
António Cristóvão nasceu no Huambo, a guerra obrigou-o a vir para Luanda (com os pais e mais sete irmãos) e acabou por fazer os estudos na Cidade do Cabo. Nessa altura já gostava de jazz. “A minha família sempre foi apreciadora do estilo, e eu, como mais novo, fui influenciado por eles.”
Infelizmente, nunca conseguiu assistir ao vivo ao festival da Cidade do Cabo, o quarto maior do mundo (famoso por combinar o jazz com outros estilos de música que apelam a várias gerações de espectadores. “Na altura era estudante e não tinha dinheiro suficiente. Limitava-me a ver pela televisão.” Talvez, por isso, assim que teve oportunidade, resolveu criar o seu próprio festival. E ela surgiu em 2009 quando, durante uma viagem a Maputo, conheceu o director da EspAfrika que organiza o festival da Cidade do Cabo (em Abril) e eventos similares no Botsuana (em Setembro) e Porto Elizabeth (em Dezembro).
A conversa correu tão bem que resolveram assinar um contrato de parceria de cinco anos ao abrigo do qual a empresa sul-africana se compromete a apoiar a Ritek na organização do Festival de Jazz de Luanda, em particular nas áreas mais técnicas da produção e logística. Uma das vertentes principais do acordo é a transferência de know-how. “Os nossos técnicos fazem estágios ao longo do ano em todos os festivais organizados pela EspAfrika”, diz. Também em resultado dessa parceria a Ritek é o principal patrocinador do festival da Cidade do Cabo, possuindo um stand logo à entrada do pavilhão principal. Em Agosto, vai patrocinar, pela primeira vez, o “histórico” Festival de Paredes de Coura, no Norte de Portugal. “Os festivais são uma excelente forma de apresentação da Ritek nesses mercados”, justifica.
Fruto da união de esforços entre a Ritek e a EspAfrika, hoje o Festival de Jazz de Luanda é, segundo António Cristóvão, o maior evento cultural do país e o segundo maior festival de jazz de África (logo após o da Cidade do Cabo, no qual actuam 40 artistas). O orçamento previsto para edição deste ano (a terceira) é de 3,5 milhões de dólares, dos quais o pagamento aos artistas (cachets, viagens e estada) representa 55% a 60% do total. O aluguer do espaço é outro custo importante dado que é preciso montar o material com, duas semanas de antecedência. A reserva de artistas precisa de ainda mais tempo. “Já estamos a agendar para os próximos três anos”, revela.
Mais bilhetes a preços menores
A selecção cuidada dos artistas é um dos principais trunfos do festival. Na edição deste ano, está confirmada a presença de uma grande senhora do jazz — Dee Dee Bridgewaters — e de outros músicos de nomeada, como o português Rui Veloso ou os DJ sul-africanos Liquideep e Black Coffee. Mas até ao fecho desta edição da EXAME, a lista final ainda não estava fechada. “Até ao dia da abertura (28 de Julho) ainda vamos revelar mais nomes sonantes que ainda não confirmaram.”
Em consequência, este ano vão ser emitidos mais bilhetes (6 mil versus os 4500 do ano anterior) cujo preço diário será de 11 500 kwanzas (mais barato do que os 15 200 da última edição). Ao contrário do que sucedeu no primeiro festival (onde a Ritek assumiu a totalidade das despesas) esta edição tem vários patrocinadores (caso do BPC e Internet Technologies) cujas receitas totalizaram cerca de 600 mil a 800 mil dólares. O valor é quase o do dobro do ano anterior, mas ainda assim insuficiente para amortizar o orçamento de 3,5 milhões de dólares (versus 3,7 milhões, em 2010, e 1,7 milhões, em 2009).
António Cristóvão destaca ainda a ajuda de outras entidades prestadoras de serviços como, por exemplo, o Hotel de Talatona oferece um desconto na estada dos artistas.

