As cidades em qualquer lugar do mundo têm diversos tipos de ruas, avenidas, becos, auto-estradas e cada um delas comporta uma História abrangente sobretudo se tivermos em linha de conta que as ruas incluem na sua construção ou alteração, a inclusão de nomes e pessoas ligadas à Arquitectura, às Artes, à Cultura, à Escultura à Literatura, à Medicina, à Música, à Poesia e a uma infinita e diversificada escolha e que por norma obedece aos critérios da Comissão de Toponímia de cada autarquia ou a outras autoridades ligadas ao urbanismo e à História de cada cidade.
Depois de “ Artes Mirablis”, exposição colectiva em que participou, o pintor Cristiano Mangovo participou numa Feira de Arte em Joanesburgo, mas antes esteve em Angola, sua terra natal, onde foi granjeado o primeiro lugar no prêmio Ensa Arte 2018, na categoria de pintura, e as suas telas estiveram integradas numa exposição coletiva realizada em Luanda e intitulada “ Ser Cidade “.
As afirmações de Cristiano Mangovo são também um dos suportes que dão corpo e alma “ As Ruas de Lisboa “, espaço urbano onde se inspira e nunca retirando de cada tela, a presença humana. O Artista poderia centrar-se apenas nas ruas e evidenciar as placas toponímicas de cada rua de Lisboa. Mas ele vai mais longe e na sua narrativa interpretativa ele associa Lisboa às pessoas e estas às ruas. É uma grande verdade. Não há cidades sem pessoas. Mas as cidades são também, entre outros aspetos da vida urbana, as ruas que as desenham e são caminhos não apenas de circulação, mas de fusão com as próprias ruas e as pessoas. Imaginamos uma Cidade sem Pessoas? Ou há Ruas sem história? As ruas e as cidades estão intimamente ligadas por um infinito número de cumplicidades arquitetónicas, culturais, históricas e de natureza diversa e que deixam uma marca indelével no espaço urbano. Porque as Cidades são labirintos que nos conduzem à História, mas inquestionavelmente às pessoas.
Pessoalmente e ao ter aceite o desafio de escrever para o catálogo que a Galeria Ainori produziu, senti também a necessidade de narrar algumas inquietações sobre esta histórica cidade de Lisboa e sobre ela debruçar-me com muitas perguntas obtendo respostas, mas noutros momentos persistem as dúvidas pela permanência de silêncios. Mas “As Ruas de Lisboa constituem um ponto de partida e uma viagem para percorrer a visão humanista de Cristiano Mangovo, associado à sensibilidade que sente e teve ao inspirar-se em figuras históricas de Portugal para conceber as suas obras. Esta opção obrigou-o a percorrer vários lugares de Lisboa e visualizar estátuas e monumentos históricos e movimentos humanos por volta, para concluir o seu caminho nesta versão que agora nos apresenta de modo distinto, mas muito interpretativo e narrativo, tendo como base de trabalho, a escolha dos históricos e ilustres Escritores portugueses como Luís de Camões e Fernando Pessoa, mas também o conhecido Marquês de Pombal, cuja estátua na Rotunda do Marquês de Pombal marca a fronteira entre a Avenida da Liberdade e a Rua Fontes Pereira de Melo e outras variantes alternativas face às opções de circulação que as pessoas tenham em mente. Este um dos aspetos que entre outros que descreverei, mas mostra a importância das “ Ruas de Lisboa “ como um simbólico eixo de circulação, mas fundamental para as pessoas que percorrem em trabalho ou em lazer, os passeios que circundam as ruas. As ruas são espaços de observação de diversidade múltipla que traça a vivência e o quotidiano da cidade de Lisboa como acontece em cidades como Barcelona, Berlim, Copenhague, Luanda, Nova-Iorque, Marselha, Moscovo, Praga, Paris, Roma, Tóquio, Varsóvia, Veneza e tantas outras E esta recente Exposição mostra esse caminho percorrido num misto de auscultação, de reflexão e de registo de Memória, que marca um tempo e o