O director do Gabinete de Segurança Alimentar, engenheiro David Tunga, assegura que Angola está no bom caminho para que possa chegar à auto-suficiência alimentar. “A segurança alimentar em Angola, neste momento, é tida como normal, porque a nossa agricultura depende, significativamente, das condições climáticas e, nos últimos anos, houve o registo de chuvas regulares”, garantiu o director do Gabinete de Segurança Alimentar, uma estrutura pertencente ao Ministério da Agricultura. A sua grande preocupação está na produção de cereais, onde ainda existe algum défice, sobretudo de arroz e trigo. A produção de trigo é simbólica, daí que não esteja nas estatísticas. “Neste momento, sem nenhum receio de errar, a produção de raízes e tubérculos – portanto, mandioca e batatas – é significativa no país”, assegurou David Tunga, acrescentando que “a produção de mandioca já é excedentária no país”.
Jornal de Angola (JA) – Quais são as consequências visíveis da estiagem que ocorre em Angola?
David Tunga (DT) – O período de chuvas em todo o território nacional teve o seu início nos meses de Setembro e Outubro de 2011. Durante o mês de Outubro, as precipitações pluviais conheceram uma distribuição e intensidade regulares, facto que propiciou o início da sementeira e plantação das diversas culturas por parte dos camponeses, tendo em conta também a disponibilização atempada de insumos agrícolas, pelas estruturas competentes do Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas (MINADERP).
JA – A partir de que mês é que as áreas de cultivo começaram ressentir-se da falta de chuvas?
DT – A partir de Novembro de 2011, grande parte das províncias começou a ressentir-se da falta de chuvas, situação que prevaleceu até ao mês de Janeiro, tendo-se traduzido numa estiagem prolongada, que afectou, de forma negativa, as culturas da primeira época da campanha agrícola. Dada a sua sensibilidade, as culturas mais afectadas pelo fenómeno foram sobretudo os cereais e as leguminosas. As raízes e tubérculos, com particular destaque para a mandioca, pelo facto de ser resistente à seca, não apresentam, por enquanto, qualquer preocupação de maior. Assim, tendo em conta a distribuição das culturas pelo país, as regiões do Norte e do Leste, que têm como base alimentar a mandioca, batata doce e banana, não registam ainda quaisquer problemas, que afectem, de forma directa, a segurança alimentar das populações.
JA – A estiagem pode vir a provocar uma crise de alimentos agrícolas?
DT – Relativamente às regiões Centro e Sul do país, a estiagem prolongada afectou de forma directa os cereais e as leguminosas. Naturalmente, esta situação terá provavelmente reflexos negativos na produção esperada. Por este facto, o MINADERP, visando obter dados e informações técnicas e cientificamente fundadas, que permitam determinar a real situação e/ou eventuais danos causados à segurança alimentar das populações no país, fez deslocar para o interior uma missão técnica de avaliação do impacto da estiagem sobre as culturas.
JA – A comissão vai avaliar o impacto da estiagem na vida das populações?
DT – A referida missão tem como propósito avaliar os efeitos dos fenómenos meteorológicos sobre as culturas, as condições em que se encontram as culturas, proceder a cálculos que nos possam ajudar na determinação das estimativas das colheitas, verificar “in loco” o estado actual dos pastos e o estado do gado. É, igualmente, objectivo principal da missão avaliar o impacto da estiagem na vida social e económica das populações.
JA – Acredita que o novo ano agrícola está comprometido e que o país não vai conseguir atingir a produção de cereais alcançada no ano passado?
DT – O ano agrícola em Angola comporta duas épocas. A primeira, que vai de Setembro a Janeiro e a segunda, que geralmente começa em Fevereiro, estende-se até Maio. No período seco acontece a produção das “nacas”, ou seja, produção nas terras baixas. Nesse período, geralmente os camponeses produzem hortícolas. Presentemente, existem evidências de retoma das chuvas em todo o território nacional. Aliás, o prognóstico climático confirma isso mesmo. Esta referência serve para sustentar que, de facto, o ano agrícola como tal não está perdido, porquanto o país está já a registar chuvas, o que vai permitir que os camponeses possam semear as culturas da segunda época. Provavelmente não atingirão os níveis de produção do ano transacto. Com efeito, as famílias terão o suficiente para garantir a sua segurança alimentar.
JA – Que medidas toma o Ministério quando há estiagem?
DT – No geral, quando ocorrem fenómenos atmosféricos, como é o caso vertente, o MINADERP providencia os apoios técnicos e materiais necessários que permitam aos camponeses recuperarem de eventuais perdas de produção. Neste caso concreto, o sector dispõe de quantidades suficientes de sementes de hortícolas, cereais e leguminosas para a segunda época da campanha agrícola. Tais insumos encontram-se já em stock nas estruturas provinciais do Ministério da Agricultura.
JA – Quais são as províncias mais afectadas pela estiagem?
DT – De forma particular, a região do litoral sentiu com maior severidade os efeitos da estiagem, dadas as características. No cômputo geral, todas as províncias, com maior ou menor grau, registaram uma estiagem prolongada.
JA – Estamos a produzir o suficiente para não estarmos em situação de insegurança alimentar?
