O álbum “Luanda, meu semba”, que aqui se apresenta em versão instrumental, é uma excelente obra discográfica que já correu mundo, colhendo de todos aqueles que o puderam adquirir, as melhores considerações e óptima receptividade da crítica. Lançado em 1994, em Luanda, o registo fonográfico teve o suporte dos melhores instrumentistas da época, criteriosamente escolhidos, que colectivamente participaram dos arranjos sob a direcção do teclista angolano do grupo Afra Sound Stars, Ket Hagaha, com a cooperação do Autor.
A maior parte das estações de rádio em Angola elegeu “Luanda meu semba” para a sua grelha de programas e facilmente a obra conquistou o público, tendo sido aplaudida pelo meio artístico. “Luanda, meu semba” levou a UNAC – União dos Artistas e Compositores – a conceder ao seu autor o título de “Artista Revelação” e Né Gonçalves projectou-se no mundo através da música divulgada em CD e do cinema com a banda sonora do filme “Na cidade vazia”, Prémio Nacional de Cultura e Artes, da realizadora angolana Maria João Ganga.
Foi o único CD seleccionado pela Tropical Music, da Alemanha, entre seis títulos angolanos, para distribuição nas principais capitais europeias, entre elas, Paris, Bruxelas, Amesterdão e Londres e a FNAC apresentou-o como álbum de estréia no seu espaço comercial em Paris.
Acredito que este instrumental tem categoria para constar do catálogo restrito da Tropical Music, ao lado da discografia de Cesária Évora e outros pesos pesados da Lusofonia, com especial relevo para os nomes sonantes da música brasileira.
Trata-se de um trabalho de grande riqueza musical, de renovação e inspiração estéticas dignas de realce, atestando o nível de pensamento artístico do autor, que desta vez, soube escolher Jorge Cervantes para a construção de surpreendentes arranjos que fazem a delícia desta relíquia, plena de dissonâncias rítmicas.
“Luanda, meu semba”, que aqui se expõe no formato instrumental, é um canto da alma, que nos acompanha nos momentos de introspecção, produzindo agradáveis sensações oníricas e de bem estar espiritual. Foi o que senti, quando me dei ao prazer de ouvir este saboroso compacto, enquanto traçava estas linhas,.
Foi sob o balanço rítmico de Natureza, Menina do Mar e Luanda, meu semba, que me senti projectado nas ondas hertzianas do semba, saracoteando a minha alma mwangolê, como alguém possuído por calundus. O semba, tem coisas destas: embriaga, seduz, desconcerta, sobretudo quando bem executado, como é o caso. O naipe de cordas de Zé Mweleputo e Jorge Cervantes evidenciam-se num salutar diálogo harmónico, com um toque de magia dos deuses, onde as notas dissonantes se colam aos sopros de Nanutu e Daniel Vieira, e aos tambores de João Morgado e Xico Santos, numa verdadeira cadência harmoniosa.
Os outros temas entrelaçam-se numa cadeia de sons tecnicamente bem caprichados, que tornam o álbum eclético. É tudo isso que transforma Luanda, meu semba instrumental numa obra de refinado bom gosto.
De resto, rendo-me à evidência, chamando à atenção, aos que ignoram a retórica da vida e não se prezam pelos valores da nossa cultura tão rica de elementos pictóricos e rítmicos, para dizer que a música angolana é de facto, das coisas mais belas da nossa existência!
O som magnífico plasmado neste instrumental é algo proveniente da alta sensibilidade artística de Né Gonçalves, que dirige, com sapiência, a produção, não fosse ele o titular de uma exigência, própria do seu ser. Quem o conhece sabe bem do que falo.
Ao degustarmos os sabores melódicos desta obra, vem a talhe de foice, a engenharia rítmica aplicada pelos variadíssimos músicos seleccionados, de Angola, Moçambique, Cabo-Verde, Portugal, Brasil, Espanha, Cuba, Peru e República Checa, tornando-a num agradável cocktail de sons, que nos remetem para o reino do belo e do fantástico.