Até que ponto a ética, ou a falta dela, se reflecte no desempenho e nos resultados das empresas? Diego Sánchez de León é especialista na matéria e o responsável, em Espanha, pela ética na consultora global Accenture, onde dirige a área de Talent & Organization na Europa, África e América Latina. Esteve em Luan da para participar, como orador convidado, na 3ª conferência anual da Accenture/Expansão ‘CEO Experience Angola’, onde falou de talento (que considerou ‘a segunda maior preocupação para um CEO, logo após o crescimento de um negócio’) e de liderança.
O País conversou com ele sobre a importância da ética na vida das empresas e o seu impacto sobre o desempenho das organizações e os respectivos resultados.
As melhores empresas no plano ético conseguem obter um desempenho superior às demais?
O êxito económico pode conduzir a práticas mais éticas ou então a causa do sucesso é ser-se mais ético, Existe essa correlação entre práticas éticas e o valor da empresa. Há um observatório ético internacional que monitorizou os resultados das companhias e as suas práticas éticas e chegou à conclusão de que as empresas éticas são mais rentáveis. Tenho a sorte de ser responsável de ética na Accenture em Espanha.
E digo sempre que a ética é uma coisa muito difícil e muito fácil ao mesmo tempo. Fácil porque requer três factores: por um lado, que existam regras claras e bem conhecidas; em segundo lugar que exista um mecanismo de de núncia, de modo a que qualquer um possa reportar uma falha uma má prática; o terceiro factor requer que exista um sistema de consequências visível, para que se saiba qual a consequência na em presa de uma falha. Muitas em presas publicam a sua actividade e divulgam as consequências das falhas ou más práticas, que po dem passar pela suspensão de um colaborador, pela sua demissão.
Acredito firmemente na ética pois quando não existe um mecanismo que permita monitorizar a ética as empresas mostram-se pouco éticas.
Então as empresas devem possuir regras claras, dispositivos de monitorização da ética e denún cia e extrair as consequências devidas das falhas ou más práticas detectadas?
Tratasse de mecanismos necessários mas não suficientes.
O importante é que funcione.
Porque pode comunicar-se muito bem o código ético, pode existir uma comissão disciplinar que se reúne todos os meses e pode não haver denúncias que produzam consequências.
Como vê no plano ético as empresas em África?
Há que distinguir as empresas globais das empresas de âmbito local. Quanto a estas últimas não posso opinar, só posso falar das empresas que conheço melhor, as globais. A ética avança pouco a pouco, não avança de repente. Tem a ver com a maturidade das pessoas. Deve ser vista a longo prazo, no mínimo a médio prazo. Mas adianto-lhe que Accenture só pode trabalhar nos mercados que cumprem as mínimas condições éticas.
Se trabalhamos aqui em Angola isso significa que temos confiança no sistema.
Quando refere o ‘sistema’ reporta se também ao sistema de justiça?
Os elementos não se podem separar. O sistema legal, a segu rança jurídica é o mais importante para uma empresa internacional. A Accenture avalia os países antes de investir neles e no caso de Angola investimos.
Referiu a segurança jurídica. Paul Krugman quando esteve em Angola referiu que na China, a segunda economia mundial, os contractos não eram respeitados à letra, não eram encarados como no Ocidente…
Na China também investimos.
A China é muito complexa pois depende do facto de existirem diferentes cantões, pode ser mais seguro investir nuns que noutros. Mas nos dois países, Angola e China, estamos a trabalhar, o que posso dizer é que o progresso que vimos registando em Angola é superior ao que obtivemos historicamente na China.
Como se pode preparar uma em presa no plano ético?
O mais importante é a divulgação do que se espera de cada pessoa. Na Accenture temos 3 a 4 horas anuais de cursos obrigatórios para os 250 mil empregados da Accenture a ní vel global. Não são cursos teóricos.
São cursos em que as pessoas são colocadas em situações concretas, de suborno, de maus tractos a outra pessoa, perante a tomada de uma decisão que beneficia um familiar.
São cursos que têm que ver com casos reais e o objectivo é conseguir que os colaboradores da Accenture aprendam com esses casos. É também muito importante saber que nós, na Accenture, estamos sub metidos à regulação do mercado norte-americano, em que não só se punem as empresas por problemas relacionados com a ética como também se punem os indivíduos.
A responsabilidade estende-se ao individuo. O inside trading é um caso típico.
Quais as implicações da atitude dos recursos humanos (RH) sobre o desempenho das organizações?
São muito claras. Vou dar dois exemplos. Se tens um supervisor que é um bom gestor de pessoas como resultado a produtividade, a performance é boa. Se for um mau gestor de pessoas a performance é normalmente inferior, dado que há menos motivação, as pessoas querem deixar esse contexto o quanto antes.
Recomendamos sempre aos nossos clientes que assegurem a mobilidade interna. Pois se há maus chefes, maus supervisores, também há bons chefes e bons supervisores e é mais fácil mover se dentro da mesma empresa que mover-se fora dela em direcção a outra empresa.
Pelo que a liderança tem de ter uma forte componente ética…
Não uma forte componente ética, a liderança tem de ser ética, a ética não admite matizes. Não se é um pouco ético ou um pouco menos ético. Ético é o que se pode contar em público sem ter medo.
A ética é um pressuposto para o desenvolvimento das empresas?
Se não houver ética nada do que se constrói em cima é sólido.
No que respeita á gestão do talento.
Como se quantifica o valor de uma pessoa?
É relativamente fácil quantificar se o custo de um colaborador, directo e indirecto. Mas o valor do contributo de um colaborador para a empresa pode ser inferior ou superior ao custo. Na Europa e nos Estados Unidos, há três ou quatro anos atrás, o valor de um empregado bancário estava muito associado ao crédito hipotecário.
Saber administrar um empréstimo hipotecário era muito importante pois o mercado centrava-se aí. Hoje o valor não está aí mas em saber trabalhar em recuperações, na renegociação das dívidas, no risco de cada cliente, no ‘know-how’ associado à execução de garantias.
De tal modo que uma pessoa com conhecimentos na administração de empréstimos hipotecários passados dois anos deixou de ter valor para a empresa. Essas pessoas estão agora a ser recicladas. Para conhecer bem o valor, o contributo de uma pessoa, há que atender à conta de resultados da empresa e qual é o valor actual do conhecimento de cada um dos empregados.
É quantificável?
Totalmente quantificável. Há que encontrar uma relação entre os custos de uma pessoa e o contributo e perceber se no contributo existe um valor superior ou um valor inferior.
Como devem proceder as empresas para conservar os talentos?
Devo primeiro enunciar um princípio: o talento é como Deus, está por todo o lado – desde a pessoa que abre a porta de manhã até ao presidente da companhia. O que se passa é que as empresas devem identificar os ‘skills’, as aptidões, e orientá-las para os resultados, para os objectivos.
Fonte: O PAÍS