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    “Pela primeira vez canto livremente na minha terra”

    Falecido na segunda-feira passada (10/08) em Lisboa, Waldemar Bastos (WB), em 2018 e 2019, reencontrou-se em Angola, a partir do palco, com os seus fãs no Show do Mês e em actuações no Lubango e em Benguela.

    O músico, certamente, ainda tinha muito para dar à cultura angolana. Recuperamos aqui, com adaptações, as narrativas que este caderno fez daquele memorável Show do Mês e do concerto que Waldemar Bastos fez no Lubango,nas Festas da Nossa Senhora do Monte.

    O ano de 2018 foi bastante marcante para Waldemar Bastos. Foi o ano em que fez o concerto no Show do Mês e em que foi distinguido com o Prémio Nacional de Cultura e Artes. No ano seguinte, fez apresentações no Lubango e em Benguela, para agrado dos inúmeros fãs. Em 2019, participou no concerto do Dia Internacional do Jazz, organizado pela Unesco, em Luanda.

    A passagem de Waldemar Bastos pelo Show do Mês pode ser vista, para sempre, no Youtube, numa proposta da Nova Energia.

    Uma frase arrepiante, que marcou a actuação de Waldemar Bastos no Show do Mês, foi esta: “É a primeira vez que canto livremente na minha terra”.

    Entre anónimos, personalidades com responsabilidades nos vários sectores da nossa sociedade, gente do partido da situação e dos partidos na oposição, activistas, revus, bajus, curibotas e artistas, que enchiam a sala, era motivo para dizer: “Estamos Juntos”. Angolanamente juntos.

    O homem que em 1990 declarava o seu amor indeclinável pelo país em “Angola Minha Namorada”, começou a aquecer com o tema “Margarida”

    Waldemar Bastos, embalado pela plateia, deu um cheirinho do seu lado de solista entrando na alma do “ClassicsofMySoul“ (en)cantando os temas “MbiriMbiri“ e “Muxima”. Um outro tema executado com muito sentimento e que fez furor na sala foi “ HumbiHumbi “, que trouxe à lembrança os coros das igrejas Evangélicas e Baptistas.

    Passada a fase de execução de canções do seu último trabalho discográfico, WB recorreu ao seu LP de estreia, “Estamos Juntos”, e soltou ao microfone “Teresa Ana”, um autêntico pregão de quitandeiras do antigamente, hoje substituídas pelas zungueiras, as guerreiras da sociedade luandense.

    O bardo contou a história de NzingaMbande, patente

    no tema “NzingaMbande”, constante do disco “Preta Luz”, saído com a chancela da LuakaBop, de David Byrne. Se a canção fala da mulher tão linda, a soberana guerreira, WB confessou que no momento não tinha poemas para cantar, só o ritmo para dar. Foi o que o artista apresentou na execução deste tema. Embalado pelos solos de Botto Trindade e Teddy Nsingui, o WB solista reapareceu com a rítmica do antigo Reino do Kongo, concretizada num soukouss que levantou a plateia.

    “Carnaval” não ficou de fora do Show do Mês, assim como “Mungueno”, a estória triste, mas com andamento alegre, de Domingos, o filho que se despede da mãe dizendo que ia à praia para pescar o peixe para o mufete e nunca mais voltou.

    Inevitável “Marimbondo” Depois de tantos pedidos, “Marimbondo”, poema musicalizado de Ernesto Lara Filho, foi executado, com as inevitáveis associações na mente dos presentes, decorrentes do ambiente político actual, onde ganhou uma nova e inesperada acepção na voz do Presidente João Lourenço, significando agora “poderoso corrupto”. Miguel Trovoada, na percussão, e a secção de cordas, reproduziram, enfaticamente, o zunido do marimbondo e das abelhas. Foi mais um momento sublime, com o público a aplaudir de pé.

    Em clima de reconciliação, “Carinho”, tema inédito, apelou à união, sinceridade e a outros valores que estão em falta.

    Para o fecho, estavam reservadas as canções “Pitanga Madura” e “Colonial”, a primeira do disco homónimo lançado em 1992.

    As cadeiras já não eram tão convidativas. E a viagem musical proposta por Waldemar Bastos não podia terminar de outra forma, senão com a narrativa da carta que chegou, transportada pelo navio “Colonial”, que deu nome ao famoso tema popular estilizado pelo Ngola Ritmos e que em 1983 WB gravou, inserindo-o na sua discografia. Com esse tema, deu-se por encerrado o concerto, confirmando-se assim que o disco “Estamos Juntos” (não podia haver designação mais simbólica), com os seus oito temas cantados no Show do Mês, é o que mais está fincado nos ouvidos do público angolano. E explica-se: é o disco de WB que mais tocou nas rádios angolanas, antes de um manto de silêncio, estendido a mando de inomináveis “ordens superiores”, terem proscrito o artista.

    As duas noites de espectáculo no Show do Mês foram aproveitadas pelo artista, que se encontrava num momento ímpar ao ser galardoado com o Prémio Nacional de Cultura e Artes de 2018, para manifestar publicamente o seu reconhecimento aos admiradores, depois de o ter feito já nas redes sociais. O músico vinha de uma tournée americana, com actuações no Royce Hall, em Los Angeles e no Festival de Música Espiritual, na mesma cidade norte-americana, com críticas bastante favoráveis no jornal “Los Angeles Times”.

    Actuação no Lubango A actuação de Waldemar Bastos nas Festas da Nossa Senhora do Monte, no Lubango, em 2019, permitiu-lhe matar saudades dos fãs locais e da cidade onde não subia a um palco há mais de 20 anos. “Cantei várias músicas, porém, a ‘Lalipo Lubango’, que fiz com muito amor, foi a que a plateia bastante exigente e muito presente solicitava. Não é por acaso que até hoje essa canção se renova e a juventude gosta. Tudo que é feito com amor tem a capacidade de se rejuvenescer”, disse na altura o cantor.

    “Foi uma grande alegria vir ao Lubango, sabendo que a cidade, por altura das festas, tem essa música como hino”, explicou, acrescentando que “ser convidado assim, dá uma grande alegria, porque fiz uma canção linda para esta terra”.

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