“Bombinhas de mau cheiro” lançadas com motivações políticas. Foi assim que o Presidente francês, Nicolas Sarkozy, se defendeu da avalancha de notícias que, a três semanas do início das presidenciais, alimentam as suspeitas de que recebeu contribuições ilegais de uma das famílias mais ricas de França na campanha, que, em 2007, o conduziu pela primeira vez ao Eliseu.
O agora recandidato diz que as suas contas “foram controladas milímetro a milímetro” e que nunca ninguém encontrou qualquer irregularidade.
É uma trama complicada a que alimenta este caso. Para a perceber é preciso recuar a 2008 e à disputa familiar que opôs Liliane Bettencourt, a herdeira do império L”Oréal, à filha. Questionando doações feitas pela octogenária, Françoise desencadeou uma ofensiva nos tribunais para retirar à mãe o controlo da fortuna e, sem o saber, pôs a justiça a olhar para as ligações pouco claras da família à União para o Movimento Popular (UMP), o partido de Sarkozy.
As nuvens que se adensavam há meses transformaram-se em tempestade quando, a 23 de Março, um tribunal de Bordéus colocou em prisão preventiva Patrice de Maistre, ex-gestor da fortuna de Bettencourt, acusado de abuso de confiança e suspeitas de financiamento ilegal.
Dias depois, o Journal du Dimanche revelava que o juiz responsável pela instrução do caso se questionava sobre o destino de 800 mil euros retirados por Maistre das contas da família na Suíça, pouco antes de dois encontros com Eric Woerth, o tesoureiro da campanha de Sarkozy, em Fevereiro e Abril de 2007. O montante é muito superior ao autorizado para doações partidárias.
O Le Monde adianta que as suspeitas foram reforçadas pelos testemunhos da ex-contabilista e de um amigo de Bettencourt que, no dia em que foi feito o segundo levantamento, escreveu no seu diário uma confidência que ela lhe fizera: “Maistre disse-me que Sarkozy ainda precisa de dinheiro. Eu disse-lhe que sim.”
“Nunca um magistrado dirigiu uma acusação tão crua contra um Presidente da República”, escreveu o Libération, sublinhando que, apesar da imunidade de que goza, Sarkozy deveria explicar-se sobre “esta bomba judicial prestes a explodir”.
O Presidente reagiu ontem, numa entrevista matinal ao Canal+ em que, sem responder directamente às acusações ou identificar responsáveis, disse estar a ser alvo de uma campanha de difamação. “Como sempre, antes das presidenciais, é lançada uma série de bombinhas de mau cheiro. É um clássico, que já não surpreende ninguém”, afirmou.
Recordou ainda que todas as receitas e despesas da sua campanha de 2007 foram validadas pela comissão de apuramento das contas eleitorais e pelo Conselho Constitucional e que “ninguém encontrou o que dizer, não houve contestação”. “E isso foi mesmo uma estreia”, acrescentou.
Oposição irritada
As explicações de Sarkozy – ou a falta delas – irritaram a oposição. “Esta reacção é incrível. Há um caso Bettencourt e um caso Woerth-Bettencourt que está a ser investigado pela justiça. Dizer que [as suspeitas] são bombinhas de mau cheiro é quase um insulto à justiça”, disse à AFP o deputado socialista Jean-Marc Ayrault, acrescentando que, apesar da bravata, o Presidente não escondeu “um certo mal-estar”.
O candidato socialista às presidenciais, François Hollande, tem evitado referências ao caso, receando ser acusado de se aproveitar das suspeitas para tentar inverter a subida de Sarkozy nas intenções de voto – uma sondagem divulgada ontem pelo Le Monde coloca o Presidente cessante como o mais votado à primeira volta, com 30% das preferências, embora Hollande se mantenha como favorito à vitória final.
As próximas semanas prometem, contudo, trazer mais surpresas. Segunda-feira, o L”Express revelou que Bettencourt escreveu no seu diário que Sarkozy visitou a casa da família, durante a campanha, para um encontro com o marido, que morreu no final desse ano – uma informação confirmada por vários empregados. O Eliseu negou sempre tal encontro, mas ontem Sarkozy admitiu que, apesar de não se lembrar, pode ter visitado o então senador. “Mas e então, qual é o problema? Que eu saiba ele não era nenhum delinquente.”
Fonte: PÚBLICO