiva. Nem mesmo a suposta coragem.