tempo e a Memória do Cristiano Mangovo. Na nossa Memória individual ao percorrermos “As Ruas de Lisboa“, observamos livrarias, esplanadas em diversos bairros de Lisboa, esculturas, estátuas, monumentos, museus, os históricos elétricos, vendedores de castanha e fruta, comerciantes e sobretudo Pessoas. E Pessoas de diferentes origens geográficas, como ouvimos na diversidade de cada cultura que cada Pessoa comporta, sotaques e línguas de outras origens, como a língua alemã, a língua francesa, a língua inglesa, a língua italiana, a língua espanhola, polaca, japonesa, russa e outras que compõem a diversidade linguística e cultural do mundo. As ruas são um mundo aberto à criatividade e ao cruzamento de pessoas. Mas as ruas são também espaços de imaginação. Há ruas que nos inspiram e cativam-nos no nosso quotidiano ao ponto de andarmos como prazer e contemplação sobre as mesmas durante anos. Como exemplo, tenho as ruas do Bairro Alto, Alfama e da Sé que Cristiniano Mangovo a inscreve como uma entre outras referências históricas nas suas telas. A Sé Catedral de Lisboa é no plano histórico e arquitectónico, um monumento a visitar. Mas a envolvência urbana da Sé Catedral permite também ter acesso ao Castelo de São Jorge pelas ruas estreitas contruídas há muitos anos e mesmo ao lado, tem a antiga Cadeia do Aljube, usada pelo Estado Novo para prender presos políticos e actualmente é o Museu do Aljube, espaço que importa visitar quer pela riqueza histórica e a visualização que a arte da arquitectura permitiu fazer em termos de remodelações de um lugar simbólico e singular de Lisboa.
O Pintor angolano Cristiniano Mangovo evidencia claramente uma paixão pela importância do livro, da literatura, da importância da leitura e como a mesma acrescenta valor ao conhecimento. E ao incluir Fernando Pessoa nas 13 telas aqui expostas, Cristiano Mangovo deixa a sua marca simbólica e não esquece a íntima ligação entre o poder da arte e a vida social.
Na sua Pintura existe um intervenção conscientemente intervencionista quando dá como título a algumas obras, “ Além do Universo “, “ Busque Amor, Nova Conquista”, “ Dar o Coração ao Mundo “ e “ O que é que acontece na Banda “. Entre a sua filosofia de vida e a opção estética, Cristiano Mangovo mostra a sua preocupação pelo estado atual do mundo e questiona a atualidade contemporânea. Fala do Amor como um bem maior entre humanos e como o mesmo, protege e une as pessoas e pacifica o universo. Por isso reforça a necessidade de “ Dar o Coração ao Mundo “, pois as mudanças que podem acontecer em algumas regiões do globo, só sentindo de modo singular o que vai no coração do seres humanos pode mudar a tela do mundo e daí nascei uma outra visão mais humanista, estado de alma e sentimento que marca a observação quotidiana de Cristiano Mangovo. Ele é genuinamente humanista e na sua opinião que cito ele diz que “o mundo precisa de pessoas como mais coração e sociedades mais humanistas”, fim de citação. Esta olhar e sentir humanista, faz deste Artista, um ser que se preocupa com as pessoas e o mundo bem como a Arte e a sua também podem abrir novos diálogos deste novo paradigma mundial. Por outro lado não esquece a “Banda “( expressão usada pela maioria dos angolanos para definir Angola ) e daí vai ao encontro sobre o que analisa na urbe luandense e nos caminhos traçados e caminhados, Cristiano Mangovo retrata para a sua arte esse mundo tão diverso que é Luanda, no plano cultural, político, social e das suas gentes. E não esquece a Banda, por razões de pertença identitária, mas acredita que as personagens criadas e figuram nas sua telas, são humanos que buscam a esperança em cada dia, assumindo que as “ pessoas mais fragéis deviam ser mais protegidas e apoiadas”.
Gabriel Baguet Jr, Escritor/Investigador
Lisboa / H. Santa Marta, 2018