DT – Sim, mas apenas em determinadas culturas. Neste momento, sem nenhum receio de errar, a produção de raízes e de tubérculos – portanto, mandioca e batatas – é significativa. A produção de mandioca já é excedentária no país. Mas continuamos a ter algum défice alimentar no que diz respeito à produção cerealífera, sobretudo de arroz e trigo. Infelizmente, ainda não temos uma produção expressiva de trigo para que possamos colocá-la na estatística. O consumo de pão aumentou muito no país, o que significa que o Governo e, sobretudo, o sector privado, têm feito um esforço gigantesco para a importação de farinha de trigo. A produção cerealífera no geral é deficitária, apesar de haver uma boa produção de milho. Mas, do somatório de todos os cerais, esses dois – o arroz e o trigo – intervêm de forma negativa na balança alimentar, pelo facto de a sua produção não ser ainda bastante significativa no país.
JA – O que falta fazer para os produtos serem escoados através da rede rodoviária?
DT – Importa realçar que, no que diz respeito à rede rodoviária, precisamos de melhorar a intervenção na rede terciária e secundária, porque é esta que, de facto, alavanca a produção alimentar no país. Por outro lado, há uma equação que deve ser intervencionada, que diz respeito ao mercado. Estamos a falar da reestruturação do mercado, porque não deve ser o camponês a comercializar o produto na cidade. Portanto, há aqui um esforço do Governo de revitalizar o programa de comercialização rural, com algum crédito e com alguma bonificação, para que a população se sinta motivada a aumentar a produção, de modo a que encontre compradores que vão escoar o seu produto para as cidades.
JA – De quanto precisa o país para abastecer o mercado de arroz e trigo?
DT – Em termos de necessidade, o país precisa, anualmente, para o consumo humano, de um milhão e seiscentas mil toneladas de cereais.
JA – Quanto é que o país produz, actualmente?
DT – No ano agrícola que findou, Angola produziu um milhão e quatrocentas mil toneladas. O nosso défice de cereais não é bastante acentuado, o que significa que há uma grande produção. Por exemplo, no caso do milho, sem termos em conta o arroz, o trigo e a massambala, não há défice. Há algum superavit. Conforme disse anteriormente, devido ao consumo de pão e de outros hábitos alimentares que a população adquiriu, temos que incorporar, naturalmente, o trigo. Este produto, como não é produzido no país, representa então um défice de cem por cento.
JA – Quando se fala de combate à pobreza em Angola, os discursos oficiais têm dado ênfase às populações rurais. Porquê?
DT – Creio que em todos os países do Mundo o maior desafio é equilibrar os níveis de desenvolvimento. No nosso caso concreto, vê-se que, apesar de algumas dificuldades nas cidades, o nível de vida das populações citadinas é um pouco melhor do que o nível das populações do meio rural. Na perspectiva de melhorar o nível de vida de todas as populações, e até para evitar as assimetrias sociais no país, o Governo faz um esforço muito grande para, também, levar dignidade às comunidades rurais, o que não significa que, com este trabalho, se diminuam as intervenções na área urbana. Simplesmente, fica-se com esta impressão porque, de facto, e mesmo no tempo colonial, as populações do meio rural não conheceram grande desenvolvimento. Então, hoje, é política do Governo equilibrar o desenvolvimento em todas as regiões.
JA – Existe no país algum dispositivo que assegure o aprovisionamento de alimentos para as pessoas mais carenciadas durante épocas de crise?
DT – A nossa preocupação primária é aumentar a quantidade de produtos alimentares para o consumo das populações. Depois de resolvermos o problema quantitativo e a disponibilidade desses alimentos, então temos que incorporar – é algo que já começou – alguma tecnologia para conferir uma melhor qualidade aos produtos alimentares. Com um mercado funcional, muito rapidamente e com uma certa sustentabilidade, o Governo pode manter a reserva estratégica do Estado para atender casos de calamidades. As reservas alimentares podem também actuar como um regulador do próprio mercado.
JA – De que forma e em que circunstâncias?
DT – No momento em que há excesso de produção, o Governo, através desses programas de compra, adquire os produtos excedentários e acondiciona-os em estruturas adequadas e previamente estabelecidas. E, se, eventualmente, ocorrer alguma quebra no mercado e se os preços manifestarem uma tendência de subida, então, as agências que regem as estruturas de conservação da reserva alimentar injectam os produtos alimentares no mercado para que sejam estabilizados os preços. A reserva estratégica do Estado é um instrumento fundamental que todo o país tem de ter.
JA – Resumindo: não há insegurança alimentar no país, embora haja défice de algumas culturas.
DT – Embora haja défice de algumas culturas, embora em determinados momentos do ano haja algum produto em quantidades insuficientes, no cômputo geral, no que diz respeito à balança alimentar do país, temos uma segurança satisfatória. Mas temos consciência que temos de continuar a trabalhar no sentido de aumentarmos a produção para que tenhamos excesso de produção em todas as culturas praticadas no país.
JA – Vamos ser bem sucedidos?
DT – Angola é um dos países da sub-região da SADC e da sub-região da Comunidade Económica dos Países da África Central que melhor está beneficiada em termos de condições climáticas. Temos bacias hidrográficas que não existem em alguns pontos da nossa sub-região, exceptuando a República Democrática do Congo. Temos terras boas e com uma adaptabilidade bastante boa em termos de produção agrícola. Temos regiões com condições e potencialidades para a prática da pecuária. Enfim, penso que Angola é um território abençoado. Temos no país cerca de 47 bacias hidrográficas e essas águas correm anualmente para o mar. O seu aproveitamento é bastante ínfimo. Portanto, com programas muito bem estruturados que viabilizem e facilitem a exploração dos recursos naturais que Deus colocou nesta região do Mundo, Angola pode aparecer não só na região Austral e Central de África mas a nível do continente africano como abastecedor de vários mercados.