CAPE TOWN: Sponsor e parceiro da EspAfrika
Ambição de chegar ao top mundial
É aliás para lá que António Cristóvão deseja transferir o festival no futuro de modo a albergar mais pessoas, o que, segundo prevê, fará o orçamento disparar para 5 milhões de dólares. “Só não o fizemos já este ano porque esperámos até ao prazo limite pela resposta favorável dos patrocinadores, algo que só chegou posteriormente.” Uma das inovações deste ano é a criação, em paralelo, de uma exposição fotográfica dedicada ao jazz que será inaugurada antes do festival, no Centro Cultural Português. A exposição irá homenagear a figura de Jerónimo Belo, o grande divulgador do jazz em Angola, e será baseada no arquivo fotográfico do próprio assim como de outros artistas angolanos (o denominador comum são as fotos a preto e branco).
As metas para o futuro são ainda mais ambiciosas. “Na quinta edição do festival queremos oferecer 30 artistas e chegar às 6 mil pessoas por dia. Quero que num prazo de cinco a dez anos o nosso festival esteja a rivalizar com os melhores do mundo.” No que diz respeito a artistas confessa que sonhava trazer, um dia, nomes como Carlos Santana ou Sting. “Por enquanto, os cachets deles são incomportáveis. Santana pede 1 milhão de dólares e Sting 3 milhões”, justifica.
Sobre o que correu melhor nos anos anteriores, o empresário destaca a qualidade dos artistas (alguns dos quais ficaram seus amigos pessoais) e a receptividade do público. “Muitos tinham dúvidas sobre a organização de um festival deste tipo em Luanda, onde a maioria das pessoas não tinha uma grande cultura de jazz. A verdade é que o apoio do público vem crescendo de ano para ano e tem superado todas as expectativas”, diz. O mais importante, no entanto, é a do festival ajudar a melhorar a imagem do país. “Muitos artistas tinham medo de actuar em Angola. Muitos julgavam que ainda era um país em guerra.” António Cristóvão recorda o caso de George Benson, a “estrela” da edição anterior, que recusou o convite duas vezes, assustado com o que acontecera com a selecção do Togo, em Cabinda, durante o CAN. O empresário só contornou o problema quando falou pessoalmente com George Benson, na Cidade do Cabo. As suas famílias acabaram por desenvolver uma relação de amizade e o artista decidiu cancelar os espectáculos agendados para Itália de modo a marcar presença em Luanda. “Hoje, felizmente esse problema já não existe. Os agentes falam uns com outros e já não recusam Luanda. Temos inclusivamente artistas, como Cole Taylor, que já nos pediram para repetir a experiência.”
No entanto, ainda existem muitas dificuldades a contornar. O problema mais grave, segundo o organizador, são os vistos de entrada. “No ano passado, houve uma banda que ficou retida na Holanda e tivemos alguns artistas que foram obrigados a esperar no aeroporto de Luanda pela chegada do visto. A situação só se resolveu devido à intervenção do Ministério da Cultura.” Igualmente penosa é a dificuldade para se desalfandegar o material de som e os instrumentos. Há ainda situações, que depois de resolvidas até chegam a ser divertidas, tais como as exigências dos músicos. “George Benson, por exemplo, pediu-nos para ficar numa suite presidencial, com rosas brancas e um prato de marisco, pescado na hora”, recorda.
Um negócio que desperta paixões
António Cristóvão gosta realmente do que faz. “Preparar o festival é um stresse terrível ,mas é algo que faço por paixão. Não só porque adoro jazz, mas também porque vivi muitos anos fora de Angola e entristecia-me ver a imagem negativa que os outros tinham do meu país. Agrada-me contribuir para mudar essa imagem.” É também com esse propósito que o empresário tem incentivado a presença de artistas angolanos nos festivais internacionais. “Há dois anos tivemos o Paulo Flores na Cidade do Cabo, este ano foi a vez de Sandra Cordeiro. Ambos foram muito bem recebidos pelo público e tiveram criticas elogiosas na imprensa.” Agora, o empresário pretende levar Afrikanita ao Festival de Paredes de Coura, em Portugal (do qual a Ritek é um dos sponsors).

