O Centro de Estudos Estratégicos comemora no próximo dia 11 de Julho dez anos. Para assinalara a data, realiza hoje uma conferência presidida por Luiz Inácio Lula da Silva, que chegou ontem a Luanda. O vice-presidente do conselho executivo do Centro de Estudos Estratégicos fala dos propósitos da conferência, do aniversário da instituição e de outros assuntos de interesse.
Jornal de Angola – Quais são os objectivos da conferência de Lula da Silva?
Correia de Barros – O Brasil e Angola têm muitas coisas em comum, mas também têm muitas divergências na medida que o Brasil é uma potência com mais de 100 milhões de habitantes e Angola é ainda um país que tem pouca gente, menor que o Brasil. Propusemos que a conferência fosse sobre o desenvolvimento do Brasil, e proferida pelo ex-Presidente Lula da Silva.
JA – Quem vai estar presente na conferência?
CB – Alem dos membros do Centro de Estudos Estratégicos convidamos membros do Executivo, deputados, empresários, os partidos políticos, as igrejas, académicos, jornalistas, militares. Tentamos apanhar todos os aspectos da vida do país no sentido de estarem representados, já que não é possível convidar toda a gente para a conferência.
JA – A vida dos angolanos está a melhorar em linha com as potencialidades do país?
CB – Consideramos que o fim da guerra marcou o inicio de uma nova era. Houve grandes alterações em Angola desde 2002, mas ainda falta fazer muita coisa. Ninguém estava à espera que em dois ou três anos se resolvessem todos os problemas do país. O Centro de Estudos Estratégicos está preocupado com o que falta fazer e quer dar a sua contribuição, fazendo estudos, propondo soluções para que o desenvolvimento em Angola seja sustentado e o futuro risonho.
JA – Como avalia o processo de reconciliação entre os angolanos?
CB – É um processo que me parece único no mundo. Não quer dizer que não haja problemas, mas a existência de dois exércitos em 2002 e a forma como foi possível integrar os elementos da UNITA nas Forcas Armadas Angolanas pacificamente foi um grande feito. O Chefe do Estado-Maior General das FAA era um general da UNITA. Não é visível em muitos países de África, um antigo general de um exército rebelde ser integrado e atingir a posição máxima na hierarquia das Forças Armadas. Foi efectivamente um processo de reconciliação rápido e positivo.
JA – Os problemas nesse aspecto estão resolvidos?
CB – Existem ainda alguns problemas. Há pessoas difíceis de convencer de um lado e do outro. Não gosto muito do termo vencedores e vencidos, porque o fim da guerra foi negociado entre os dois opositores, não houve vencedores nem vencidos. Só houve vencedores. Vencedor foi o povo angolano porque ficou em paz. Vencedor foi o MPLA porque começou a desenvolver os seus programas e vencedor foi a UNITA, porque pode apresentar os seus programas, a sua opinião do que quer para o país.
JA – Como agir face aos problemas que ainda vão surgindo?
CB – Acho que aquilo que está a ser feito é o correcto. Apurar a verdade e chamar a atenção ou responsabilizar quem cometeu algum delito, seja ele de onde for. Isso é importante. Os tribunais são os únicos órgãos de soberania que podem fazer julgamentos. Deve-se apurar a verdade e o problema vai para a Justiça se for caso disso. É isto que se está a fazer com a Comissão Parlamentar de Inquérito às alegadas acções de intolerância política.
JA – Qual deve ser o papel dos dois principais partidos?
CB – Todos os que são mais esclarecidos devem esclarecer os outros, de que a guerra acabou, porque agora somos todos irmãos. Não quer dizer que todos têm que pensar da mesma maneira, cada um pode ter a sua opinião, mas ninguém pode andar à pancada ou aos tiros.
JA – O que levou à criação do Centro de Estudos Estratégicos?
CB – O Centro de Estudos Estratégicos foi criado para se dedicar quase exclusivamente ao estudo e preparação de informações, prevendo situações, propondo soluções para os conflitos. O dia a dia durante a guerra era de tal maneira absorvente que ninguém tinha tempo para esse tipo de actividade. A saída do senhor general João de Matos de Chefe do Estado-Maior General, com quem já vínhamos a falar sobre esse assunto há muito tempo, deu força ao projecto.
JA – O centro aborda nos seus estudos a política, a economia e as questões sociais?
CB – Antes mesmo da criação do centro tínhamos evoluído e decidimos dedicar-nos aos estudos estratégicos ao nível global, incluindo a política, e as áreas económica e social. E ainda bem que o fizemos porque se tivéssemos ficado exclusivamente dedicados aos assuntos militares o centro não tinha o prestígio e a qualidade que tem hoje. Os objectivos do centro são ajudar a garantir o desenvolvimento de Angola. Produzimos estudos e conferências. Não temos poder de decisão. São ideias que entregamos a quem tem esse poder, o Executivo e a Assembleia Nacional. Nós limitamo-nos a estudar e a apresentar soluções.
JA – Dez anos depois que avaliação faz do Centro?
CB – A avaliação é positiva. Temos estudado alguns assuntos mais profundamente do que outros. Falo sempre na nossa ligação à Comissão Nacional para o Desarmamento da População Civil, para a qual temos feito alguns estudos e inquéritos. O Centro de Estudos foi líder do consórcio que fez o registo eleitoral em todo o país. Foi um trabalho do qual muito nos orgulhamos e reconhecido por todos como um bom trabalho. O número de sete milhões e meio de eleitores foi ultrapassado, porque registamos mais de oito milhões.
JA – O publico tem acesso aos vossos estudos e pesquisas?
CB – Muitas conferências que temos feito são destinadas ao público académico. O centro está sempre aberto e muitos estudantes aparecem aqui a pedir opiniões, conselhos para os seus trabalhos. Em relação à divulgação, editamos um livro há cinco anos com alguns estudos que fizemos. Pensamos ainda este ano editar um segundo livro, com conferências que foram proferidas e artigos escritos durante estes anos e algum material novo que pensamos produzir.
JA – Como avalia o papel da União Africana na Líbia?
CB – A União Africana demorou muito tempo a responder ao problema da Líbia, chegou muito tarde. Os mecanismos da UA funcionam mal e são muito lentos. A União Africana apareceu com uma solução já depois da Resolução das Nações Unidas e depois de ter começado a execução daquilo que eles chamam a “restrição do espaço aéreo”. Se África tivesse apresentado a solução que veio a ser apresentada muito tempo depois, a Resolução 1973 não teria tido aquele carácter que teve.
Fonte: Jornal de Angola