
Na ressaca das últimas detenções resultantes da manifestação do dia 3 de Setembro, que terminaram com a condenação de 19 pessoas pelo Tribunal Municipal de Polícia da Ingombota, ala-se agora de alegadas sevícias nas celas da Unidade Penitenciária de Calumbo.
A afirmação de que foi isso que aconteceu durante o período de detenção de alguns dos manifestantes, pertence ao secretário nacional da Juventude Unida Revolucionária de Angola (JURA), organização juvenil da UNITA, Nfuka Fuakaka Muzemba. Fê-la no decurso de uma conferência de imprensa realizada esta semana em Luanda.
Segundo Nfuka Muzemba, que acabou detido no Largo Serpa Pinto no calor da agitação enquanto decorriam as sessões de julgamento, a Polícia Nacional terá atacado com cães dois jovens que exigiam a libertação dos manifestantes. Daí se grou uma confusão que terminou em detenções.
“Foi isso que aconteceu e ninguém provocou desordem nenhuma que obrigasse a Polícia Nacional a usar tanta força contra jovens, porque ninguém perturbou a ordem e a tranquilidade públicas”, alegou, acrescentando que “se não fossem soltos (os cães), certamente que não morderiam ninguém e também não haveria confusão, mas infelizmente houve e terminou em detenção de inocentes, mas que felizmente o Tribunal absolveu, por falta de culpa”.
“Respondi que não sou contra ninguém, mas contra as más políticas da governação do MPLA que está no poder há 32 anos”
O responsável juvenil do “galo negro” insistiu que não houve indícios de qualquer “clima de tensão” entre os jovens detidos e a Polícia Nacional. “Houve sim protestos de jovens, exibindo cartazes nos quais exigiam a libertação dos manifestantes, pedindo mais pão, água, emprego e habitação, mas de forma pacífica e nem sequer se fez um barulho ensurdecedor que perturbasse os moradores, transeuntes, assim como o próprio Tribunal” que estava a julgar o caso da manifestação de 3 de Setembro.
Detenção e sevícias
Sobre a sua detenção, disse que aconteceu numa altura em que tentava tirar algumas imagens no local, quando foi interceptado por um agente que o convidou a acompanhá-lo até à sua viatura, ao que não acedeu. Face à recusa, viria a ser forçado a entrar com o auxílio de doze outros policiais, que o algemaram e, em seguida, o conduziram até à esquadra policial da Ilha. “Horas depois fui levado à Direcção Provincial de Investigação Criminal (DPIC) e detido numa sala em condições sub-humanas”, explicou.
Nfuka Muzemba contou aos jornalistas que depois de permanecer algumas horas na DPIC, a meio da noite foi transferido até à UnidadePenitenciária de Kakila (UPK), nas proximidades de Bom Jesus, no município de Icolo Bengo, onde disse ter sido submetido a “ tortura psicológica durante quatro horas, fazendome perguntas que não tinham nada a ver com a minha detenção ilegal no Largo Serpa Pinto. Desviaram-se nas detenções dos jovens que foi originada pela própria Polícia”.
Disse que o interrogatório procurava apurar se ele era contra o partido no poder ou o Presidente da República, José Eduardo dos Santos, pelo facto de, em reiteradas ocasiões, insurgir-se publicamente contra a má governação do Executivo, assim como ter tecido críticas contra membros desse mesmo Governo.
“Respondi que não sou contra ninguém, mas contra as más políticas da governação do MPLA que está no poder há 32 anos”, explicou aos jornalistas.
“Nós não nos revemos nesta manifestação. Ela foi organizada pelo MJRA e nada vincula o nosso partido. Apenas apoiamos e prestámos solidariedade”
UNITA demarca-se das manifestações
No encontro com a imprensa, Nfuka Muzemba negou que o seu partido estivesse por detrás da manifestação de 3 de Setembro, do (desconhecido) Movimento Juvenil Revolucionário de Angola (MJRA), embora lá estivesse como integrante um influente membro e secretário municipal da UNITA do Sambizanga, Alexandre Dias “Libertador”. “Nós não nos revemos nesta manifestação. Ela foi
organizada pelo MJRA e nada vincula o nosso partido. Apenas apoiámos e prestamos solidariedade”, afirmou.
Disse que quando o “galo negro” pretender manifestar-se fá-lo-á em cumprimento do que está estipulado na lei, e não o fará às escondidas. “Faremos abertamente e não nos esconderemos para reivindicarmos os nossos direitos.
Está consagrado no nosso ordenamento jurídico e ninguém tem o direito de impedir esse exercício democrático, neste país onde todos queremos que tenhamos os mesmos direitos, deveres e igualdades, sem pensarmos nas cores partidárias ou crenças”, prometeu.
Adiantou que qualquer manifestação que a UNITA vier a fazer, em defesa dos direitos fundamentais, “nada se inspirará nas recentes revoluções sociais que começaram a ser operadas no Magreb Islâmico em Fevereiro”.
Tais declarações surgem em respostas ao pronunciamento recentes de alguns políticos do partido no poder. “ Em momento algum acontecerá isso. Somos um partido com um projecto para a sociedade e as declarações dos nossos adversários políticos são tendenciosas”, afirmou.
Nfuka Muzemba acusou o partido no poder de pretender desviar as atenções da sociedade, argumentando factos que não condizem com a verdade, tais como o regresso à guer-ra por parte da UNITA. “ São acusações graves e que pretendem adiar as eleições porque o MPLA tem medo de perdê-las já que os eleitores estão desesperados com as falsas promessas eleitorais”, insinuou o jovem político, ladeado na conferência de imprensa dos seus principais colaboradores na JURA.
O líder juvenil da UNITA ironizou que o MPLA é o único partido em Angola que pode desencadear uma guerra, sendo ele quem “controla as Forças Armadas Angolanas (FAA), a Polícia Nacional (PN), os Serviços de Informação e Segurança do Estado (SINSE), e é quem deve estar interessado conforme as declarações dos senhores Sebastião Martins, Rui Falcão e Bento Bento que apontam para uma nova guerra contra os que reivindicam os seus direitos”.
Sobre os novos locais indicados pelo Governo Provincial de Luanda para a realização de manifestações, Nfuka Muzemba disse discordar por contradizer o que a lei defende.
Exemplificou que “ quem quiser se manifestar sobre a saúde, terá de fazê-lo no Ministério da Saúde e não no da Energia e Águas, ou vice-versa, ou ainda os jovens no Ministério da Juventude e Desportos e não no Estádio 11 de Novembro, na Camama”, disse o responsável da JURA, para quem o seu partido não se vai submeter “às ameaças do MPLA porque estamos num país democrático”.
Ireneu Mujoco
Fonte: O País
Fotografia: O País