SANDRA CORDEIRO: Depois de brilhar em Luanda fez a abertura do festival de jazz da Cidade do Cabo
Outra aposta consiste em apoiar jovens talentos nacionais. É o caso de Emanuel Kanda, de apenas 25 anos, cujo lançamento do primeiro CD foi apoiado pela Ritek. “Queremos levá-lo a outros festivais como o do Botsuana. Além de Sandra Cordeiro e Afrikanita cremos que há outros artistas angolanos que embora não sejam tipicamente de jazz têm um estilo exportável. É o caso, por exemplo, do Toto, do Gabriel Tchiema e do Kizua Gourgel.”
A aposta do grupo familiar no jazz é um excelente cartão-de-visita para os outros negócios do grupo Ritek. A aventura empresarial em Angola começou em 2007. João e Adriano, irmãos mais velhos, vivem em Portugal e Espanha, onde já detinham uma empresa de intermediação de negócios (consultoria e apoio aos empresários que desejam investir em Angola).
Coube a António a gestão das operações da Ritek Angola cujo negócio mais representativo é o rent-a-car, onde é um dos líderes de mercado. A empresa tem hoje uma frota de 120 viaturas — desde autocarros turísticos, minibus, carrinhas, veículos todo-o-terreno, viaturas protocolares, camiões e maquinaria para a construção civil — e três balcões de atendimento — dois em Luanda e um em Cabinda (próximos destinos serão: Lubango, Soyo e Namibe). A Ritek quer continuar a crescer nesta área de negócio. “Este ano, vamos gastar 2 milhões de dólares na renovação da frota e, já em Agosto, irá ser inaugurada a oficina central, no Morro Bento, que além de cuidar dos nossos veículos, prestará serviços a terceiros”, diz. A empresa tem igualmente uma estação de lavagem e limpeza de viaturas, no bairro Rangel, em Luanda.
Do turismo à restauração e tecnologia
Em 2008, foi inaugurada a pastelaria e panificadora Flamingo, em Benguela. E na mesma cidade será erguido, em 2012, o Hotel Umosi, de três estrelas. Um pouco mais a sul, na praia da Caotinha (famosa pelas suas águas transparentes, popularizada nos romances de Pepetela) nascerá o projecto mais sonante: um resort turístico cujo projecto de arquitectura já está concluído. O grupo também tem alguns terrenos em Maputo, capital de Moçambique, onde tenciona construir empreendimentos turísticos. “Tivemos uma má experiência na escolha do parceiro local e perdemos muito dinheiro. Mas Maputo, tal como a Cidade do Cabo, continuam nos nossos horizontes de expansão.” Em Luanda, o grupo pretende inaugurar um restaurante temático dedicado ao jazz, em Maio de 2012.
No Sul de Angola, o grupo tem uma empresa de agro-pecuária, em parceria com espanhóis, e uma consultora em construção civil e fiscalização de obras públicas.
Outro projecto em perspectiva chama-se Welwitschia — em homenagem à famosa planta endémica do deserto do Namibe — local onde a Ritek tenciona edificar casas sociais ao abrigo do projecto governamental “Meu Sonho, Minha Casa” (que visa construir 1 milhão de casas). A próxima grande aposta do grupo será a representação de uma marca internacional de tecnologia, uma parceria que será anunciada oficialmente no final deste mês, no decurso do Festival de Jazz de Luanda.
Aposta na formação contínua

GEORGE BENSON: A estrela da edição de 2010
O grupo Ritek, como se vê, cresce a bom ritmo. “Os projectos só não estão a andar mais depressa porque 2009 e 2010 foram anos difíceis para nós. Até agora, todos os projectos têm sido financiados por capitais próprios, mas, pela primeira vez, vamos recorrer a um empréstimo bancário para terminar o projecto do hotel e do resort.”
Apesar de ter de dividir o seu tempo por múltiplas actividades, António Cristóvão ainda tem algum para apostar na sua valorização profissional. “Como não estudei Gestão, julguei ser importante fazê-lo agora.” Depois dos estudos na Cidade do Cabo (onde se licenciou em Ciência Política e fez um mestrado em Relações Internacionais) e em Tóquio (fez uma pós-graduação em Cooperação e Desenvolvimento, durante cinco meses), António Cristóvão concluiu, no ano passado, o Programa de Alta Direcção Empresarial, realizado em Angola pelo Facide (em parceria com a AESE) e vai inscrever-se no Advance Management Course, da Universidade Católica, cuja aulas vão ter lugar em Luanda, Lisboa e Chicago (parceria com a Kellogs).
