
João Fonseca, vice-presidente do Banco Keve esclarece que a Liubor passará a ser a taxa de referência nas operações de crédito entre os clientes e a banca
O Novo quadro Operacional para a Política Monetária introduz duas novas taxas de referência: a Taxa Básica do BNA (Banco Nacional de Angola) e a taxa Liubor. O que são, de facto, estas taxas? Que reflexos terão sobre o preço do dinheiro? Qual a que vai ser utilizada na contratação de crédito por empresas e particulares? João Fonseca, vice-presidente do conselho de administração do Banco Keve dá-nos, em entrevista, resposta a estas questões. E adianta que os clientes do sistema bancário já poderão contar com a Liubor a prazo de um mês em Novembro e, para maturidades mais longas, a partir de 2012. Para João Fonseca o novo quadro monetário é, no essencial, idêntico ao das economias mais desenvolvidas.
O BNA introduziu duas novas taxas, a taxa básica BNA e a taxa Liubor. Qual o principal objectivo da introdução da Taxa Básica BNA?
É gerir a liquidez excedentária no sistema bancário. A existência de um excedente significa que há recursos que não estão a ser aplicados, oquetemumcustoadicional que se reflecte em taxas de juro mais elevadas. Ora, a taxa de juro para um banco tomar liquidez junto do BNA, o que, desde Novembro já pode fazer sem recorrer ao redesconto através das facilidades de cedência de liquidez, será a Taxa Básica mais um spread a definir pelo banco central. No caso de existir num banco excesso liquidez e se a quiser colocar como um depósito no BNA, a taxa de remuneração será a Taxa Básica menos a margem que o banco central definir. A Taxa Básica vai ser a taxa de referência para todos os instrumentos de política monetária que o BNA tem à sua disposição. Os bancos definirão, nas operações de empréstimo que fazem entre si, a sua taxa, que actualmente é a taxa interbancária mas que passará a ser a taxa Liubor, sendo que essa taxa já será balizada pelas taxas indicadas pelo BNA. Há que ver como os bancos irão reflectir nos seus contratos de crédito denominados em kwanzas estas taxas. Se irão utilizar a Taxa Básica acrescida de um spread ou se irão utilizar outras taxas de mercado.
Ainda não há uma fórmula de cálculo para a taxa base…
Daí que seja importante que o Comité de Política Monetária divulgue nos seus comunicados a análise que faz da situação para que compreendamos as bases de formação da taxa.
Como vêm sendo fixadas as taxas praticadas junto dos clientes?
Têm sido baseadas, em grande parte, nas taxas dos títulos públicos.
O principal efeito da introdução da taxa básica do BNA poderá vir a ser a redução das taxas activas e elevação das passivas?
Esse é o objectivo, que tem a ver com o controlo da inflação, mas não sei se a introdução da taxa conduzirá imediatamente a esse efeito. Não se trata de uma taxa de mercado, que vai ser decidida pelo próprio BNA. Tem fins de política monetária. Há uma questão muito importante e que tem a ver com o facto de os bancos terem de trabalhar, cada vez mais, com crédito em kwanzas, o que significa que se tem de ter taxas de referência em kwanzas. E todos estes instrumentos que o BNA está a criar vão permitir haver mais referências para a taxa de juro em kwanzas, no sentido de se começar a formar uma curva de rendimentos em kwanza. Há mais de um ano que não há, mesmo em maturidades acima de um ano, referências em kwanzas.
Mas qual o reflexo sobre o preço do crédito?
O reflexo sobre o crédito vai depender muito das orientações seguidas pelos bancos. Porque a verdade é que os bancos, neste momento, estão a aplicar as disponibilidades que têm dos clientes, os seus recursos, a uma taxa de juro que ronda os 5% ao ano, com uma rentabilidade real negativa, o que implica que a margem financeira dos bancos (a relação entre juros recebidos e juros pagos) baixou. A decisão sobre a introdução das taxas de juro do crédito vai depender da estratégia que a banca irá seguir em relação aos seus resultados, ao risco que queiram assumir face aos clientes. O que importa relevar é que passamos a contar com um quadro normalizado, que esperamos seja muito bem regulamentado e transparente.
Como vê a introdução da Facilidade Permanente de Absorção de Liquidez?
Não tem vindo a ser muito utilizada. O BNA precisa de ter mais instrumentos para efectuar a gestão fina da liquidez que, neste momento, não é possível realizar, dado que o mercado interbancário não é suficientemente profundo. É isso que se infere do documento que apresenta o novo quadro para a política monetária, Como nele se refere há cinco bancos a tomar liquidez e cerca de 13 a ceder.
O mercado interbancário encontra-se muito concentrado e quando há pouca procura e muita oferta o tomador acaba por determinar a taxa de juro. O objectivo é haver mais instrumentos para efectuar a gestão da liquidez dos bancos. Ou seja, o BNA vai passar a dispor de instrumentos adequados na sua actuação, nomeadamente no que toca á sua missão de garantir a estabilidade dos preços, o que significa um progresso muito significativo. O novo quadro monetário é idêntico ao das economias mais desenvolvidas e Angola precisa dele para se desenvolver.
