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    O ano em que a corrupção contra-atacou no Brasil

    Período que começou com a classe política acuada chega ao fim com presidente Michel Temer e outros personagens acusados de corrupção se mantendo firmes em seus cargos.

    “Corrupção” foi a palavra que definiu o ano entre os brasileiros, segundo uma pesquisa elaborada pela consultoria Cause. O levantamento foi inspirado em uma iniciativa da Associação para a Língua Alemã, que desde 1971 seleciona um termo que melhor resume o espírito de uma época. Na Alemanha, a palavra de 2017 foi “Jamaika-Aus”, ou “fim da Jamaica”, em referência ao fracasso das negociações para a formação de um novo governo. Já entre os brasileiros “corrupção” foi a vencedora em uma consulta popular que também teve como finalistas “vergonha” e “crise”.

    Corrupção, vergonha e crise parecem se encaixar bem em um ano conturbado, que começou com a expectativa de que a chamada “delação do fim do mundo” – o acordo dos executivos da poderosa empreiteira Odebrecht com a Justiça – seria o início de uma limpeza no sistema político e que agora chega ao fim com um presidente pessoalmente acusado de corrupção seguindo firme no cargo.

    A classe política, que iniciou janeiro acuada, reagiu, dando forma ao plano de “estancar a sangria” com uma série de iniciativas para enfraquecer a operação Lava Jato e salvar seus membros. O presidente Temer escapou de três episódios que poderiam ter lhe custado o cargo: a votação pela Câmara de duas denúncias criminais e um julgamento na Justiça Eleitoral. No final, a habilidade política do presidente se mostrou mais forte que o peso das acusações e a persistente rejeição dos brasileiros ao seu governo.

    Em maio, quando o conteúdo delação da JBS foi relevado – ofuscando as revelações da Odebrecht –, a dúvida parecia apenas quando o presidente seria afastado. Um dos assessores do presidente havia sido flagrado recebendo uma mala de dinheiro, e o próprio Temer nada fez quando o empresário Joesley Batista lhe confidenciou que estava subornando juízes.

    Aos poucos, no entanto, as controvérsias sobre o generoso acordo de delação entre a JBS e a Procuradoria-Geral da República passaram a ser exploradas pelo governo e por políticos que temiam ser os próximos alvos. Temer ainda tratou de conter o esfacelamento da sua base com o velho expediente de distribuição de emendas e cargos na máquina federal. No final, o ex-procurador-geral Rodrigo Janot deixou o cargo de maneira melancólica.

    Também contou a favor de Temer a falta de reação das ruas. Apesar da ampla rejeição a Temer e o contínuo apoio à Lava Jato, lideranças de movimentos não se esforçaram ou evitaram convocar manifestações populares contra o governo, como havia ocorrido no final do governo de Dilma Rousseff.

    A recém-adquirida confiança de Temer nos episódios levou o governo a trocar o comando da Polícia Federal por uma figura que agradou a seu partido, o PMDB, e a nomear para a chefia da PGR a procuradora Raquel Dodge, uma adversária interna de Janot. Após assumir o cargo, o novo chefe da PF, Fernando Segóvia, chegou a minimizar o episódio envolvendo o assessor de Temer flagrado com a mala de dinheiro, nomeou como número dois um ex-candidato a deputado pelo PMDB e ainda trocou o delegado responsável por uma investigação que envolve o presidente e suspeitas de corrupção no Porto de Santos.

    No Congresso, deputados e senadores que começaram o ano sob o temor da Lava Jato viram sua influência se expandir. Bancadas conservadoras arrancaram do governo generosos perdões fiscais e medidas para conter o combate ao trabalho escravo e a expansão de reservas indígenas.

    Os membros do Congresso também aprovaram mecanismos para garantir sua própria sobrevivência a partir de 2018, como um superfundo bilionário de financiamento de campanhas, uma forma de contornar as restrições às doações empresariais, e que, segundo analistas deve afastar ainda mais os políticos da população. “O dinheiro vai vir fácil, incentivando uma desresponsabilização. O fundo também dificulta a renovação”, afirma cientista político Kai Michael Kenkel, professor do Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio e pesquisador associado do Instituto Alemão de Estudos Globais e Regionais (Giga)

    Também avançaram no Senado projetos contra a Lava Jato, como aquele que afirma pretender conter o “abuso de autoridade”, e que é acusado por promotores e juízes de querer limitar a ação da Justiça e do Ministério Público.

    Temer ainda sobreviveu com poucos arranhões a outros episódios, como a prisão do seu ex-ministro Geddel Vieira Lima, apontado como o detentor de 51 milhões de reais encontrados em malas em um apartamento em Salvador. As imagens da montanha de dinheiro foram reproduzidas por jornais mundo afora.

    Outras figuras do governo Temer escaparam do destino de Geddel com ajuda do presidente, como Moreira Franco (Secretaria-Geral). Acusado de cobrar propina da Odebrecht, ele foi alçado ao status de ministro e blindado com foro privilegiado em fevereiro – uma manobra que havia fracassado com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no governo Dilma Rousseff, mas que passou sem maiores problemas para Temer.

    Nos últimos dias de dezembro, Temer voltou a agir para beneficiar seus aliados ao modificar as regras dos indultos (perdão ou redução da pena) que costumam ser concedidos pelos presidentes ao final do ano. Ao afrouxar as pré-condições para quem pode ser beneficiado, a medida passou a incluir dezenas de condenados por corrupção e lavagem de dinheiro no âmbito da Lava Jato. Na quinta-feira (28/12), a presidente do STF, Cármen Lúcia, mandou suspender tudo, mas Temer já indicou que pretende lançar outra versão da medida. (DW)

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