Questionado sobre qual é afinal o negócio com que o empresário realmente se identifica, a resposta surge imediatamente: “O festival de jazz, sem dúvida. É uma forma de libertar do stresse da vida empresarial. Gosto de estar perto dos artistas e de ver as pessoas felizes com os espectáculos. No ano passado, cheguei a ficar emocionado quando vi a alegria e a receptividade do público. Provámos que afinal os angolanos também gostam de jazz.” Nós também gostamos. A EXAME decerto marcará presença na primeira fila do festival.
Idade 39 anos, casado, pai de 3 filhos
Naturalidade Huambo
Cargo Director-geral da Ritek (fundada com os irmãos João, 48 anos e Adriano, 46)
Formação académica Licenciado em Ciências Politicas, mestrado em Relações Internacionais (Cape Town, África do Sul), pós-graduação em Cooperação e Desenvolvimento pela Universidade das Nações Unidas (Tóquio, Japão) e Programa de Alta Direcção de Empresas (Angola)
Experiência profissional Após a licenciatura trabalhou no Ministério de Relações Exteriores como coordenador do Instituto de Relações Internacionais, assumiu a direcção da Ritek desde a sua fundação em 2007
CINE ATLÂNTICO: Palco do Festival de Jazz Luanda

Local Cine Atlântico
Abertura 21h30 (sexta-feira), 19h30 (sábado); 18h30 (domingo)
Preços 8 mil kwanzas (sexta-feira) e 11 500 kwanzas por dia (sábado e domingo)
Line up (*) Banda Maravilha, Emanuel Kanda, Simons Massini, Yami e Kizua Gourgel (Angola); Liquideep, Black Coffee e Jonathan Butler (África do Sul); Mayra Andrade (Cabo Verde); Dee Dee Bridgewaters e Spyro Gyra (Estados Unidos); Rui Veloso (Portugal); Moreira Chonguiça (Moçambique); Ismael Lô (Senegal)
Organização Ritek (parceria com EspAfrika)
Orçamento 3,5 milhões de dólares (3,7 milhões, em 2010 e 1,7 milhões, em 2009)
Principais sponsors BPC e Internet Technologies Angola

PAREDES DE COURA (PORTUGAL): A Ritek será um dos patrocinadores do festival deste ano

RESORT NA CAOTINHA : Em Benguela o grupo irá inaugurar um hotel em 2012
Um grupo com Swing
Nome Ritek Investment Group
Data de criação 2007
Fundadores João, Adriano e António Cristóvão
Empresas
Kajoca comércio, importação e exportação;
Ritek rent-a-car frota de 120 viaturas com dois balcões em Luanda e um Cabinda;
Hotelaria e Turismo Umosi Hotel em Benguela e Umosi Caotinha Beach Resort, na Caotinha (estão previstos futuros empreendimentos noutras regiões de Angola e em Moçambique);
Pastelaria Flamingo no centro de Benguela, inclui panificadora;
Ecoagro agro-indústria em parceria com uma empresa espanhola;
Projecténica projectos, consultoria em construção civil e fiscalização de obras públicas;
Rienk construção de casas sociais na província do Namibe, inseridas no projecto Meu Sonho Minha Casa;
Ritek Oil futuro braço da empresa para o sector petrolífero;
Ritek Eventos e Produções organização do Festival de Jazz de Luanda e participicação no de Cape Town (parceria EspAfrika),
Kwanza Corp empresa sedeada em Portugal dedicada à consultoria e à intermediação de negócios
FUTURAS áreas de negócio restauração ( restaurante temático dedicado ao jazz que abrirá em Luanda, em Maio de 2012) e tecnologia (representação exclusiva de uma grande marca internacional ainda em 2011)
Escritórios Angola, Portugal e representação em Moçambique
Empregados 150 (só em Angola)
Por: Jaime Fidalgo
Fonte: Exame
Foto: Exame