E quanto às bases operacionais sobre as quais estes instrumentos irão funcionar?
Este quadro não funciona se não tivermos uma base operacional de pagamentos em tempo real, que é um sistema electrónico que os bancos utilizam para efectuar as transacções financeiras entre eles e o BNA e o SIGMA, que é basicamente um sistema que permite a gestão dos títulos públicos. Em quase todas estas operações está subjacente a utilização de títulos públicos como garantia das operações que fazemos junto do BNA. Quando um cliente pede um crédito a um banco tem de prestar garantias. Quando utilizamos instrumentos do BNA também temos de prestar garantias consubstanciadas em títulos públicos.
Quando foi divulgada a criação da Taxa Básica muitas pessoas perguntaram-se se passariam a ter uma taxa de referência nas suas operações com o sistema bancário. Não é disso que se trata?
Não, embora permita balizar as taxas do mercado. Será explícita no caso do crédito ligado ao Fundo de Garantia à Habitação em que a taxa de juro será a Taxa Básica do BNA acrescida de um spread que vai ser decidido.
E já se sabe qual é a taxa a aplicar no âmbito do Fundo?
Ainda não.
A Liubor é definida dentro do sistema bancário. Poderá vir a ser vista como uma taxa de referência para os clientes, permitindo-lhes comparar as taxas oferecidas pelos diferentes bancos?
O grande objectivo é que a Liubor passe a ser a taxa de referência dos contratos celebrados entre os bancos e os seus clientes, tal como acontece com as suas congéneres internacionais. Mas a Liubor, de certo modo, já vigora sob a forma de taxa do mercado interbancário.
Qual a diferença, na perspectiva dos clientes, em relação à Taxa Básica?
A Taxa Básica será sempre inferior à taxa do mercado. Será definida pelo BNA. A Liubor será definida pelo mercado, assentará no princípio da oferta e da procura. Se houver muitos bancos a oferecer e outro a tomar, será o tomador a definir a taxa. Penso que a Liubor passará a funcionar como um indexante mas, para tal acontecer, precisaremos de ter a curva de juros, o que significa que não basta ter a curva de um dia ou de sete dias, ou de 30 dias, sendo que esta última, aliás, não existe. O BNA quer definir a taxa de 6 meses, 9 meses e 12 meses. E isto é que me parece interessante para se conseguir a Liubor. Enquanto a Liubor para os prazos até 30 dias se vai basear nas transacções efectivas do mercado interbancário, a prazos mais longos deverá ser calculada com base não nas taxas efectivas mas nas taxas que os bancos oferecem para essas maturidades.
Está-me a dizer que será possível adoptar a Liubor para o crédito ao consumo, que tem uma maturidade mais curta, mas não para o crédito á habitação…
Por enquanto. Aliás a Liubor vai ser construída até à maturidade de um ano.
Teremos Liubor dentro de pouco tempo?
A 3 meses, 6 meses e 12 meses a partir de Janeiro de 2012.
Mas estamos a falar da construção da taxa. Quando é que será disponibilizada aos clientes?
Ainda vai demorar, primeiro teremos que nos preparar. Mas o interessante é que a Liubor será baseada nas expectativas dos maiores bancos, não dos empréstimos que tenham concedido a outros bancos.
E isso não é muito subjectivo?
Não, haverá regras de cálculo que o BNA vai divulgar.
Mas acredita que em 2012 já teremos Liubor?
Seguramente. A Liubor a 30 dias entra em vigor já em Novembro. Na prática já é publicada pelo BNA, é a chamada taxa interbancária.
Qual o impacto da introdução da gestão de liquidez por via das reservas obrigatórias?
Trata-se de um instrumento definido no âmbito da política monetária. Recentemente houve uma redução do coeficiente das reservas obrigatórias em moeda nacional para 20%. O coeficiente fixado para a imobilização, não remunerada, da moeda nacional e definido para a moeda estrangeira, que é de 15% actualmente, deverão aproximar-se. A redução do coeficiente reflecte-se na libertação de liquidez que poderá ser orientada para o crédito. Há ainda um impacto sobre as taxas de juro que incidem sobre a poupança, pois deixamos de ter tanto dinheiro sem ser remunerado.
A banca mostra alguma agressividade na captação de depósitos em kwanzas. Isto não contrata com as taxas que estão a ser praticadas no plano dos títulos públicos? Contrasta mas trata-se de um sinal de maior concorrência entre os bancos. Neste momento há 21 bancos a operar no mercado e à uma forte concorrência na captação dos grandes clientes.
E isso não afecta a margem financeira?
Afecta mas é compensado pelo volume dos depósitos captados. A margem financeira é composta pelo preço e pelo volume. Por outro lado, noutros segmentos, como é no caso do crédito ao consumo, podem praticar-se taxas de juro mais elevadas.
Mas esse não é um segmento com pouca expressão?
Pelas estatísticas não conseguimos chegar a um valor correcto. O crédito está, no nosso mercado, mais orientado para empresas.
Fonte: O País
Fotografia: O País