Em meados dos anos 60, António Celestino, ainda criança, caiu subitamente ao chão, sem que nada tivesse provocado a queda. Os pais e familiares julgaram ser uma situação normal e passageira. Mas quedas sucessivas mostraram que o menino, de sete anos, estava cada vez mais debilitado, sem forças para se manter de pé e caminhar.
Os pais, preocupados, procuraram uma solução para a doença. Mas devido ao atraso da medicina na época (falta de equipamentos de diagnóstico e técnicos especializados) as tentativas de descobrir a doença fracassaram. A doença deixou António Celestino paralítico. Mas as suas cinco filhas têm a mesma deficiência nos braços e nas pernas. É afinal uma doença congénita que passa de pais para filhos. A doença ataca e imobiliza as tíbias.
A família Celestino reside na zona do “Km-13”, comuna da Arimba, município do Lubango, província da Huíla. O pai António explica que todos filhos nascem saudáveis mas quando completam entre quatro e sete anos, manifestam os sinais da doença, sem apresentarem os sintomas.
De 58 anos, António Celestino quer entender as razões deste fenómeno que o atinge desde tenra idade e agora as filhas. A doença impede o desenvolvimento físico e enfraquece a capacidade de locomoção.“A mãe das minhas filhas já morreu. Era uma pessoa saudável. Tenho outros três filhos normais com idades compreendidas entre os 12 e os 21 anos. As meninas são afectadas, os rapazes não”, disse.
O patriarca pretende saber a origem da doença e apurar se são causas genéticas que podem afectar os netos. “Não sei se o problema está no sangue ou não. Naquele tempo não foi possível apurar as causas. A medicina evoluiu e podemos saber o que se passa e qual a possibilidade de evitar que os netos não sejam contaminados”, disse.
Negócios precários
A família Celestino sobrevive de negócios precários, realizados junto à estrada entre o Lubango e Ondjiva, província do Cunene. Vendem gasosas, cervejas, vinho e pão. Outra actividade da família é a agricultura de subsistência. António Celestino disse que a família precisa de crédito agrícola para dinamizar a actividade e garantir alimentos para o seu sustento.
“As minhas filhas vendem de tudo um pouco para assegurar o sustento”, referiu, reconhecendo que “os apoios recebidos da Direcção da Assistência e Reinserção Social também nos ajudam muito, mas são irregulares”.
As cinco filhas com deficiência estão fora do sistema de ensino. O pai aponta a distância que separa a casa das escolas como factor que as impede de frequentar as aulas.
Apoios precários
A família clama por mais apoios. Recentemente recebeu cadeiras de rodas do centro “Elavoco”, que apoia os deficientes. O centro tem prestado, também, ajuda com alguns bens de primeira necessidade como arroz, fuba, óleo alimentar e outros produtos.
Joana Celestino, 27 anos, é a filha mais velha de Celestino: “não tenho Bilhete de Identidade. As minhas irmãs também não têm. As primas e sobrinhos ainda não foram registados”.
Como uma desgraça nunca vem só, recentemente, a casa de Joana foi assaltada e os meliantes levaram o fogão e a botija de gás oferecidos por um cidadão solidário: “há os que desprezam os deficientes, mas outros ajudam-nos a superar as nossas necessidades”.
O director do Centro “Elavoco”, Didier Sulisa, disse que os membros da família com deficiência estão inscritos na instituição, que dentro das possibilidades tem apoiado com alguns meios e bens de primeira necessidade para minimizar as carências da família.
A ajuda prestada, reconheceu, ainda é insuficiente mas a Direcção Provincial da Assistência está atenta à família e conta com a participação de outras instituições para salvaguardar os direitos das pessoas portadoras de deficiência.“São pessoas que precisam de mais apoios. Estamos diante de uma família com necessidades especiais e que precisa de assistência constante como cadeiras de rodas, cuidados de saúde, alimentos e instrumentos de trabalho”, disse.
Para Didier Sulisa, há a necessidade urgente de incluir as pessoas portadoras de deficiência em todos sectores da vida nacional. Sugere à Direcção Provincial da Educação a construção de uma escola especial para permitir a inclusão dos deficientes no sistema de ensino.
“Os nossos membros clamam por uma escola aqui, porque as existentes ficam muito distantes e são pessoas com dificuldades de locomoção. Gostávamos de ver este problema revolvido”, afirmou Didier Sulisa.
Habilidades e sonhos
Neima Celestino, 26 anos, é hábil a “trançar” as senhoras do bairro. Ela aprendeu com a tia e é famosa pelos estilos de tranças que faz às mulheres da zona do “Km-13”.
Neima consegue fazer todo o tipo de tranças, desde as curtas às longas. Argumenta que as pessoas com deficiência podem também desenvolver talentos e têm capacidades para fazer o que os cidadãos considerados normais muitas vezes não podem.
A jovem quer concretizar um sonho: montar um salão de beleza e atender com qualidade as clientes que procurarem os seus serviços. O problema é que não tem dinheiro para montar o seu negócio. Talvez um dia tenha acesso ao crédito para poder realizar o sonho.
A sua irmã, Ana Celestino, de 20 anos, quer também desenvolver o seu negócio de vendedora para ajudar a família. Ana já tem um filho, do qual cuida com muito carinho para que ele cresça com saúde.
Ela é assídua nas vacinas e está determinada em continuar os estudos para realizar o sonho de ser médica: “gostava também de fazer cursos profissionais, como de corte e costura, decoração ou informática, porque acredito que podem ajudar-me a conseguir um emprego”, referiu. O irmão, José Celestino, 12 anos, passou de classe e promete estudar muito para conseguir um emprego que ajude a sustentar a família. José tem confiança no futuro e sabe que com dedicação e muito sacrifício nos estudos é possível mudar a vida das irmãs e do pai.
Esperança de cura
A reportagem do Jornal de Angola pediu ao médico do hospital da Aliança Evangélica, localizada na zona do Cristo Rei, uma consulta aos membros da família. O director clínico da unidade hospital, especialista em cirurgia geral, Stephen James Foster, mais conhecido por “Doutor Estêvão”, aceitou o desafio de acompanhar o caso.
Depois da primeira consulta, o médico confirmou que as tíbias estão curvadas. Argumentou que este é um fenómeno que pode ocorrer em qualquer pessoa, “por isso, os membros da família têm de fazer radiografias e análises clínicas”.
O médico cirurgião informou que os exames são fundamentais, porque além de determinarem as verdadeiras causas da doença, vão orientar as próximas intervenções ou correcções ortopédicas para endireitar as tíbias.
Sobre a incidência da doença nas meninas, o médico respondeu que tal facto é possível pela influência genética paterna.
Em caso de uma intervenção cirúrgica a recuperação óssea pode demorar até sete meses para os adultos, dependendo da qualidade dos ossos. Sublinhou que estes tratamentos são mais baratos em Angola do que no estrangeiros onde os custos de evacuação e hospedagem são altos.
“Vamos realizar todos os exames necessários para ver em primeiro lugar se podemos ser bem sucedidos. Pode ser que ao fazermos os exames, surjam factos que contrariam a nossa previsão”, disse.
O médico e a direcção do hospital estão dispostos a ajudar através das consultas e análises, mas defende a mobilização de recursos dos vários actores sociais para custear as operações das seis pessoas afligidas pela doença.
O director do Centro “Elavoco”, Didier Sulisa, manifestou satisfação pela disponibilidade do médico em apurar as causas da deficiência.
“Vamos fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para ajudar essa família”, disse Didier Sulisa.
Fonte: JA